Carlos Fernandodos santos lima

Não há mal que nunca acabe

22.01.21

Não há bem que sempre dure, nem mal que nunca acabe. Tenho sempre essa frase em mente em minha vida, pois não só me faz aproveitar o momento bom que me apresenta, mas principalmente suportar períodos em que me vejo diante de acontecimentos e pessoas ruins e sórdidos. Agora, por exemplo, enquanto você está lendo minha coluna, podemos dizer que não há mal que nunca acabe, uma vez que o mundo e o Brasil estão um pouco melhor que quando escrevi nesta revista da última vez. Aqui no Brasil, graças à persistência de João Doria, goste-se ou não dele, temos finalmente uma vacina. No mundo, graças à democracia, Trump foi despejado da Casa Branca. Em tempos de escuridão, conseguimos ver alguma luz no horizonte.

E esses dois acontecimentos não são pouco nesses tempos difíceis em que negacionistas se acham empoderados pelas redes sociais, que autoritários acreditam que podem ainda fazer ameaças contra nossa democracia ou que corruptos assumem novamente ministérios ou escondem seus malfeitos atrás de ideologias. Temos que ter esperança que a tempestade perfeita — um governo disfuncional e incompetente, um sistema político viciado na corrupção e uma pandemia mundial — está chegando ao fim. O primeiro não sobreviverá como o governo Trump não sobreviveu a uma nova eleição, isso se não for “impichado” antes. A última será combatida com as novas e diversas vacinas que serão entregues neste ano. Assim, enquanto a democracia e a ciência, armas poderosas contra doenças graves da sociedade e das pessoas, estão nos ajudando a resolver problemas, ainda resta muito a ser trabalhado para podermos ver o céu azul novamente.

Isso porque o segundo problema que enfrentamos é muito mais estrutural que os outros dois, e, portanto, de mais difícil solução. Em que medida podemos acreditar que em 2022 teremos a chance de escolher um ou uma presidente que nos dê um governo competente, limpo e democrático ao mesmo tempo? Quanto à competência, é possível que todas as alternativas sejam melhores que a administração atual. Afinal, qual a chance de se ter novamente um governo em que o presidente é oposição a si mesmo; em que o ministro da Saúde, suposto especialista em logística, é tão desorganizado e incompetente que deixa testes contra a Covid vencerem ou nem sequer sabe o fuso horário da Índia; em que o ministro da Justiça chega a discutir formas de intervir no STF; em que o Procurador-Geral da República põe em risco investigações de corrupção colocando em seu comando procurador que não deseja trabalhar muito para poder ir jogar bola; em que o ministro das Relações Exteriores é um desagregador dos relacionamentos com outros países a ponto desses negarem ao Brasil ajuda humanitária com insumos de vacinas; ou que o ministro do Meio Ambiente é o maior responsável pelo desmonte da política ambiental? Mas no Brasil sabemos bem que o fundo do poço pode ter um porão escondido, por isso não podemos descartar um retrocesso.

Assim, a maior questão que enfrentaremos em 2022 não será mais a pandemia, mas a de escolhermos candidatos não vinculados a esquemas de corrupção — sejam mensalões, petrolões ou rachadinhas —, e que sejam realmente capazes, empáticos e democráticos, ou seja, nada parecidos com os apoiadores de Lula ou esse grupo asqueroso que se pintou de novidade na esteira de Bolsonaro.

Em que medida realmente existem candidatos que correspondem a esse perfil? O grave no Brasil é que políticos experientes participam em maior ou menor grau dessa forma de governar. O dinheiro ilícito permeia as estruturas partidárias, pois permite o controle interno do partido, e determina o resultado de campanhas eleitorais, especialmente para o Legislativo, por meio do financiamento de um exército de cabos eleitorais, marqueteiros, propaganda e viagens. Alguns políticos participam diretamente do negócio da corrupção, possuindo até bancadas próprias no Congresso Nacional ou em Assembleias Legislativas; outros, mais puristas, fingem não ver os esquemas que lhes dão tudo de graça: aviões, jantares, hotéis, campanhas e até presentes. De um modo ou de outro, infelizmente, todos eles concordam que o sistema funciona desse modo — é a chamada política como ela é.

O pior é que boa parte da elite informada em nosso país também concorda com isso. Empresários preferem manter suas apostas em políticos conhecidos e confiáveis aos seus interesses, mesmo que notoriamente corruptos. Algumas redações de jornais protegem seus favoritos ideológicos ao destacarem, fingindo isenção jornalística, notícias contra adversários. O próprio Poder Judiciário possui muitos membros em seus escalões superiores que compartilham dessa visão de que existem leis para os cidadãos comuns, e uma lei não escrita, superior mesmo à Constituição, para os poderosos. Combater isso é como malhar ferro frio — muito pouco pode ser mudado com algumas poucas marteladas.

Entretanto, mesmo com todas as dificuldades, o centro democrático deve buscar um candidato que tenha condições morais, técnicas e políticas para viabilizar uma alternativa tanto à extrema-direita bolsonarista, quanto à extrema-esquerda petista. O sonho desses extremistas é verem um confronto entre Bolsonaro e Lula, pois o ódio é que os alimenta reciprocamente, mas isso seria um desastre anunciado para o país. A polarização de uma eleição de extremistas trará o risco de rupturas institucionais e o definitivo aparelhamento das instituições.

Assim como sabiamente os democratas nos Estados Unidos escolheram Joe Biden, um centrista católico capaz de isolar Trump nas bordas da direita, também aqueles que lutaram contra a corrupção do governo do Partido dos Trabalhadores, mas que de maneira alguma concordam com os erros, abusos, omissões e até mesmo crimes de responsabilidade de Jair Bolsonaro, devem manter um diálogo produtivo em torno de uma agenda liberal e ao mesmo tempo socialmente responsável. E, principalmente, permitir o surgimento de uma candidatura viável e agregadora.

Esse nome ainda não existe, e não poderia mesmo existir nesta altura do processo político. As próximas eleições exigem grandeza, sentimento esse cada vez mais escasso em nossas elites. Deve ser construído um governo de união de pessoas de boa vontade, com capacidade de diálogo — que pressupõe ouvir muito mais que falar — e com espírito democrático e republicano. Não podemos mais aceitar pilantras, parvos ou maus-caráteres interessados em manter a qualquer custo o poder para si, para os seus ou para o partido. Democracia pressupõe alternância e autocrítica, e não extremismo e segregação. Precisamos, para o bem do Brasil, achar o nosso Joe Biden.

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