O bacalhau do Barata
Ao longo dos anos, o Supremo Tribunal Federal foi criando certas regras para evitar que processos repetitivos entrassem à toa na corte. Isso aconteceu porque eram entendimentos tão consolidados dentro do tribunal que se justificava a criação de súmulas capazes de atalhar as decisões em processos similares e, assim, evitar mais sobrecarga. Uma dessas súmulas diz que, enquanto o Superior Tribunal de Justiça, a instância imediatamente inferior, não decidir sobre um habeas corpus, um investigado não pode acionar o Supremo. Não foi o que aconteceu na última quarta-feira, 7. Em uma semana, um pedido de HC chegou ao gabinete de Gilmar Mendes e teve seu desfecho. Na ação, o ministro admite que a situação se enquadrava na súmula e, por isso, não caberia no caso um pedido ao Supremo. Mas fez uma ressalva: por entender que o caso era tão absurdo, ele não poderia se omitir. O interessado na causa era o empresário Jacob Barata Filho, um dos principais alvos da Operação Lava Jato no Rio de Janeiro.
Alvo de uma ação penal, o empresário pedia que o processo fosse suspenso. O caminho para isso era um habeas corpus. Gilmar acolheu o argumento. Concluiu que Jacob estava sob “constrangimento ilegal” por ter sido intimado para uma audiência, no dia seguinte, perante o juiz Marcelo Bretas. Gilmar considerou o chamado excessivo, inaceitável, porque havia dúvidas se Bretas era o juiz certo para o caso e, por isso, o mais apropriado seria evitar que a tal audiência ocorresse. O “constrangimento ilegal” era tão grave, na visão do ministro, que não apenas a audiência foi cancelada como o processo inteiro foi suspenso por ordem de Gilmar.
Jacob é (ou era) acusado de evasão de divisas. Ele foi pego no aeroporto do Rio a caminho de Portugal, quando foi preso pela Lava Jato do Rio, sob a suspeita de pagar propinas em um longevo esquema de corrupção na área de transportes. Carregava dez mil euros não declarados e, também por isso, foi processado (o empresário é alvo de outras ações e inquéritos). A Lava Jato entendeu que esse dinheiro tinha conexão com a fortuna que ele fez nos esquemas investigados. Não fosse a decisão de Gilmar, Bretas seria o encarregado de julgá-lo. Agora, tudo fica parado até que o Supremo decida quem deve ser o juiz do caso.
O pedido de suspeição feito por Janot pode não prosperar porque a sua sucessora, Raquel Dodge, recuou. Mas, em razão do questionamento, o ministro teve que se explicar sobre Jacob Barata à presidente da corte, Cármen Lúcia, na tentativa de convencê-la a mandar o assunto de vez para a gaveta. Gilmar escreveu 28 páginas para dizer que nada tinha a ver com Jacob Barata. E foi num parágrafo de duas linhas que Crusoé descobriu, digamos, uma omissão por parte do ministro.
Ao se referir ao casamento da filha de Jacob Barata, da qual foi padrinho, o ministro afirmou que nunca foi próximo do empresário – e, sim, da família do noivo. Afirmou ainda que nem conhecia pessoalmente Jacob Barata. Assim escreveu Gilmar Mendes: “Vale frisar que em momento algum, anterior ou posterior à cerimônia, o arguido (ele próprio, Gilmar Mendes) teve contato com a família da noiva”. Pouco antes, ele dissera à imprensa que viu a família de Barata no casamento – e só.
Como Crusoé revelou em junho, uma investigação da Polícia Federal coletou indícios de que a corrupta JBS usou a sede do instituto de Gilmar Mendes para tramar a oferta de 200 milhões de reais a juízes de Brasília encarregados de processos nos quais a companhia aparecia envolvida. O meio de campo foi feito justamente por Dalide Corrêa, a mulher-bomba que, como se vê, sabe também sobre a proximidade do ministro com Jacob Barata. Crusoé enviou perguntas a Gilmar sobre o encontro em Portugal com o empresário enrolado na Lava Jato, mas a sua assessoria informou, horas depois, que não conseguiu localizá-lo para obter as respostas.
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