SergioMoro

Novamente sobre a Lava Jato

12.02.21

São incessantes os questionamentos por parte do mundo político sobre a Operação Lava Jato. Cabe lembrar alguns fatos objetivos.

A Operação Lava Jato foi uma ação institucional e não de indivíduos específicos. Magistrados da primeira à última instâncias nela atuaram. Polícia Federal e Ministério Público Federal formaram forças-tarefas em um modelo de sucesso, contando com o auxílio de outros órgãos. Os processos iniciados em Curitiba depois foram espalhados para outras cidades do país, como Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília.

Destaco alguns resultados alcançados nos processos originados de Curitiba. Foram 174 condenados em primeira e segunda instâncias a partir de 130 denúncias. Houve 132 decretos de prisão preventiva. Trinta e cinco ações de improbidade foram propostas. Foram celebrados 209 acordos de colaboração com indivíduos e 14 acordos de leniência com empresas. Mais de 4 bilhões de reais em subornos foram recuperados e já repassados aos cofres públicos. Há previsão de recuperação, no total, de 14,7 bilhões de reais. Caso se somem a esses dados os resultados dos desdobramentos das investigações de Curitiba, inclusive no Supremo Tribunal Federal, os números serão ainda mais expressivos.

Entre os condenados e que cumpriram pena, estão poderosos homens de negócios e políticos de elevada hieraquia. Não por terem essa condição, mas porque cometeram crimes.

Nem todas as acusações prosperaram. Já na primeira instância, vários pedidos do MPF e da Polícia Federal foram indeferidos. De 291 sentenciados, 63 foram por mim absolvidos (21%). O Ministério Público recorreu de 44 das 45 sentenças que prolatei.

Desdobramentos da Operação Lava Jato geraram uma onda anticorrupção na América Latina. Países como Peru, Colômbia, México, Equador, Panamá, entre outros, receberam provas compartilhadas pelas autoridades brasileiras e desenvolveram suas próprias investigações e processos, com resultados diversos. Em toda a região, pessoas que, por seu poder político ou econômico, se imaginavam impunes, tiveram que responder perante as cortes de Justiça. A Lava Jato robusteceu a cooperação jurídica internacional em matéria criminal, com 723 pedidos de cooperação. O Brasil passou a ser visto como um país aberto à cooperação, não somente requerendo auxílio, mas também o provendo.

No setor privado, serviu como um momento de clareza para a responsabilidade das empresas em políticas anticorrupção. A lei de corrupção empresarial, de 2013, já tinha propiciado o primeiro grande impulso para a disseminação de práticas de integridade no âmbito dos negócios. Mas a Lava Jato foi o verdadeiro diferencial, com um número crescente de empresas despertando para a necessidade de prevenir práticas de corrupção e assumir postura ativa na sua correção. Pesquisa realizada por uma empresa de consultoria revelou, em uma amostragem de 250 empresas, que, em 2015, somente 57% delas tinham programas de ética e de compliance, enquanto que, em 2019, o percentual já havia alcançado 97%.

Para além dos números, o grande mérito da Lava Jato foi revelar e desmantelar, ainda que provisoriamente, um sistema de corrupção e impunidade que estava entranhado em nossas instituições e que constituía um dos motivos de nosso atraso.

Não há investigações ou processos anteriores nos quais tenham sido alcançados resultados sequer próximos aos da Operação Lava Jato. Tudo foi feito com observância ao devido processo, um princípio inegociável. Agora, não se entenda o devido processo como uma garantia de impunidade criminal dos poderosos. Essa confusão é uma perversão que se explica pela profunda desigualdade existente e praticada entre nós.

Há algum tempo a Lava Jato tem sofrido alguns reveses, isso é inegável. A culpa não é daqueles que se dedicaram à operação ou a fortalecer o movimento anticorrupção. A culpa tampouco é dos astros, mas sim dos adversários da mudança. E a Lava Jato contrariou muitos interesses especiais, sendo de se esperar resistência e reação.

Volta e meia ouço alguns elogios à Lava Jato, com críticas a alguns supostos excessos, sem que estes sejam identificados com precisão. Pergunto-me com frequência quais seriam os excessos. Os números elevados de condenados por corrupção? O número de condenados presos ou que cumpriram penas? Os bilhões recuperados aos cofres públicos? Que não se apontem como excessos as dificuldades sofridas por aqueles indivíduos ou empresas que cometeram crimes. Foi a escolha pelo caminho do crime e a demora em assumir as suas responsabilidades que geraram as dificuldades e não a aplicação da lei.

Nenhum país decente pode se ressentir da aplicação da lei em casos de corrupção. Se a Lava Jato falhou em algo foi em não mudar a política que gerou as condições que nos levaram à prática da corrupção como rotina. Cabe ressalvar que ela nunca se propôs a isso. Melhorar a política não é resultado da ação da Justiça, embora ela possa dar uma mão, afastando pontualmente políticos criminosos. Melhorar a política depende do eleitor, da imprensa livre e da sociedade vigilante. Forçoso reconhecer que temos falhado nesses aspectos. Não vou neste artigo falar da violação criminosa de aparelhos celulares de procuradores, das narrativas fantasiosas criadas em cima de supostas mensagens roubadas ou da desconsideração da lei e da jurisprudência que vedam provas ilícitas. Apesar das tentativas de desacreditar a Lava Jato, os atos objetivos dos processos e os resultados concretos da Operação falam, por si só, de sua correção e mérito.

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