Jefferson Rudy/Agência Senado

Indecência impune

Quase 100 dias depois de ser flagrado com notas de reais entre as nádegas, Chico Rodrigues segue protegido pelo Senado – e consumindo o seu dinheiro
15.01.21

Quem visita o gabinete 10 da Ala Teotônio Vilela do Senado Federal não tem o menor dos motivos para acreditar que algo ali está fora do lugar. Mesmo durante o recesso do início do ano – quando as atenções da casa estão voltadas para as campanhas de Rodrigo Pacheco e Simone Tebet, candidatos à sucessão de Davi Alcolumbre –, funcionários dão expediente normalmente e planejam até uma pequena reforma no local. A rotina seria comum, exceto pelo fato de que os servidores estão ali a serviço de um parlamentar licenciado de seu mandato após ser apanhado pela Polícia Federal escondendo dinheiro de origem suspeita, uma parte entre suas nádegas. Embora Chico Rodrigues não compareça ao gabinete desde que pediu afastamento na esteira do escândalo, revelado por Crusoé e que está perto de completar 100 dias, o seu mandato e a estrutura que o sustenta seguem intactos – e à custa de dinheiro público. Agora, o senador denunciado por quebra de decoro no Conselho de Ética da casa prepara terreno para seu retorno a Brasília, em fevereiro.

O site do Senado não exibe os 33 servidores que continuam trabalhando para o parlamentar. Pelo contrário, diz que Chico Rodrigues, afastado do mandato, não tem funcionários à sua disposição. O sistema nem sequer dá a opção para que se procure pelos nomes de seus subordinados na lista dos colaboradores da casa. No entanto, os dados da folha de pagamento acessados por Crusoé são claros: a estrutura burocrática continuou ativa e custou 618 mil reais em salários, décimo-terceiro e benefícios entre novembro e dezembro de 2020, meses em que Chico Rodrigues esteve afastado do mandato. Procurado, o Senado disse que o regulamento administrativo da casa prevê que o “suplente do senador é que deve se manifestar pela manutenção ou não da equipe do gabinete, que permanece ativa até que a decisão seja tomada”.

De fato, quem deveria estar ocupando o gabinete de Rodrigues, enquanto durasse sua licença, seria o suplente – que, bem em linha com as práticas históricas da política nacional, vem a ser ninguém menos que um filho dele. Mas, ao contrário do que se previa à época do afastamento, Pedro Arthur Rodrigues acabou não sendo convocado pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre. O senador do DEM do Amapá é um dos que atuam para proteger Chico Rodrigues. No caso específico da não convocação do suplente, Alcolumbre, além de defender os interesses do senador enrolado, também atuou em causa própria. Avaliou que o desembarque do rebento no Senado após o escândalo envolvendo o pai poderia tisnar a imagem da casa no momento em que ele ainda se articulava nos bastidores para ser reconduzido à presidência. De fato, Pedro Rodrigues era uma fonte de problemas em potencial, tanto para Chico quanto para o Senado – e consequentemente para Davi Alcolumbre. Na esteira da confusão que engolfou seu pai, a Polícia Federal informou ao STF ter encontrado indícios de que duas servidoras do gabinete de Chico Rodrigues trabalhavam em sua empresa, a San Sebastian, que atua no setor de construções, transportes, terraplanagem e agropecuária. Alcolumbre achou melhor evitar a agenda negativa. O problema é que, mesmo depois de enterrada a possibilidade de sua reeleição pelo Supremo, o presidente do Senado continuou sem se mover.

Marcos Brandão/Senado FederalMarcos Brandão/Senado FederalAlcolumbre atuou para evitar a convocação do suplente de Chico Rodrigues
A costura contou com a participação do secretário-geral da Mesa Diretora, Luiz Fernando Bandeira de Mello, aliado antigo de Renan Calheiros e, mais recentemente, fiel escudeiro das pedaladas regimentais cometidas por Alcolumbre. A Bandeira de Mello caberia formalizar os trâmites para a convocação do suplente. Mas, orientado por Davi Alcolumbre, Bandeira preferiu jogar parado. Trabalhando sempre em sintonia com o presidente do Senado, o secretário-geral da Mesa já havia sido o responsável por avalizar o drible dado pelo presidente do Senado nas normas da casa, para fazer com que o pedido de licença de Chico Rodrigues não fosse votado pelo plenário, em outubro do ano passado, como mostrou Crusoé na ocasião.

