ReproduçãoValdetário Monteiro com Ibaneis Rocha: amizade até nos piores momentos

Um buraco (e dinheiro vivo) no caminho

A curiosa história de uma bolada encontrada, acidentalmente, no carro do homem de confiança do governador de Brasília
08.01.21

Os maços de dinheiro vivo teimam em seguir fazendo parte da cena de Brasília. Era noite de 17 de abril de 2020. Uma equipe de policiais militares fazia o patrulhamento de rotina em uma via da Asa Sul, um dos principais bairros da cidade. Passava das 22 horas quando eles viram um sedan de luxo da marca japonesa Lexus parado no meio da pista. Ao chegarem mais perto, perceberam que o carro estava ligado, com as portas abertas e sem ninguém a bordo. Estranharam. Um dos pneus dianteiros estava rasgado.

Ao vasculharem os bancos e o porta-malas, os policiais encontraram 50 mil reais em notas de 50 e várias caixas de cloroquina, aquele remédio ineficaz receitado por Jair Bolsonaro como solução para os males da Covid-19. Em um primeiro momento, a consulta da placa do veículo nos sistemas da polícia restou infrutífera. A chapa era fria. Os PMs ainda faziam a vistoria quando o porteiro de um prédio próximo se aproximou e disse ter chamado um táxi para o motorista do carro, que já tinha ido embora sem dar maiores explicações. A história ficaria ainda melhor a partir dali.

O motorista era ninguém menos que o então chefe da Casa Civil do governo do Distrito Federal, Valdetário Monteiro, homem de confiança do governador emedebista Ibaneis Rocha. Quando aconteceu o incidente, o então secretário tinha acabado de sair do trabalho, no Palácio do Buriti, a sede do governo local — ao menos é isso que ele conta. Como o pneu estourou no caminho, depois de supostamente bater em um buraco, resolveu ir embora e deixar tudo para trás – inclusive o dinheiro –, sem nem sequer desligar o carro.

Marcelo Camargo/Agência BrasilMarcelo Camargo/Agência BrasilEquipe da Polícia Civil de Brasília em operação: a corporação confirmou que a apuração sobre o caso do ex-secretário foi arquivada
Irmão de um ex-deputado federal pelo Ceará, Valdetário é amigo de longa data de Ibaneis Rocha. A relação se estreitou no mundo da advocacia, onde o governador fez fortuna antes de entrar para a política. Entre 2013 e 2015, Ibaneis era presidente da OAB em Brasília e Valdetário comandava a seccional cearense. Ambos foram conselheiros federais da entidade. Em 2019, quando o emedebista se elegeu governador, convidou o amigo, que àquela altura integrava o Conselho Nacional de Justiça, para assumir a Casa Civil.

A passagem de Valdetário pelo governo terminaria em 17 junho de 2020, dois meses depois do episódio com o carro. As razões da saída nunca ficaram muito claras. Nos bastidores da política local, diz-se que ele teve um desentendimento com o governador. Publicamente, porém, Valdetário sempre se derreteu em elogios ao amigo. Até na carta de demissão ele fez questão de prestar homenagens a Ibaneis.

O advogado cearense viria a ser alvo, três meses depois, de uma operação do Ministério Público local destinada a apurar fraudes na compra de merenda escolar pelo governo. O caso corre em segredo de Justiça. A história do dinheiro, por sua vez, ficou restrita a um inquérito que acabou arquivado sumariamente pela Polícia Civil. Embora Valdetário Monteiro fosse secretário à altura do acontecimento, o MP nem sequer foi avisado.

Nesta semana, Crusoé procurou o amigo do governador para entender o ocorrido. As explicações dele são, no mínimo, curiosas. Valdetário conta que resolveu abandonar o veículo às pressas por medo de violência – o que não é, convenhamos, um problema naquela região de Brasília onde ocorreu o incidente. “Eu venho de uma terra que é muito violenta. Furou o pneu, você pega um táxi e vai embora”, afirmou, sem explicar por que largou o dinheiro para trás.

Lúcio Bernardo Jr/Agência BrasíliaLúcio Bernardo Jr/Agência BrasíliaA sede do governo local: era lá que Valdetário despachava com Ibaneis
Quanto à existência da bolada a bordo, ele disse tratar-se de algo comum em razão de problemas de saúde da mulher: “A minha esposa tem lúpus, que é uma doença autoimune. Ela já teve um AVC por conta da lúpus e foi um Deus nos acuda na época. Então a gente sempre tem essa reserva para contratar uma UTI, se for o caso”. “Além disso, sempre que tinha uma prestação, uma conta a pagar, eu autorizava ela própria e o motorista a irem sacar. Ele ia no banco e sacava. De mil, de dois, de três, de cinco. O que fosse preciso. Tiramos todo o dinheiro de casa. Foi colocado em uma mochila, no porta-malas do carro”, emendou.

Em nota, a Polícia Civil afirmou que “o fato foi devidamente apurado pela delegacia da área e não se verificou nenhuma irregularidade, haja vista a comprovação, à época, da origem e lastro do dinheiro apresentado“. O MP do Distrito Federal, por sua vez, confirmou que nunca foi notificado sobre a ocorrência e informou que requisitará as informações para avaliar se é o caso de abrir uma investigação.

Depois de deixar o governo, Valdetário Monteiro tornou-se sócio do escritório de advocacia de Ibaneis Rocha, onde está até hoje.

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