Divulgação"Alguns chefes de governo acham que nosso bem-estar pode melhorar apenas com eles dizendo que tudo vai ficar bem"

O trabalho em tempos de Covid

O pesquisador britânico Marcus Buckingham estudou o desempenho das pessoas em seus empregos durante a quarentena e descobriu que elas se saem melhor diante das adversidades
05.03.21

O pesquisador britânico Marcus Buckingham, de 55 anos, acompanha a evolução das relações de trabalho em dezenas de países. Em um de seus últimos trabalhos, 26 mil pessoas de 25 países foram entrevistadas para medir o quanto elas estavam motivadas e até que ponto têm sido resilientes. Nesse segundo quesito, a ideia era descobrir o quão os entrevistados estavam preparados para enfrentar e superar mudanças que pululam pelo caminho — habilidade que se tornou essencial com a pandemia. A conclusão foi a de que cerca de 17% das pessoas poderiam ser consideradas altamente resilientes. Contrariando o senso comum, aquelas que mais se mostravam capazes de dar a volta por cima eram justamente as mais afetadas pela pandemia. “Aqueles que tinham enfrentado mais de cinco mudanças no trabalho tinham 13 vezes mais chances de ser altamente resilientes”, diz Buckingham. Outro grupo que se mostrou muito resistente, antes até da pandemia, foi o de pessoas que trabalhavam quatro dias por semana de casa e apenas um no escritório.

Palestrante frequente, autor de vários livros e diretor de pesquisas da empresa de recursos humanos ADP, Buckingham lançou em janeiro no Brasil o livro Nove mitos sobre o trabalho. A obra, escrita em parceria com Ashley Goodall, vice-presidente de liderança e equipe de inteligência da gigante Cisco, põe à prova diversas crenças que prevalecem no mundo corporativo. Questiona, por exemplo, a ideia de que as pessoas se importam com as empresas para as quais trabalham — o que vale, na realidade, é a equipe da qual elas fazem parte. Outro mito destroçado a partir das pesquisas é o de que as pessoas precisam de feedback e devem ser avaliadas o tempo todo pelos colegas. Segundo os autores, elas precisam mesmo é de atenção. “Humanos são seres que precisam de atenção. O pior que pode acontecer é serem ignorados”, diz Buckingham. A seguir, a entrevista.

Em quais dos 25 países estudados as pessoas têm conseguido se reerguer melhor após serem afetadas pela pandemia?
Uma das nossas descobertas foi a de que a resiliência das pessoas não tem relação com quanto o país delas foi afetado pelo coronavírus. Saber quantos cidadãos foram contagiados ou morreram para cada milhão de habitantes em um país diz pouco sobre a capacidade que seus trabalhadores têm de dar a volta por cima. Entrevistamos mais de mil pessoas em vários países e descobrirmos que em torno de 17% delas poderiam ser consideradas altamente resilientes. Esse número não muda muito de um país para o outro. No Brasil, é de 16%. Para estudar a resistência das pessoas, o mais importante é olhar para a experiência pessoal de cada uma. O resultado que encontramos subverte o senso comum. As entrevistas nos mostraram que, quanto mais uma pessoa foi afetada pela Covid, mais resiliente ela é.

Como assim?
Resiliência é uma qualidade que aparece quando se reage a algo. É diferente do que chamamos de motivação. Quando falamos em resiliência, avaliamos a capacidade de o indivíduo resistir, recuperar-se e superar uma adversidade no trabalho. Para medir a resiliência, usamos um questionário com dez perguntas. Você confia no líder da sua equipe? Consegue se focar em realizar suas tarefas, independente do que acontece ao redor? Tem coragem para correr riscos? Também perguntamos quantas mudanças as pessoas tiveram de enfrentar no ambiente de trabalho nos últimos tempos. Elas foram obrigadas a trabalhar de casa? Tiveram de usar equipamentos de proteção? Estão mais horas no computador? Menos horas? Tiveram de aprender novos recursos tecnológicos? Entre todos os nossos entrevistados, 97% tiveram de enfrentar alguma circunstância nova durante a pandemia. Mas o mais surpreendente foi descobrir que aqueles que tinham enfrentado mais de cinco mudanças no trabalho tinham 13 vezes mais chances de ser altamente resilientes. Outra coisa que nos chamou a atenção é que aqueles que tiveram uma intensa experiência pessoal com a Covid, que foram contagiados pelo coronavírus ou conhecem alguém da família que foi internado ou que morreu, eram 3,8 vezes mais resilientes.

Por que as pessoas que mais enfrentaram problemas são as mais resilientes?
Os seres humanos não temem a mudança. Eles têm medo é do desconhecido. Quando uma pessoa é infectada pelo vírus, a doença fica menos assustadora porque é preciso encará-la na prática. No trabalho, se o chefe diz aos seus subordinados claramente qual é a mudança e como ela vai afetar a todos, os funcionários ficam mais resilientes, porque sabem como irão lidar com a realidade. É por isso que os líderes precisam ser claros, honestos. Devem falar sem rodeios. Quando os chefes mentem, dizem que tudo vai voltar ao normal rapidamente e que não há motivo para se preocupar, todos ficam menos resilientes. Se o dono de uma empresa diz aos seus funcionários no meio de uma pandemia que está tudo bem, aí é que todos sabem que não está. Ficam todos ansiosos.

