AlexandreSoares Silva

Pior país do mundo

05.03.21

A cada besteira que encontro na imprensa eu me espanto como se estivesse no Jardim do Éden e estivesse testemunhando o nascimento da primeira besteira do mundo.

Por exemplo: durante toda a pandemia, e cada vez mais, as pessoas têm repetido que o Brasil, entre todos os países que existem, ocupa uma posição de ruindade excepcional. E que sempre foi assim, até antes do corona. Que somos uma Nárnia de agiotas que bebem corote num posto de gasolina, um Xanadu do estelionato e da torpeza, uma Shangrilá da estupidez e do dengue.

Mas não é essa a besteira a que eu me referia antes. Acho tudo isso aí muito possível. É possível que sejamos excepcionais em alguma coisa, sim, por que não? Mesmo que nisso. A besteira vem de como colunistas, blogueiros e tuiteiros raciocinam automaticamente quando ouvem essa afirmação da nossa posição única na história.

Porque logo aparece alguém para dizer que não, não podemos nos orgulhar nem dessa excepcionalidade toda, porque somos medíocres até na ruindade; nossa ruindade é tão ruim que nem é ruindade propriamente dita, é uma falcatrua; é tão falsa quanto cerveja de milho, chocolate de alfarroba ou o Chico Buarque usando a palavra “cabrocha”. Que romenos, ganenses, mexicanos, portugueses e nepaleses também devem se achar vivendo nos piores países do mundo, com hábitos especialmente nocivos e típicos lá só deles, e que não é possível que nós e os romenos, ganenses e etc. possamos estar todos certos ao mesmo tempo, ou (e é aqui que vem a besteira edênica, a besteira platônica, a besteira que contemplamos com o espanto de uma criança que nunca ouviu uma besteira antes e para a qual ela soa maravilhosa, como um coro de anjos especialmente imbecis) que não é possível que nós estejamos certos, e eles todos errados.

Desprezo essa falta de autoconfiança. Sim, temos uma posição única de ruindade no mundo. E não só não devemos negar isso por mero acanhamento e humildadezinha torpe, como acho que devemos amar isso. De verdade. Mesmo. Amar com o jingoísmo de um integralista se forçando a ler mitos indígenas sem dormir no meio, ou de uma tia patusca com a camiseta da seleção batendo com uma bandeira numa petista insolente.

Mas amar a nossa ruindade? É possível amar a nossa ruindade? Bom, quem é um exemplar mais belo de ser humano: alguém que, tendo uma casa enorme, se gaba grosseiramente dela (pus esse “grosseiramente” para que você não tenha dúvida do que eu quero que você responda), e diz que ter uma casa daquelas é para poucos, não para pessoas da sua laia, e posta fotos dela sem parar no instagram – ou alguém que vive numa casinha horrorosa e pequena mas se orgulha dela, com a desculpa de que é horrorosa, e é pequena, mas é dele, e por isso ele a ama? (A resposta correta é essa segunda pessoa aqui.)

Quem é mais admirável: o dono de um galgo russo que posta fotos com ele exibindo o certificado de cachorro mais bonito da Alsácia Lorena, formando com o animal duas silhuetas elegantes num jardim projetado por Richard Haag, e só o ama porque o cachorro é bonito e não envelheceu ainda, ou o dono do cachorro mais horroroso do mundo que posta foto abraçando esse cachorro e dizendo “OLHEM O MEU CACHORRO MEU DEUS COMO EU AMO ESSE CACHORRO HORROROSO”?

