FelipeMoura Brasil

O bolsotrumpismo mortífero

15.01.21

No artigo de John Bolton citado nesta coluna em 4 de dezembro, o republicano alertava contra o prosseguimento do partido “no modo Trump, minando ainda mais a integridade e a legitimidade de nossas instituições”; e defendia o antagonismo conservador a “políticas de esquerda, sem despojar as bases do florescimento da América”.

O alerta, claro, não adiantou.

A invasão do Capitólio por trumpistas em janeiro resultou em cinco mortes e na aprovação do segundo impeachment de Donald Trump pela Câmara, com unanimidade democrata e dez votos republicanos a favor da medida, justamente porque o presidente, segundo o pedido, “pôs gravemente em risco a segurança dos Estados Unidos e suas instituições de governo, ameaçou a integridade do sistema democrático, interferiu na transição pacífica de poder e colocou em perigo um dos três poderes coiguais”.

Bolton também alertava para a necessidade de sair do “modo Trump” na campanha pelas duas últimas cadeiras no Senado:

Precisamos começar agora, a tempo do segundo turno crucial da Geórgia em 5 de janeiro. A vitória dos titulares David Perdue e Kelly Loeffler produzirá uma maioria de 52 votos republicanos no Senado, um grande obstáculo contra os excessos do governo Biden. Deixar desolados os apoiadores de Trump é supostamente a razão para não falar a verdade sobre a sua derrota, mas a dura lógica política aponta na direção oposta. Ao perseguir seus interesses pessoais, Trump complicou enormemente as chances de vencer os dois segundos turnos. Por nenhuma outra razão além do ego, ele induziu Perdue e Loeffler a exigir a renúncia do republicano Brad Raffensperger, secretário de Estado da Geórgia. (…) Obviamente, manter a maioria do Partido Republicano no Senado é a prioridade eleitoral imediata, o que ressalta precisamente por que permanecer em silêncio sobre as teorias da conspiração de Trump é tão prejudicial. Sua iminente visita de campanha à Geórgia pode causar mais danos. Os eleitores republicanos aceitarão a verdade se explicada racionalmente por líderes partidários responsáveis.”

O alerta, claro, tampouco adiantou.

Como escreveu o colunista Ed Kilgore em seu artigo “Trump retribui seus bajuladores com traição desnecessária”, publicado na New York Magazine em 7 de janeiro:

A determinação de Trump de não deixar nenhum amigo sem traição foi mais evidente em seu comportamento em relação ao Partido Republicano, que estava desesperado para manter sua base de poder no Senado na disputa de suas duas últimas cadeiras. A mensagem vencedora óbvia era a necessidade de conter quaisquer excessos que o Partido Democrata pudesse nutrir se assegurasse uma trifeta governamental [Casa Branca, Senado e Câmara]. Em vez disso, o presidente insistiu em destruir a unidade do partido com ataques ruidosos e incessantes a autoridades republicanas na Geórgia que não cooperaram com seus esforços para reverter os resultados das eleições presidenciais, forçando os senadores Kelly Loeffler e David Perdue a tornar suas próprias campanhas um complemento de sua cruzada pós-eleitoral. Como tantos outros aliados de Trump, Loeffler e Perdue foram punidos pela lealdade conspícua a ele, perdendo o que se tornara um referendo sobre suas queixas e teorias da conspiração.”

Em 20 de março de 2020, quando a pandemia despontava no Brasil, publiquei no site O Antagonista o artigo “A calamidade moral”, que já tratava do “modo Bolsonaro” de lidar com a crise sanitária, chamando “de fantasia, histeria, neurose ou pânico a prudência diante dos riscos de uma doença que agora já matou mais de 10 mil pessoas no mundo” (quase 2 milhões, em número atualizado).

Bolsonaro ainda encerrou sua videoconferência desta quinta-feira, 20 de março de 2020, dizendo que, ‘depois da facada, não vai ser uma gripezinha que vai me derrubar’. Isso mesmo: ‘gripezinha’. Foi com esse diminutivo em sentido pejorativo que Bolsonaro se referiu à doença que, naquele momento, já tinha matado 11 brasileiros [206 mil, em número atualizado], de acordo com os registros oficiais, sendo que mais de 900 já haviam sido registrados como infectados [hoje, 8,25 milhões].

Enquanto filhos, pais e avós se isolam e refugiam em casa, ou trabalham para manter o abastecimento e a saúde alheia, preocupados com um inimigo invisível, ou sofrem nos hospitais e até nas unidades de terapia intensiva, ou, pior ainda, choram pela perda de uma pessoa querida, o presidente posa de valente, de homem mais forte do que as vítimas que morrem com o coronavírus, desdenhando mais uma vez da doença.

Enquanto a chanceler alemã Angela Merkel dá um banho em Bolsonaro na TV, dizendo que o caso é sério, pedindo que a população leve a sério também, explicando a necessidade de sacrifícios e solidariedade para evitar perdas humanas, a claque bolsonarista tenta reforçar uma atrás da outra as acusações diversionistas da família do presidente contra os espantalhos da vez, para encobrir tamanhas irresponsabilidades. (…)

A calamidade moral bolsonarista agrava a calamidade pública do país.”

O alerta, claro, tampouco adiantou.

O governo Bolsonaro ignorou a proposta da Pfizer em 15 de agosto para fazer, nas palavras da empresa, “uma possível aquisição de 70 milhões de doses de sua vacina”, que começariam a ser entregues “a partir de dezembro”; o Ministério da Saúde ignorou um parecer interno que recomendava a compra de seringas com entrega por frete aéreo, o que já poderia ter rendido 20 milhões delas também em dezembro; e o Brasil continua sem vacina disponível para a sua população.

No fim de 2020, Eduardo Bolsonaro, Bia Kicis, Carla Zambelli, Daniel Silveira e Osmar Terra, além de ativistas bolsonaristas com microfone, ainda festejaram nas redes sociais a reabertura do comércio em Manaus, embora nenhum deles seja amazonense. Menos de 20 dias depois, o sistema de saúde manauara entrou em colapso, faltou oxigênio, médicos passaram a escolher quem salvar, pacientes morreram de asfixia e o governador Wilson Lima teve de anunciar um toque de recolher.

As realidades americana e brasileira mostram que nenhum alerta contém, muito menos apruma, a perversidade de sabotadores e que a cumplicidade com seus atos perversos, por ação ou omissão, turbina o número de cadáveres. Contra o bolsotrumpismo mortífero, o impeachment sai até barato.

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