Gilmar Mendes no casamento da filha de Barata: ele diz que só viu o empresário na cerimônia, mas não é bem assim

O bacalhau do Barata

Gilmar Mendes, que nesta semana expediu mais uma decisão em favor do empresário Jacob Barata Filho, diz publicamente que só esteve com ele uma vez na vida. Mas não é verdade. Eles já brindaram juntos em Portugal
10.08.18

Ao longo dos anos, o Supremo Tribunal Federal foi criando certas regras para evitar que processos repetitivos entrassem à toa na corte. Isso aconteceu porque eram entendimentos tão consolidados dentro do tribunal que se justificava a criação de súmulas capazes de atalhar as decisões em processos similares e, assim, evitar mais sobrecarga. Uma dessas súmulas diz que, enquanto o Superior Tribunal de Justiça, a instância imediatamente inferior, não decidir sobre um habeas corpus, um investigado não pode acionar o Supremo. Não foi o que aconteceu na última quarta-feira, 7. Em uma semana, um pedido de HC chegou ao gabinete de Gilmar Mendes e teve seu desfecho. Na ação, o ministro admite que a situação se enquadrava na súmula e, por isso, não caberia no caso um pedido ao Supremo. Mas fez uma ressalva: por entender que o caso era tão absurdo, ele não poderia se omitir. O interessado na causa era o empresário Jacob Barata Filho, um dos principais alvos da Operação Lava Jato no Rio de Janeiro.

Alvo de uma ação penal, o empresário pedia que o processo fosse suspenso. O caminho para isso era um habeas corpus. Gilmar acolheu o argumento. Concluiu que Jacob estava sob “constrangimento ilegal” por ter sido intimado para uma audiência, no dia seguinte, perante o juiz Marcelo Bretas. Gilmar considerou o chamado excessivo, inaceitável, porque havia dúvidas se Bretas era o juiz certo para o caso e, por isso, o mais apropriado seria evitar que a tal audiência ocorresse. O “constrangimento ilegal” era tão grave, na visão do ministro, que não apenas a audiência foi cancelada como o processo inteiro foi suspenso por ordem de Gilmar.

Jacob é (ou era) acusado de evasão de divisas. Ele foi pego no aeroporto do Rio a caminho de Portugal, quando foi preso pela Lava Jato do Rio, sob a suspeita de pagar propinas em um longevo esquema de corrupção na área de transportes. Carregava dez mil euros não declarados e, também por isso, foi processado (o empresário é alvo de outras ações e inquéritos). A Lava Jato entendeu que esse dinheiro tinha conexão com a fortuna que ele fez nos esquemas investigados. Não fosse a decisão de Gilmar, Bretas seria o encarregado de julgá-lo. Agora, tudo fica parado até que o Supremo decida quem deve ser o juiz do caso.

Reprodução/TV GloboReprodução/TV GloboJacob Barata Filho: alvo da Lava Jato, ele foi libertado três vezes por Gilmar
O agraciado pelo despacho de Gilmar Mendes é um velho conhecido da Lava Jato e um daqueles raros réus acostumados a conseguir decisões rápidas no STF – sempre no gabinete do ministro. Jacob Barata foi preso pela Lava Jato e solto por Gilmar três vezes. Não bastassem as decisões favoráveis à velocidade da luz dadas por Gilmar, há outros fatos que colocam sob suspeita as relações entre o ministro e o empresário. Então procurador-geral da República, Rodrigo Janot chegou a pedir que o ministro não mais julgasse processos envolvendo Jacob Barata porque Guiomar Mendes, que vem a ser mulher do ministro, é sócia de um escritório de advocacia que atende o réu em outras ações. Além disso, ela e Gilmar foram padrinhos de casamento da filha de Jacob Barata, em 2013. Guiomar era tia do noivo. Outro ponto citado por Janot é que Barata é sócio de um do cunhado de Gilmar Mendes, irmão de Guiomar, em uma empresa de transportes.

O pedido de suspeição feito por Janot pode não prosperar porque a sua sucessora, Raquel Dodge, recuou. Mas, em razão do questionamento, o ministro teve que se explicar sobre Jacob Barata à presidente da corte, Cármen Lúcia, na tentativa de convencê-la a mandar o assunto de vez para a gaveta. Gilmar escreveu 28 páginas para dizer que nada tinha a ver com Jacob Barata. E foi num parágrafo de duas linhas que Crusoé descobriu, digamos, uma omissão por parte do ministro.

Ao se referir ao casamento da filha de Jacob Barata, da qual foi padrinho, o ministro afirmou que nunca foi próximo do empresário – e, sim, da família do noivo. Afirmou ainda que nem conhecia pessoalmente Jacob Barata. Assim escreveu Gilmar Mendes: “Vale frisar que em momento algum, anterior ou posterior à cerimônia, o arguido (ele próprio, Gilmar Mendes) teve contato com a família da noiva”. Pouco antes, ele dissera à imprensa que viu a família de Barata no casamento – e só.

DivulgaçãoDivulgaçãoDalide Corrêa, a ex-diretora do IDP: ela, Gilmar e Barata jantaram em Portugal
Não é verdade. O ministro deixou de mencionar um animado jantar que teve com Jacob Barata em uma de suas muitas viagens a Portugal. O encontro, confirmado a Crusoé por gente ligada ao próprio Gilmar, se deu no balneário de Cascais, vizinho a Lisboa. O clima era festivo. Além de Jacob Barata e Gilmar, estava lá Francisco Feitosa, sócio do empresário e irmão da mulher de Gilmar – Chiquinho Feitosa, como é conhecido, tem negócios no Brasil e também em Portugal. À mesa, estava ainda a advogada Dalide Corrêa, braço direito de Gilmar Mendes durante anos, inclusive no Instituto Brasiliense de Direito Público, o IDP, do qual o ministro é sócio.

Como Crusoé revelou em junho, uma investigação da Polícia Federal coletou indícios de que a corrupta JBS usou a sede do instituto de Gilmar Mendes para tramar a oferta de 200 milhões de reais a juízes de Brasília encarregados de processos nos quais a companhia aparecia envolvida. O meio de campo foi feito justamente por Dalide Corrêa, a mulher-bomba que, como se vê, sabe também sobre a proximidade do ministro com Jacob Barata. Crusoé enviou perguntas a Gilmar sobre o encontro em Portugal com o empresário enrolado na Lava Jato, mas a sua assessoria informou, horas depois, que não conseguiu localizá-lo para obter as respostas.

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