É obviamente imoral amar demais o que é bonito e o que é bom. É deselegante, é boçal. Então qual é o problema de amarmos o Brasil logo de uma vez?
Oh, mas que brega. Patriotismo é brega.” Sim, talvez seja brega. Mas estou falando de um patriotismo um pouco menos brega, que defenda o Brasil não porque ele é nobre e admirável, mas porque ele é essa choldra-boldra mesmo. Nossa choldra-boldra. Sim, sua também: a choldra-boldra em que vivia a sua avó, a choldra-boldra em que você saiu com as suas primeiras namoradas, a choldra-boldra em que você repetiu de ano, teve cachorros, perdeu cachorros, formou uma banda, desistiu de ter banda, largou um curso no meio, escreveu um roteiro que nunca mostrou pra ninguém. Como é possível não amar esta choldra-boldra, se todas essas coisas aconteceram nesta choldra- boldra?

Talvez também seja possível, com o tempo, negar que o país seja tão ruim assim. Passar para uma segunda fase mais maluca do patriotismo, até chegar a dizer que o Brasil é o melhor país do mundo – como uma mulher que elogia os pastéis do marido, que vêm encharcados de óleo e ninguém mais consegue comer, mas ela jura e acredita mesmo que são os melhores pastéis do mundo, só porque ama o imbecil que os faz.

Talvez a gente possa um dia ser assim? Não sei, mas eu gostaria de ser assim.
Quando penso no melhor do Brasil, penso no Sítio do Picapau Amarelo, alguns doces mineiros, mais ou menos 18 minutos de Tom Jobim e João Gilberto, e o Brasil falso mostrado em musicais da RKO com pessoas chamadas Señor Martinez e Conchita Ribera. Tem um germe aí de um Brasil que eu poderia gostar.

Enfim, para resumir, quero frisar dois pontos e apenas dois pontos:

1) Sim, este é o pior país do mundo.

2) E daí?

Alexandre Soares Silva é autor de romances, contos e roteiros para a TV.

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  1. Não consegui ler até o final... Sr, espero e desejo q tenhas uma breve passagem pela Crusoé. Afinal eu sou um dos mantenedores da revista c minha assinatura

  2. Parabéns, triste e belo olhar sobre este país do fim do mundo! Mais ainda digo e lembro da Odete Roitman quando dizia PAÍS TUPINIQUIM. Não sei se choro ou caio na rizada, mais cá na minha idade, creio que devo rir, talvez, não vala a pena chorar mais, acabou o tempo.

  3. A única coisa que nós podemos fazer pra melhorar o nosso país é começar a se organizar agora para beneficiar as gerações do futuro. Como ninguem tá a fim de fazer isso iremos todos ficar apenas reclamando na internet enquanto recebemos péssimos serviços públicos. E aqueles que se beneficiam da inatividade generalizada do cidadão comum e honesto continuarão a se aproveitar desta situação.

  4. O que este cara quiz dizer? Não vejo os brasileiros falando mal do país e sim dos políticos brasileiros e com toda a razão. Fazia tempo que não via uma bobagem na Crusoé

    1. O politico que temos, este triste ensaio de ser humano, sem caráter, sem ética, sem compromisso moral com a coisa pública, nada mais é que o retrato do povo que aqui habita. Quem elege o mal politico é o serumaninho.

  5. A fonte de todo mal do país é a procriação sem paternidade e maternidade responsável, incentivado pela igreja e as mídias.

  6. Para deixar de ser o pior país do mundo tem que melhorar a EDUCAÇÃO pro povo votar bem escolhendo candidatos que represente seus eleitores. Por tabela uma classe política digna saberá escolher bem juízes pros tribunais superiores que ajam em prol do bem cumprindo a Constituição. Falei.

  7. Se este é o pior país do mundo, o que eu tenho feito para modificar essa situação? Essa é a pergunta que deveríamos nos fazer todos os dias.

    1. Melhorar como ser humano, evoluir espiritualmente, praticar o bem, deixar de ser egoísta e etc, etc e etc.

    2. E vamos conseguir como? Se os poderes estão nas mãos de quem nós elegemos, e o que estamos vivenciando é um desmonte geral, isso aqui virou casa da mãe Joana... eles estão todos empoderados, não há mais justiça neste país para impor um limite, acabou tudo. Estamos deixando eles decidirem para onde irão levar esse país..

