Pedro Ladeira/FolhapressSessão do Conselho de Ética que cassou Cunha: ele foi o último a ser mandado embora

Ética para quem?

Depois de uma longa temporada sem funcionar, o Conselho de Ética da Câmara é reativado, mas segue dominado pelo instinto da autoproteção
26.02.21

Após uma longa temporada fechado, o Conselho de Ética da Câmara dos Deputados voltou a funcionar nesta semana, praticamente forçado a dar vazão à pilha de processos acumulados. Salvo casos realmente extraordinários, o caminho da maioria dos pedidos de punição para parlamentares deve seguir o costumeiro percurso rumo aos arquivos da casa. Sanções de verdade, só quando for inevitável – e, se possível, sem a cassação de mandatos. Depois de livrar os deputados Eduardo Bolsonaro e Carla Zambelli, o conselho agora trabalha para dar uma resposta aos casos de Daniel Silveira, preso por ordem do Supremo após ameaçar ministros e defender a quebra do regime democrático, e Flordelis, acusada de encomendar a morte do marido.

O processo de Silveira deve ser tratado como prioridade pelo presidente da comissão, Juscelino Filho, do DEM. Mas isso não significa muita coisa: a previsão é que o procedimento se arraste por, pelo menos, dois meses. Depois de ser notificado da abertura do processo, o deputado terá dez dias para apresentar defesa. Depois, o relator, Fernando Rodolfo, do PL, terá mais quarenta dias para instruir o processo. Integrantes do conselho defendem que Rodolfo peça à Polícia Federal o compartilhamento do conteúdo dos celulares apreendidos na cela do bolsonarista, que tinha o hábito de gravar reuniões com autoridades – o próprio Jair Bolsonaro foi gravado, segundo colegas dele.

A última vez que um deputado perdeu o mandato no Conselho de Ética foi em 2016, quando Eduardo Cunha acabou cassado depois de um extenso processo iniciado no ano anterior. Conhecido pela fama de engavetar processos, o colegiado já recebeu 23 representações na atual legislatura, mas a maioria está parada ou já foi arquivada. Nos últimos dez anos, apenas quatro deputados foram cassados – 6% dos 66 casos denunciados. O baixo desempenho não tem a ver com falta de motivos.

Em novembro de 2019, um idoso de 71 anos foi agredido com ofensas verbais e uma cusparada pelo deputado Boca Aberta, do PROS, integrante da mais fiel fileira bolsonarista da Câmara dos Deputados. O agredido era um oficial de justiça que tentava entregar intimação ao congressista. O episódio chegou ao conhecimento do Conselho de Ética, onde o parlamentar já era alvo de um processo por quebra de decoro. O relator do caso, Alexandre Leite, do DEM, pediu a cassação de Boca Aberta, mas foi convencido pelos colegas a recomendar somente a suspensão do mandato por seis meses. O parlamentar recorreu à Comissão de Constituição e Justiça e a punição não foi aplicada até hoje – a CCJ está há quase um ano sem funcionar em razão da pandemia.

Najara Araújo/Câmara dos DeputadosNajara Araújo/Câmara dos DeputadosO deputado Juscelino Filho, atual presidente do conselho: agora vem a pressa
Também em 2019, o deputado José Medeiros, do Podemos, tentou tirar à força – e aos gritos de “vagabundo” – o microfone do colega Aliel Machado, então vice-líder da oposição, que em plenário dirigia críticas ao Palácio do Planalto. O episódio foi registrado pela TV Câmara e parou no Conselho de Ética, que optou por aplicar a pena de “censura verbal” ao parlamentar, também bolsonarista. Na prática, a punição foi uma simples advertência, algo que o conselho sabe bem usar quando não quer comprar brigas maiores.

As decisões – e a falta delas – ilustram o perfil do conselho que agora irá julgar o caso de Daniel Silveira. Ironicamente, o deputado era, ele próprio, suplente do colegiado até esta semana, embora já fosse desde 2019 alvo de uma denúncia por ter gravado uma reunião interna do PSL sem autorização de seus colegas. Agora, na esteira do barulho de sua prisão, ele acabou suspenso da função. Além de Silveira, há outras figurinhas carimbadas com assento no Conselho de Ética. Uma delas é Cacá Leão, líder do Progressistas. Em seu segundo mandato na Câmara, o deputado baiano já foi relator de dois processos por quebra de decoro, mas não chega a ser exemplo: ele é investigado por ter recebido dinheiro do caixa 2 da Odebrecht na campanha de 2014.

A expectativa é que, sob holofotes, o conselho finalmente dê vazão aos processos – e não só os de Daniel Silveira e Flordelis. Ciente da pilha de casos acumulados, Juscelino Filho protocolou em julho do ano passado um projeto que permitiria o funcionamento remoto do colegiado, mas a proposta nunca foi adiante. Ele busca apoio para aprovar um projeto que acelera a tramitação dos procedimentos, só que nada indica que as punições virão em maior ritmo. Na onda de impunidade que voltou a reinar em Brasília, e sem sinais de pressões vindas da rua, a tendência é que os congressistas se guiem pelo instinto da autoproteção.

