SergioMoro

2021 chegou, mas…

29.01.21

Como quase todo mundo, mandei mensagens de feliz Ano Novo para várias pessoas durante a última virada do ano. “Um melhor 2021 para você, sua família e para todos.”

Espero que não tenha enganado as pessoas. Não era essa a intenção. Mas até agora, pelo menos, 2021 ainda não disse a que veio.

Ainda assim cabe reconhecer algumas notícias positivas. A principal delas, o começo da vacinação do Brasil. Mas… Gostaria de não usar o “mas” nessa frase, mas – olha ele de novo – acaba sendo inevitável. Temos vacinas, a Coronavac e a de Oxford/AstraZeneca, mas em número ainda muito reduzido. Não é só isso. Além de não termos doses suficientes, o fornecimento neste momento ainda depende da importação de imunizantes prontos ou de insumos para fabricação e, portanto, da boa vontade estrangeira. Também não temos um plano nacional consistente de vacinação. Quando todos seremos vacinados? Quando todos dos grupos de risco serão vacinados? Qual é o cronograma? Ninguém tem respostas sequer aproximadas para essas perguntas.

O “mas” não tira o mérito daqueles que se esforçaram pelas vacinas – destaco aqui novamente o governo de São Paulo, que agiu mesmo não sendo dele a responsabilidade primária. Mas é forçoso reconhecer que poderíamos estar mais bem posicionados se todos adotassem uma postura mais realista em relação à gravidade da pandemia.

Ainda falando sobre o coronavírus, também foi triste o surgimento de novas cepas do vírus, com alegadamente maior capacidade de se espalhar. Li por esses dias um artigo do Fernando Reinach, no Estadão, sobre essas novas variantes e confesso que preferia não ter lido. Mas ignorância não é virtude e não adianta se esconder das informações e dos fatos. As novas cepas talvez imponham a renovação e o endurecimento das medidas de isolamento, apesar do cansaço de todos.

Uma notícia positiva veio dos Estados Unidos, com a transição do governo Trump para o governo Biden. Houve o lamentável episódio da invasão do Capitólio, mas – agora aqui no sentido positivo –, no final do dia, as instituições prevaleceram. A posse presidencial transcorreu na semana seguinte sem outros incidentes. É uma virtude, independentemente de qualquer posição político-partidária, assistir à transição pacífica de poder em uma grande democracia.

Também podemos considerar positivas as previsões otimistas de retomada do crescimento mundial, com recuperação das perdas do ano anterior, impulsionada pela elevada liquidez do mercado e pelos planos governamentais de auxílio e de incentivo à atividade econômica. O Brasil pode se aproveitar dessa fase de recuperação, especialmente se fizer as tarefas de casa, discutindo e aprovando as multiadiadas reformas destinadas a elevar a competividade de nossa economia. Há, porém, certa incerteza quanto à existência de vontade política para a agenda de reformas. Uma recuperação fundada apenas em auxílios-emergenciais não parece ter a solidez necessária para a retomada robusta da economia. Notícias de arrefecimento do crescimento já apareceram e tudo parece depender da velocidade e eficácia da vacinação em massa.

Outra notícia negativa consiste no aparente esquecimento na agenda pública de políticas anticorrupção, ilustrado pelos sucessivos adiamentos da votação da proposta de emenda constitucional que restabelece a prisão em segunda instância. Boa parte dos eleitos em 2018 tinha a agenda anticorrupção como bandeira principal. A pandemia, é certo, alterou a prioridade das pautas. Ainda assim, prevenir e combater a corrupção são medidas necessárias para elevar a eficiência de todas as políticas públicas, inclusive as sanitárias. A exemplificar, os tristes casos em investigação de desvio de recursos necessários para combater o coronavírus. O Brasil foi muito elogiado internacionalmente durante a Operação Lava Jato pelo enfrentamento da corrupção. Seria péssimo perder a chance de avançar a partir de então.

O ponto positivo consiste em um aparente descolamento do setor privado em relação à apatia da agenda política quanto às políticas anticorrupção. O ESG (Environmental, social and corporate governance) veio para ficar e abrange a adoção de políticas empresariais anticorrupção, ainda que a elas não se limite. Por pressões internacionais, pelo histórico recente de sanções aplicadas a empresas que se envolveram em corrupção ou pela consciência de que é necessário fazer sempre a coisa certa, as empresas brasileiras avançam na construção de políticas de integridade. Nessa área, as perspectivas do setor privado são mais promissoras, mas seria desejável que a agenda política convergisse com elas, o que no momento não é o caso.

Enfim, Ano Novo é tempo de renovação e de esperança, mas esse começo poderia ser bem melhor sem tantas ressalvas. Utilizei muito a palavra “mas” nesse texto. Alguns dirão que é vício de linguagem. Eu diria que é apenas para ilustrar que 2020 parece que ficou para trás, mas…

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