Global Leadership NetworkGlobal Leadership Network“Ficamos mais seguros quando recebemos os dados reais, frios”
A regra que vale para os chefes de empresas também serve para chefes de governo?
Claro que sim. Este é um momento em que os políticos não podem ser excessivamente otimistas ou pessimistas. Em uma pandemia, eles precisam se ater ao máximo aos fatos, ser realistas. As pessoas gostam disso. Ficamos mais seguros quando recebemos os dados reais, frios. O problema de alguns chefes de governo é que eles acham que nosso bem-estar pode melhorar apenas com eles dizendo que tudo vai ficar bem. Vários presidentes têm cometido esse grande erro estratégico e psicológico.

Muitos funcionários de empresas passaram a trabalhar de casa com a pandemia. Em que medida isso afetou a qualidade do trabalho ou a produtividade?
Em 2018, antes da pandemia, avaliamos a motivação das pessoas em 18 países, incluindo o Brasil. Nossa pesquisa mostrou que as mais engajadas eram aquelas que trabalhavam de casa quatro dias por semana e um dia no escritório. Olhamos os dados de outros grupos, por diversos critérios, mas esse era sem dúvida o mais motivado em todo o mundo. Essa ideia de que as pessoas estão loucas para correr para o escritório não se confirma na realidade. Outro grupo que também estava satisfeito e animado era o de pessoas que sentiam que trabalhavam em um time. Eles se empolgavam em fazer parte de uma equipe e colaborar com os colegas. Recebiam ajuda dos demais, confiavam neles e no chefe. Para alcançar isso, não é preciso que alguém vá ao escritório todo dia. Durante a pandemia, quando muita gente foi forçada a trabalhar de casa, os bons chefes não precisaram mudar de conduta. Eles só precisaram continuar fazendo o que sempre fizeram.

Qual é a receita para ser um bom chefe?
Eles precisam acompanhar o que os subordinados estão fazendo, ao menos uma vez por semana, por cerca de 15 minutos. Isso não é bancar uma de terapeuta, ficar conversando. O que precisam fazer é perguntar quais são as prioridades dos funcionários para a próxima semana e como podem ajudá-los.

Não fica mais difícil fazer isso quando as pessoas estão longe uma das outras?
Não há nada hoje que impeça que as pessoas se sintam parte de um time no trabalho. É possível falar com os funcionários por mensagens de celular, por e-mail, pelo telefone, por chamadas de vídeo. Nossos estudos mostraram que o meio não importa. Quando a comunicação acontece, as pessoas se sentem conectadas umas com as outras. De tempos em tempos, um chefe deve mandar uma mensagem e perguntar: “Em que você está trabalhando? Como posso ajudar”. Essas duas perguntas devem ser repetidas sempre. Humanos são seres que precisam de atenção. O pior que pode acontecer é quando as pessoas são ignoradas.

Reuniões por videoconferência com 50 pessoas ajudam?Não. O contato pode ser feito por vários meios, mas precisa ser de um para um, individualizado. É o mesmo que vale para a relação entre pais e filhos. O pai ou a mãe precisa conversar com um filho de cada vez, reservar um momento só para ele. O filho está gostando da escola? Aprendeu algo? Precisa de ajuda? É uma conversa que não pode ser feita a cada três meses. Quem é pai ou mãe sabe disso. Tem de falar com frequência. Isso não é espionar as pessoas, como pensam alguns. É entrar em contato com elas para saber do que estão precisando, de que informações necessitam. O toque deve ser leve. Se todo mundo no Brasil fizesse isso, veríamos as pessoas mais motivadas e resilientes.

Dá para fazer isso com equipes muito grandes?
Quando o número de funcionários que se reportam a um único chefe é muito alto, as coisas saem do controle. Em alguns hospitais que pesquisamos, às vezes havia 40 enfermeiros para um único supervisor. Essa matemática provavelmente atendia a questões financeiras, mas tornava impossível dar um atendimento individualizado e a resiliência entre esses enfermeiros era muito baixa.

John Anderson/HSRMJohn Anderson/HSRM“As pessoas acordam querendo contribuir para a empresa”
Com funcionários trabalhando de casa, não ficou mais difícil para os chefes controlarem o que eles estão fazendo?
Se pudéssemos tirar de todas essas pesquisas um único conselho aos chefes, seria: “Confie em seus empregados”. Quando um funcionário diz que acredita nos colegas, no chefe, nos diretores, ele tem 42 vezes mais chance de ser altamente resiliente. É assim no mundo todo. Se você é chefe e quer que os subordinados trabalhem duro e consigam superar as dificuldades pelo caminho, então terá de confiar neles. O contrário disso seria aumentar a desconfiança, querer saber o que as pessoas estão olhando o tempo todo na tela do computador, o que conversam em seus celulares. Mas o excesso de controle pode reduzir a produtividade. Esse comportamento não faz sentido porque, em geral, as pessoas acordam de manhã querendo contribuir para a empresa, fazer um bom trabalho. A função dos gerentes então deve ser deixar claro às pessoas o que se espera delas, e ajudá-las a alcançar os seus objetivos.