Plinio Xavier/Câmara dos DeputadosPlinio Xavier/Câmara dos DeputadosA prisão de Daniel Silveira fez os deputados se moverem
Foi justamente esse instinto que, logo depois da prisão de Daniel Silveira, fez a Câmara correr para tentar aprovar uma mudança na Constituição que, ao fim e ao cabo, blinda deputados e também senadores contra ordens da Justiça, como prisões e suspensões de mandato. O novo presidente da casa, Arthur Lira, fez de tudo nos últimos dias para aprovar a mudança a toque de caixa, rasgando o regimento interno da Câmara. Foi freado por alguns líderes, que enxergaram o óbvio: o movimento apressado poderia contribuir para abalar ainda mais a imagem do Congresso. Engana-se, porém, quem acha que o plano será engavetado – quando as medidas são a favor delas, ao contrário do que costuma acontecer no Conselho de Ética, as excelências costumam ser bem diligentes. Na noite desta quinta-feira, 25, houve uma tentativa de aprovar o texto em primeiro turno. Com medo de não ter os votos necessários, o grupo de Arthur Lira preferiu adiar a votação.

A proposta é uma tentativa de evitar que casos como o de Daniel Silveira se repitam. Na semana passada, o alvo do mandado de prisão foi ele, um parlamentar de baixo clero longe de ser benquisto pelos pares, mas e se acontecer algo semelhante com outro que precisará de proteção imediata? O texto, relatado pela deputada Margarete Coelho, do Progressistas e coringa do Centrão, estabelece que a imunidade parlamentar prevista pelo texto constitucional só poderá ser afastada “mediante responsabilização ético-disciplinar por procedimento incompatível com o decoro parlamentar”. A mudança significa um empoderamento sem precedentes do Conselho de Ética, que se torna o único órgão autorizado a julgar congressistas que abusam de suas prerrogativas, evitando que deputados sejam alvos de ordens de prisão, salvo em casos de flagrante de crimes inafiançáveis, o que exclui delitos como agressão, crimes contra a honra e – veja só – corrupção. Na mesma toada, o Judiciário ficará proibido de afastar, de forma cautelar, congressistas de seus mandatos, cabendo nestes casos apenas a punição de cassação pelo próprio Congresso.

“Não dá para confiar no Congresso e no Conselho para se autopunir. Isso que está acontecendo jamais deveria acontecer”, reclamou da tribuna da Câmara o deputado Gilson Marques, do Partido Novo, ele próprio um membro do colegiado encarregado de punir parlamentares.

“Se eu, no exercício do meu mandato, desta tribuna, cometo um crime de calúnia, de injúria ou de difamação contra um cidadão comum, ele perde o direito de entrar com um processo criminal e civil contra mim, para exigir a reparação do dano que eu causei a ele. E eu só vou poder ser responsabilizado pelo Conselho de Ética da Câmara dos Deputados”, disse o deputado Kim Kataguiri, do DEM.

Adriano Machado/CrusoéAdriano Machado/CrusoéLira: esforço para mexer na Constituição e ampliar a blindagem das excelências
Parlamentares de diferentes colorações partidárias levaram esse entendimento à relatora do texto, mas ela resiste a modificações que corrijam a distorção. “A prerrogativa de foro do parlamentar serve para proteger o mandato, a dignidade do mandato, a liberdade de expressão do parlamentar. Faz parte, é baliza da nossa democracia”, respondeu Margarete Coelho, quando interpelada no plenário da Câmara. Ela é aliada de Ciro Nogueira, presidente do PP, e é tida em mais alta conta por Arthur Lira.

A proposta também limita ações de busca e apreensão realizadas em gabinetes. Pelo projeto, as medidas precisam, necessariamente, de autorização do STF. Hoje, por entendimento da própria corte, processos relativos a crimes sem relação direta com o atual mandato de parlamentares podem correr em instâncias inferiores. Com a esperteza, eles querem evitar a possibilidade de serem importunados com ordens de quaisquer juízes. Inicialmente, o texto blindava também as residências de deputados e senadores, mas esse trecho foi limado na versão final. O pacote incluía ainda uma mudança na Constituição que, na prática, alterava a tramitação de processos que envolvem todos os detentores de foro privilegiado – não apenas deputados e senadores, mas também prefeitos, deputados estaduais e governadores.