  8. Ser o pior e lutar pra melhorar ou ter sido melhor e estar piorando. Vivo aqui dentro, à alguns metros de toda casa brasileira grande ou pequena acontece um retrocesso. Está piorando antes de melhorar . Não consigo amar isso.

    1. Perfeito, sinto um enorme vazio! Gostaria de ter o DIREITO DE SENTIR ORGULHO ESTE PAÍS, só me cabe vergonha.

    1. LER, RELER, ANALISAR e REFLETIR, simples assim. Caso não consiga entender, esqueça tudo que leu, não adianta.

    1. Não é fraquinho. Pelo contrário, é forte demais. O problema do texto é ser demasiadamente rebuscado, com parte do vocabulário desconhecida para a média dos leitores. Não aguentei ler até o final. Se é pra ler com dicionário do lado ou toda hora consultando o Google, melhor parar e ler os comentários de leitores que tenham pós-doutorado.

    2. Sim. É um textooo ... difícil de qualificar sem ofender o autor.

  9. Tá hora se cada brasileiro pensar no q pode melhorar em sua vida e a do outro proximo e o q pode fazer pelo país ,e m vez de reclamar! O Brasil e muito bom , mas sua gente!!???

    1. "Calma Pedro, espera só pra ver o povinho que vou botar lá". Piada velha, mas que nunca perde sua atualidade. O problema não está no Brasil, está nos brasileiros e esses, esses não têm jeito. Caso perdido.

  10. Não entendi qual o significado desta coluna escrita por este senhor. Não somos nem piores nem melhores que os outros países. Temos nossas idiossincrasias? Claro que temos, quem não as tem? Acho que neste momento brasileiro, não precisamos de textos como este.

  11. Que tal convidar para escrever na revista gnt como: Carvalhosa, Deltan, Vecina, Kim, ...de comediantes acho q já bastava o q vcs já tinham!

  12. Não é o melhor nem o pior país do mundo. É simplesmente onde vivemos. Embora a nação seja algo particularmente difícil de digerir o território tem belezas, e muitas. Vivo bem, vivo mal, vivo aqui. Nessa terra de nome Brasil não me sinto estrangeiro.

  13. É um país em depressão social. Uma anomia inquestionável. Ler os jornais e revistas todos os dias é um ato de masoquismo puro. Um sofrimento sem fim, sem perspectiva de melhora, uma desesperança total. Como disse um poeta: "a maldade cansa". Mas , no Brasil não. O Brasil é um país cansativo. É cansativo ser brasileiro. É muita desfaçatez nos três poderes constituídos. Um "estado democrático de direito" com direitos apenas para os que dizem essa maldita frase. Deixem-me ir, não aguento mais.

    1. Gostei do texto do Alexandre e gostei do comentário do Pedro. O Brasil cansa...

  14. Parabéns pela estreia por aqui...!!! Excelente texto com abordagens inteligentes e acuidade. E assim a Crusoé vai se afinando com os melhores... em busca de uma consciência mais refinada.

  15. Sim; eu amo esta Choldra-brolda e daí? seja la o que significa choldra-brolda deve ser algo mais plausivel de amar e quanto ao mais o Brasil é um paraíso sobre rodas onde falar de nossa ruindade é o unico senso comum a que unanimemente concordamos; mas deve haver algo de realmente notável e glorioso por aqui que so os desiludidos da choldra-brolda conseguirão alcançar; como uma espécie de beatificação por suportar tanta ruindade.

  16. Concordo com todos os teus adjetivos desqualificativos desse Brasil de sempre. Realmente, não é que tenhamos perdido o rumo; nunca o tivemos. Sempre fui pessimista em relação a esta Pátria, a qual me diziam, há 76 anos, ter um futuro venturoso. Votei no MDB, contra a ditadura, no Lula, contra o Collor, e neste Bolsonaro, contra o Lula, esperando, sempre, pelo melhor. E o que me vem? O pior de tudo. Temo pelo futuro dos meus bisnetos que, certamente, sem escolha, terão que nascer por aqui mesmo.