Muitas pessoas perderam seus empregos na pandemia e estão começando a trabalhar por conta própria. O sr. teria alguma recomendação para elas?
Elas precisam pensar a carreira como uma caça ao tesouro. Estou falando daquela brincadeira de criança em que os pequenos saem atrás de uma dica, que leva a uma pista escondida, e depois a outra até que elas encontram um tesouro no final. As carreiras são assim. Não são uma linha reta, uma escada previsível. Ainda mais em um momento como o atual. Também não há roteiro que sirva para todos. Estamos sempre trilhando nossa carreira sozinhos. O importante, então, é estar sempre inovando, desenvolvendo novas habilidades e tentando descobrir qual será o nosso próximo trabalho. Dirigir em São Paulo é assim também. O carro vai até um semáforo e espera o verde. Vira à direita até outro semáforo. Vira e vai até outro. Não é uma linha reta. As pessoas que estão sem emprego agora devem olhar ao redor e aceitar as oportunidades que aparecerem, mesmo que sejam temporárias. Elas precisam buscar algo que amem nesse trabalho.

Não é estranho misturar amor com trabalho?
Sei que é estranho falar em amor ao dar uma dica como essa. Não estou falando do amor romântico, é claro. Mas nossas pesquisas já mostraram que as pessoas mais satisfeitas com o que fazem são aquelas que passam pelo menos 20% do tempo se dedicando a alguma coisa que elas gostam. Um estudo que fizemos em uma clínica nos Estados Unidos mostrou que aquelas pessoas que não alcançavam esse limiar dos 20% tinham uma chance muito maior de desenvolver sintomas de esgotamento, de estresse. Todos temos que entender a carreira como uma busca pelas atividades que nos dão prazer, que nos deixam felizes. Uma pista leva a outra. Quem está desempregado pode ter mais tempo livre para explorar novos caminhos e buscar aquilo que ama. Quando sair desse período turbulento do planeta, essa pessoa conhecerá melhor ela mesma. Vai sair melhor do que entrou.

Isso vale também para quem está empregado em uma empresa, certo?
Sim. As pessoas mais felizes no trabalho não são aquelas que apenas desempenham as tarefas que lhes foram dadas, mas aquelas que acabaram gerando novas coisas a partir do que gostam de fazer. Elas acabam, assim, alterando o perfil dos próprios cargos. Descobrem coisas que amam e se dedicam a elas. Assim, ainda aprendem outras coisas com mais facilidade. Tornam-se mais criativas, mais generosas. Isso também vale para aqueles que têm um emprego principal, mas desenvolveram um trabalho marginal, secundário. Quando começamos a estudar isso, achávamos que as pessoas assumiam mais trabalho porque queriam ganhar mais dinheiro. É verdade. Mas elas também acumulam outras tarefas porque querem ter mais chance de fazer o que amam. Ao desenvolver tarefas que gostam, elas se tornam mais motivadas e resilientes. 

Um dos conselhos mais comuns no mundo corporativo é o de equilibrar vida e trabalho. Faz sentido?
Esse é um entendimento incorreto. Em primeiro lugar, não devemos buscar o equilíbrio. Basta olhar para a natureza. Nada do que é saudável está em equilíbrio. Tudo está em movimento, como as estrelas. Se alguém quer ser saudável precisa se mover pela vida, encontrar uma maneira de continuar se mexendo. Além disso, é errado pensar que a vida é algo positivo e o trabalho, negativo. Nós temos várias vidas como amigo, colega de trabalho, como parente, como praticante de uma religião, como integrante da nossa comunidade. Em todos esses papéis, precisamos estar nos movendo para encontrar as coisas que amamos. Qual é a parte mais legal de ser pai? E a de ser um amigo? Precisamos captar esses sinais que nos são enviados a todo momento. São essas coisas que podem nos dar a energia para seguirmos com nossas vidas.

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  1. Entrevista boa pra quem tem empregos formais e podem ficar tomando vinho na varanda, trabalhando remotamente em seu note Apple e banda larga de 200 megas, enquanto a maior parte da população está no transporte público lotado, lamentável

    1. Monica, há um público com quem essa matéria conversa. Creio não ser sua intenção, mas não devemos "nivelar" as matérias a isso.

  2. A melhor parte é fazer dos desempregados crianças na busca do caça tesouro......sacanagem, pimenta nos olhos dos outros é refresco. Bom de um fdp.

  3. BOLSONARO e PAZUELLO BOICOTAM as VACINAS para EVITAR MANIFESTAÇÕES de RUA CONTRA o GOVERNO! Em 2022 SÉRGIO MORO “PRESIDENTE LAVA JATO PURO SANGUE!” Triunfaremos! Sir Claiton

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