Adriano Machado/Crusoé

Procuram-se lideranças

01.01.21
Sergio Moro

A virada de ano é tempo de reflexões sobre o passado e previsões sobre o futuro.

O ano de 2020 foi marcado pela pandemia de Covid-19, que, infelizmente, ainda não foi resolvida. Embora tenha afetado o mundo de forma trágica, no Brasil o problema foi agravado pela postura errática do governo federal. Dois ministros da Saúde foram substituídos. O atual, o general Eduardo Pazuello, embora competente na área militar – o que pode ser ilustrado por sua atuação na Operação Acolhida – não é especialista na área da saúde e tem tido a sua atuação limitada por sucessivas intervenções pouco racionais do Palácio do Planalto.

A postura negacionista do problema e de sua gravidade, além da transferência da responsabilidade aos demais poderes ou aos governos estaduais e municipais, têm sido a marca deixada pela Presidência no enfrentamento da pandemia. Uma liderança nacional, que coordenasse as ações dos diversos agentes públicos e privados, seria fundamental no enfrentamento da maior crise sanitária desde a gripe espanhola. Mas ora convivemos com o vácuo de liderança, ora com a proposição de soluções erradas.

Como ponto meritório, a instituição pelo governo federal de um programa temporário de auxílio emergencial evitou que a recessão fosse maior do que o previsto e minorou as consequências econômicas e sociais das políticas necessárias de distanciamento social. Há, contudo, dúvidas sobre as consequências futuras do auxílio, uma vez que implicou em acentuado acréscimo da já elevada dívida pública brasileira, o que poderá obrigar o governo a adotar políticas de ajuste fiscal ainda mais duras nos próximos anos.

A crise abriu espaço para gestores de vários estados e municípios se destacarem em iniciativas para o controle da propagação do vírus e para o atendimento dos infectados. Sobressaíram-se, especialmente nos últimos meses, as ações do governador de São Paulo, João Doria. Embora acusado de fazer uso político da crise, ele adotou medidas para importar e produzir uma vacina possivelmente eficaz para a Covid-19 e motivou o governo federal a abandonar o imobilismo em relação ao tema, que é de abrangência nacional.

No campo que me é caro, de prevenção e combate à corrupção, segue-se a tendência desde 2018 de esvaziamento da Lava Jato e de enfraquecimento dos mecanismos institucionais que permitiram desde 2014 a redução da impunidade da grande corrupção. Enquanto estive no governo busquei enfrentar essa tendência, mas o sucesso tornou-se impossível sem o apoio e até mesmo contra a vontade do Planalto. Após minha saída, pautas importantes, como o restabelecimento da prisão após a condenação em segunda instância, foram completamente abandonadas.

Poucas lideranças estão no momento preocupadas com essa pauta, como o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Luiz Fux, e alguns outros ministros da Corte. O ciclo virtuoso iniciado com o julgamento do mensalão, passando pela Lava Jato e pela aprovação de alguns dispositivos legislativos, como a lei das estatais e da nova lei das agências reguladoras, parece ter se encerrado. A responsabilidade é de muitos, mas não é possível ignorar a parcela que cabe ao Planalto.

No momento em que se discute a presidência para os próximos anos das casas do Congresso, deveríamos cobrar dos candidatos o compromisso com a votação dessas pautas, ainda que, em alguns casos, isso pareça ser bem improvável considerando o histórico de postulantes. E deveríamos também defendê-las, assim como faz o autodenominado grupo Muda Senado, que, destacando-se positivamente, permanece firme na agenda ética e anticorrupção.

A energia cívica despertada pelo combate à corrupção nos anos anteriores a 2019 foi desperdiçada exatamente quando esperávamos alcançar um novo patamar de integridade em relação aos costumes políticos e governamentais. Há alguma esperança de que essa força permaneça latente e, no momento certo, possa retomar um papel fundamental. Também merece destaque o setor privado, que, independentemente da postura do mundo político, continua investindo em políticas de integridade, seja por ter sido despertado pela Lava Jato ou por perceber que se trata de mudança também exigida pelos novos padrões internacionais de realização de negócios.

Democracias consolidadas dependem de instituições fortes e cidadania ativa, principalmente. Mas o papel da liderança certa é igualmente fundamental, o que é ilustrado pelas frustrações dos últimos anos.

Então, não há muito o que comemorar em relação a 2020. Para 2021, a grande esperança está na solução definitiva para a Covid-19, que reside na vacinação em massa de toda a população. O novo ano também pode fazer com que as lideranças e potenciais candidatos despertem para a importância de se retomar a agenda anticorrupção, se não por vontade própria, então por receio das urnas. Temos que ser sempre otimistas e esperar por tempos melhores, com menos propaganda enganosa e mais verdade.

Sergio Fernando Moro é ex-juiz da Operação Lava Jato e ex-ministro da Justiça e Segurança Pública.

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