O texto previa que eventuais decisões em ações penais contra políticos que ocupam esses cargos pudessem ser reavaliadas diretamente, por meio de recursos ordinários, por ministros do Superior Tribunal de Justiça e do próprio Supremo. Era uma espécie de atalho direto para as cortes de Brasília, em um claro sinal de que a confiança das excelências no STJ e no STF está aumentando cada vez mais. Essa parte da proposta, porém, também foi retirada na undécima hora, já nesta quinta-feira. “Tínhamos ali a criação de mais um recurso para os tribunais Superiores, o que também gera extensão do tempo para ocorrer o trânsito em julgado. Com isso, há uma sinalização para a impunidade, tendo em vista que a prisão do político processado demorará mais ainda para acontecer, correndo o risco da prescrição penal”, diz Irapuã Santana, mestre em direito processual pela UERJ e ex-assessor de Luiz Fux no STF. Juízes ouvidos por Crusoé dizem que, na prática, a alteração criaria uma espécie de foro privilegiadíssimo para procrastinar processos contra políticos.

Deputados contrários à proposta apostam que a maioria dos ministros do Supremo reagirá em breve à investida de Arthur Lira e companhia. Caso não consigam alterar ainda na Câmara os pontos que ampliam a blindagem, eles pretendem recorrer à corte para questionar o texto. No Supremo, aliás, a chamada PEC da Imunidade – assim batizada por tratar dos limites da imunidade parlamentar – está sendo chamada de PEC da Impunidade. Sob reserva, ministros já se mostram bastante contrariados com a iniciativa. A ver até que ponto eles estão dispostos a colocar um freio no ímpeto da turma que despacha do outro lado da Praça dos Três Poderes. É sempre necessário lembrar, contudo, que o pretexto para a manobra toda na Câmara foi fornecido por Alexandre de Moraes, quando mandou prender de ofício o deputado falastrão Daniel Silveira.

Atualização — Sem ter os votos necessários para aprovar a PEC, nesta sexta-feira, 25, Arthur Lira desistiu de tentar aprovar a proposta a toque de caixa e determinou a criação de uma comissão especial que irá discutir o texto com mais tempo.

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  1. Sugeriria aos integrantes do Conselho de Ética tanto da CÂMARA como do SENADO a terem como Manual de Trabalho A ÉTICA, de Platão>

  2. Pois é, Leandro, isso é o correto e o que pensa todo cidadão de bom senso. Mas não é o que ocorre com nossa elite política. E a sociedade assiste a isso tudo calada. Que se mude logo de uma vez o nome do Conselho de Etica para algo como Ação entre Amigos.

  3. Pra mim, imunidade parlamentar é você exercer sua função na plenitude, debatendo e falando tudo o pensa, mas no âmbito de discussão de ideia e projetos de lei. Imunidade não é para pratica de crimes, peculato, prevaricação, entre outros, deveriam ser cassação compulsória sem direito de defesa. Caso Daniel, Flordelis devem ser cassados imediatamente, dois bandidos responsáveis por escrever leis, incongruência total.

  4. É preciso acabar com o foro privilegiado dos parlamentares. Mas para isso acontecer, suas excelências precisariam discutir e aprovar tal medida. Com toda certeza, dificilmente ocorrerá.

  5. A câmara e o senado com suas oligarquias de raposas que continuam se reelegendo em seus Currais eleitorais , onde parece que o povo não tem acesso a informações, estão lá justamente a serviço deles mesmo, aprovando sempre o que lhes interessa , isto é democracia invertida , e se completa com o STF que também cria leis , julga , condena e prende de forma monocrática, tudo sem controle nenhum , é um fazendão terra de ninguém.onde quem paga é o sofrido povo trabalhador .

  6. Érica, democracia e ciência são palavras tão desgastadas que mal consigo ligá-las aos seus verdadeiros significados. E os nomes dessas comissões me lembram o livro 1984 e seus ministérios. "Ministério do Amor", responsável pela repressão, "Ministério da Paz", responsável pela guerra...

  7. Ética e justiça são duas palavras que não existem nas práticas diabetes poderes. Na verdade o que da a impressão é que temos diferentes quadrilhas agindo nos três poderes. Azar do povo que tem que trabalhar e pagar impostos para sustentar essas corjas que habitam os três poderes.

  8. Com certeza o conselho de ética de qualquer presídio no país, vale mais que esses bandidos. Algum desses vermes sabe o que é ética?

  9. Com essa Constitução e essa legislação que temos não há a mínima possibilidade de mudanças pelo voto. Essa Constituição Federal em vigor desde 05/10/1988, foi feita para beneficiar principalmente os políticos.

  10. O câncer fatal da impunidade antes de seu golpe final vai matando aos poucos com a cumplicidade de quem deveria dar um basta.O veredito é sempre o mesmo: é inocente aquele q ocupa o lugar onde eu poderei estar amanhã.

    1. Parece que o pre requisito para ser politico e nao ter etica.... com rarissimas excessoes.

    2. Para votar bem, precisa ter bom candidato. Qualquer pessoa com 2 neurônios funcionando, vai pensar muito para se aproximar dessa arapuca.

    3. Como mudar, se eles é que escolhem em quem poderemos votar ?

    4. Como mudar, se eles é que escolhem em quem poderemos votar á cada eleição ?

    5. Esqueça Waldemir. Vamos continuar elegendo esta escória de sempre ...

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