    1. Tenho 10 anos menos que você e digo o mesmo: "E o que vem? O pior de tudo". Sem esperanças, desisto.

  17. Tem razão Carlos Fernando. Só há uma saída realmente eficaz: a voz do povo. Cedo ou tarde , tenho certeza que caminhamos pra isso. O pão já está faltando, mas a opressão e a falta de liberdade não nos sufocarão. Precisamos cada vez mais de líderes que nos iluminem como seus exemplares e corajosos artigos. Excelente!

  18. Eu sinto um misto de amor e ódio pelo Brasil. Amor, porque nasci, cresci e ainda vivo aqui. Ódio, por não ter esperança de ver mudança para melhor, nem a curto, médio ou longo prazo. Enfim, dancei!

  19. Lendo o seu texto me lembrei de um médico, já de idade, que atendia quando trabalhava em um laboratório farmacêutico. Numa visita com um colega, ele brincou com a gente. "Vocês se acham "comedores", come uma hoje, come outra amanhã. "Comedor" sou eu, que como a minha velhinha e somente ela, durante toda a minha vida". O Brasil é um veneno que você toma fracionado. Você adquire com ele a hormese. Já tive a oportunidade de morar noutro país. Mas isso ñ é para mim. Vou continuar me envenenando aqui

  20. Sr. Soares porque não se muda? Não sentiremos sua falta em nenhum momento. Que matéria esquisita essa Crusoe cada vez pior. Meu Deus..

    1. Márcio respeito vc não está falando com ninguém da sua família...

    2. Você deve ser um alienado se acha que este país vai bem!!

    1. Então não reclame do Governo, não reclame de nada, pois é isso que vocês merecem.

    1. Foi o q fiz: deixei-o. Há 34 anos! Resumo da ópera: até hj pouco mudou aí, a ñ ser q agora até os + pobres têm celular. E + de 1! Não reclamo de nada na minha "nova vida", mto pelo contrário, mas se tivesse q optar outra vez, ficaria no Brasil. A vida nessas bandas de cá é mto + fácil, mas qdo a gente vem já adulto, sempre será como um peixe fora d'água: problemas c/a língua, c/a cultura, c/os costumes. A gente fica sem raízes, dividida entre 2 mundos s/ pertencer a nenhum deles. Então, AME-O!

  21. Parece que o moço foi contratado para escrever um artigo e faltou inspiração. Daí escreveu essa baboseira. No meu tempo de escola a gente chamava isso de "encher linguiça".

  22. Sou da primeira geração de brasileiros, e durante minha vida tive diversas oportunidades de morar nos EUA... nunca quis... eu amo esta choldra-boldra... ainda tenho a esperança de ver um STF menos politizado, um Congresso que visa sinceramente as melhorias para as futuras gerações, e uma população de forma geral menos corrupta... sou otimista e patriota!

    1. Caraco.. até que enfim, depois de uma vida inteira de estudos antropologicos, encontrei um neanderthal em pessoa, vivo e lúcido.. cara do céu, ele tem mais de 300.000 anos... tô impactado com a descoberta.. apscosta/df

  23. Caramba nunca vi tanto amargor de vida, e que entusiasmo para falar de tudo isso. Prefiro votar no Tiririca, pior que está não fica.

    1. Não se iluda. Ele disse isto na CAMPANHA para sua primeira eleição. Não há dúvida alguma de que de lá prá cá piorou mto (e com a ajuda dele. O que faz no Congresso? )

  24. O artigo me fez pensar nas mulheres que vivem com homens agressivos e patéticos e que acham merecedoras desses maridos e não os largam por algum tipo de crença. Não é admissível.

    1. Muito original e interessante o texto. E, de fato, o país onde a gente nasce e onde estão nossas memórias precisa ser amado e não abandonado. Mas que está difícil está, ôh se está!

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