O Brasil precisa desestatizar a inovação

10.08.18

O chão estremece nos meios acadêmicos e científicos brasileiros quando se fala em diminuição do papel do Estado. Parece haver uma correlação inquestionável entre recursos governamentais destinados à pesquisa e a capacidade inovadora de uma nação.

“Sem o Estado na pesquisa, seremos eternos produtores de commodities”. “O governo vai racionalizar o pagamento de Bolsas da Capes”. “Estão acabando com o programa Ciência sem Fronteiras”.

Frases como as de acima revelam dois grandes problemas de foco. O primeiro: ao contrário do que se supõe, há múltiplas modalidades de conceito e prática de “Estado”. O segundo: embora indispensáveis, pesquisa e conhecimento não são os únicos determinantes do êxito inovador de um país.

Examinemos o caso da Rússia e o legado do experimento soviético. Hoje o país apresenta bons níveis educacionais, superiores a praticamente todos os mercados emergentes e mesmo aos da OCDE. Embora o “brain drain” (fuga de cérebros) tenha sido grande após a desintegração da URSS, a Rússia ainda tem enorme população de cientistas.

Durante a Guerra Fria, os russos competiam em tecnologia militar-espacial, mas não produziam despertadores que tocassem na hora ou uma bicicleta que rodasse macio. A Rússia forma alguns dos melhores matemáticos do mundo, mas não consegue gerar uma empresa global no domínio das pontocom.

Apesar de todo esforço educacional e científico a partir dos recursos do Estado, a Rússia é um gigante da ciência e um anão da inovação. Resultado: continua apenas um país de renda média.

Avaliemos agora o caso do Vale do Silício nos EUA. Sua elevada densidade de conhecimentos, tecnologias e patentes não encontra paralelo. Regiões como Zhongguancun (China), Silicon Wadi (Israel), Skolkovo (Rússia) e mesmo Bangalore (Índia) buscam replicar o seu modelo.

Há uma imediata relação entre aquela região e a história da computação. O silício, essencial à fabricação de microprocessadores, facilitou a aglomeração de indústrias de tecnologias da informação.

A importância de tal insumo na evolução dos computadores não é, contudo, a mais determinante razão do Vale do Silício ter se tornado o principal hub tecnológico do mundo. As chaves para entender o êxito de tal região são: planejamento estratégico, liberdade para empreender e inovação orientada ao mercado.

Muitos veem no “planejamento” sinônimo de conferir ao Estado caráter de empreendedor e principal financiador da inovação. E a experiência histórica demonstra que o governo dos EUA desempenhou, sim, papel no florescimento tecnológico do Vale do Silício. Na mesma medida, os governos da Coreia do Sul, China ou Singapura também jogam pesado – e tem triunfado – no desafio da inovação.

Isso supostamente legitimaria a adoção de políticas que viessem a combinar graus variados de reserva de mercado, bolsas governamentais de pesquisa e volumosos subsídios a certos tipos de tecnologias ou empresas. Uma síntese dessa posição de “expansão” do governo na inovação é o trabalho de Mariana Mazzucato, da Universidade de Sussex, que defende o papel do “Estado Empreendedor”, título de um livro seu.

Mazzucato foi recebida por Dilma Rousseff no Planalto em 2015. Na reunião estava também Aldo Rebelo, então ministro brasileiro da Ciência e Tecnologia. Provavelmente, a professora não sabia que, em plenos anos 1990, em meio à revolução da internet, Rebelo, na condição de deputado federal, propusera lei para impedir a adoção por qualquer órgão público de inovação tecnológica que fosse poupadora de mão de obra.

O episódio explica muito por que, quando se fala em “papel do Estado” na pesquisa e inovação, não se pode generalizar como se a esfera estatal fosse um ser uniforme – em conteúdo, motivações, modus operandi e objetivos –, ainda mais em se considerando as diferentes realidades de cada país.

Se é verdade que os EUA disponibilizam recursos públicos para financiar ciência básica, a maior parte da inovação se dá no âmbito privado. Edward Jung, ex-arquiteto-chefe da Microsoft, explica bem o ponto. O governo dos EUA cria, desde os anos 1950, demanda por inovação tecnológica, sobretudo a partir de orçamentos militares ou espaciais. Como não existem grandes empresas estatais nos EUA, uma vez gerada a tecnologia, as companhias transformam aquele conhecimento em “tecnologias colaterais” aplicáveis aos mercados civis.

Esse modelo, não necessariamente centrado em orçamentos militares, também tem sido amplamente utilizado nos países asiáticos de maior inovação na Ásia. Ou seja, não é porque há um papel para o Estado que o processo de inovação deva ser estatizado, como muitas vezes se acredita tanto em universidades quanto em órgãos governamentais brasileiros.

E, claro, planejamento estratégico tem de vir acompanhado de marcos institucionais e atitudes que convidem à inovação. Nos EUA, as instituições de ensino mantêm plena interação com empresas. No Brasil, universidades públicas querem distância do setor privado. A mentalidade estatista é um grande obstáculo à inovação. Basta examinar os abundantes exemplos da Rússia. E os nossos.

Em pleno 2018, a pauta de bens e serviços vendidos pelo Brasil ao exterior — produtos tecnológicos, manufaturados, semimanufaturados e agrícolas — tem sua composição exatamente idêntica àquela que exportamos em 1978. Há 40 anos o Brasil praticamente não faz mexer a agulha do componente tecnológico das exportações.

Como um todo, o país investe apenas 1% de seu PIB em inovação. E se examinarmos este baixo percentual com lupa, essencialmente 80% do montante vêm de instituições estatais.

E por que os empresários brasileiros não investem em tecnologia? Há um rosário de motivos culturais e patrimoniais, mas também algo eminentemente estrutural: empresas têm de pagar empregados atendendo a uma das legislações trabalhistas mais antiquadas do mundo. Submetem-se a tributos que chegam a 37% do PIB, enquanto concorrentes encaram uma carga bem menor: 26% no Chile e na Coreia do Sul. Sobram, portanto, mais recursos para as empresas desses países apostarem em inovação.

Theodore Levitt, lendário guru de Harvard, apontava que “criatividade é pensar coisas novas, inovação é fazer coisas novas”. Inovar vem da interação entre capital, conhecimento, empreendedorismo e um ecossistema que catalise tudo isso.

Nesse sentido, reformas estruturais e diminuição do peso do Estado são também marco zero para o Brasil decolar em pesquisa e inovação. Sem isso, a “produção científica” brasileira sé se dará em artigos publicados em revistas indexadas, não em produtos inovadores.

Quando falamos sobre pesquisa e inovação, deveríamos concentrar a discussão menos em como o governo ajuda — e mais em como ele atrapalha.

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