Não foi apenas no presidente do Senado que Chico Rodrigues se escudou. Na tentativa de se blindar e evitar a aprovação de um processo contra ele no Conselho de Ética, nos últimos meses o senador procurou colegas parlamentares para conversas reservadas – durante o afastamento, além de visitar Brasília, onde manteve o direito de ocupar seu apartamento funcional, Chico viajou pelo interior de Roraima. Nas conversas, apelou para o emocional. Disse que não seria justo ser condenado pelos seus pares antes do pronunciamento da Justiça, alegou que o escândalo lhe gerou “um trauma muito grande” e que, por isso, teria decidido se submeter a um tratamento psicológico. O senador também manifestou a intenção de fazer um discurso na tribuna do Senado para defender sua inocência, tão logo retorne de licença. Entre os colegas procurados por Chico Rodrigues estão integrantes do movimento Muda Senado, como Alessandro Vieira, do Cidadania, e Oriovisto Guimarães, do Podemos. O grupo se notabilizou por pautar sua atuação em defesa da ética e da transparência. Vieira, por exemplo, é um dos signatários do pedido de cassação de Rodrigues no Conselho de Ética, apresentado pelo seu partido e pela Rede.

O senador Oriovisto Guimarães recebeu Chico Rodrigues no final do ano passado em seu gabinete, em Brasília. Durante a conversa, o senador do dinheiro entre as nádegas foi às lágrimas. Contou sua história de vida e jurou ser inocente, explicando que usaria os 30 mil reais encontrados com ele para pagar funcionários. “Disse que a grande bobagem que ele fez foi ter escondido o dinheiro. Deveria ter entregue e mostrado a origem do dinheiro”, afirmou Oriovisto.

Adriano Machado/CrusoéAdriano Machado/CrusoéAlessandro Vieira critica blindagem oferecida ao senador
Para a Polícia Federal, que investiga desvios milionários em emendas para o enfrentamento da Covid-19, Chico Rodrigues atuava como “gestor paralelo” da Secretaria de Saúde do estado de Roraima. Para rechaçar a versão da polícia, o senador exibiu ofícios do governo de Roraima dizendo que suas emendas de bancada não foram gastas e estão no caixa do estado. Os documentos, no entanto, foram produzidos a pedido do próprio senador, como revelou Crusoé. Por ora, no Senado, prevalece o habitual espírito de corpo. Aliados de Chico Rodrigues evitam defendê-lo publicamente, mas nos bastidores endossam a versão de que ele não pode ser condenado por seus colegas antes da sentença definitiva da Justiça. Há também quem lembre que Chico Rodrigues foi apanhado pela PF em uma operação sobre desvios de emendas para combater o coronavírus, enquanto ele próprio participava da comissão do Congresso de acompanhamento da pandemia — e foi agraciado, juntamente com outros colegas, com recursos do chamado varejão da Covid, em julho, quando ainda era vice-líder do governo. Ou seja, ainda existe o receio de o escândalo respingar no colo de outros senadores. Por isso, muitos preferem não fazer muita espuma sobre o caso.

Alessandro Vieira preferiu conversar brevemente por telefone com o parlamentar a recebê-lo pessoalmente, apesar da insistência. Vieira acha que manter o caso em banho-maria é pior para a imagem do Senado. Em campanha para Simone Tebet na disputa pelo comando da casa, ele diz que pretende cobrar da próxima presidência o funcionamento efetivo do Conselho de Ética. “Uma vez decidida a nova composição da Mesa, um dos pontos importantes vai ser colocar efetivamente para funcionar o Conselho de Ética. Ele não pode ser uma peça decorativa no Senado”, diz Vieira. Oficialmente, a justificativa para a inoperância do Conselho em 2020 é o regime de sessões remotas do Senado, que suspendeu o funcionamento das comissões. Além do processo de Chico Rodrigues, estão na fila do colegiado presidido pelo senador Jayme Campos, também do DEM, casos que remontam a 2019, antes da pandemia. Um dos onze processos parados envolve o filho 01 do presidente Jair Bolsonaro, o senador Flávio Bolsonaro. A representação contra Flávio refere-se ao suposto envolvimento com milícias no Rio de Janeiro e ao esquema de rachid operado por Fabrício Queiroz em seu antigo gabinete na Alerj. Outra denúncia envolve o próprio presidente do Conselho de Ética por agredir um eleitor no município de Várzea Grande, cuja prefeita é sua mulher.

Jayme Campos e Davi Alcolumbre integram a dobradinha que fez com que a denúncia contra Chico Rodrigues não progredisse no Conselho de Ética. A manobra já é conhecida: as denúncias ficam estacionadas no colegiado até que a advocacia da casa emita um parecer sobre a sua admissibilidade. A questão é que o órgão jurídico está subordinado justamente à presidência do Senado, hoje nas mãos de Alcolumbre. “As representações no Conselho de Ética não andam porque isso é uma decisão do presidente do Senado. O Davi empurra com a barriga e não resolve nada”, critica Oriovisto Guimarães. A interlocutores, Jayme Campos tem prometido que dará andamento a todas as representações protocoladas no Conselho após a eleição da nova mesa diretora, em fevereiro. Enquanto isso, Chico Rodrigues desfruta de sua blindagem e preserva o seu mandato, consumindo dinheiro público – o seu dinheiro, caro leitor.

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