DiogoMainardina ilha do desespero

95 semanas

05.03.21

Vou dedicar as próximas 95 colunas à disputa presidencial. Até a posse do sucessor de Jair Bolsonaro. Se eu desgarrar, cancele sua assinatura da Crusoé. Eu reembolso.

Resolvi fazer isso depois da morte de minha mãe, na semana passada. Eu ligava para ela todas as quintas-feiras, pelo Skype, com o pretexto de conversarmos sobre minha coluna na Crusoé, que eu lhe enviava antecipadamente. Ela sempre falava sobre o asco que sentia por Jair Bolsonaro. Ela falava também sobre o doce que comprava na padaria, sobre seus afazeres domésticos, sobre a morte de meu pai, sobre sua própria morte, sobre seus netos, sobre dinheiro, sobre Portugal, sobre a epidemia, sobre Epicuro. Desde 2018, porém, Jair Bolsonaro invariavelmente acabava invadindo nossa conversa, associado a um desgosto crescente de minha mãe pelo Brasil. Eu respondia que, em 2022, outra pessoa seria eleita, e Jair Bolsonaro sumiria de nossas vidas. Não era uma previsão: era só uma maneira de tirar o energúmeno de nossas conversas, porque ele já emporcalhava — e ainda emporcalha — o meu dia a dia, em O Antagonista. Com minha mãe, que eu amava profundamente, eu preferia conversar apenas sobre o doce da padaria ou sobre Epicuro.

Agora que ela morreu, as quintas-feiras tornaram-se insuportavelmente vazias e dolorosas, assim como minha coluna na Crusoé, que perdeu sua principal interlocutora. Um tema único e azucrinante, como a disputa eleitoral, e a perspectiva de um expurgo de Jair Bolsonaro, o energúmeno que provocava seu asco, podem contribuir a tapar o abismo sentimental causado pelo fim daquelas conversas pelo Skype. Mas só vou conseguir escrever a partir da semana que vem, porque ainda dói.

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