MarioSabino

Um jantar na casa de Marcelo Odebrecht

03.08.18

Foi em fevereiro de 2012. Um mês antes, eu havia saído da Veja, onde era redator-chefe, porque estava cansado de apanhar como o número um da revista, não ter chance de ser o número um da revista e ganhar como o número dois da revista. Depois de a Abril perder publicidade de estatais, por causa da cobertura da Veja do mensalão, passei a ser apontado como “desequilibrado” por executivos da editora. Saí para trabalhar na CDN, uma grande assessoria de imprensa. Pois é, tinha tudo para dar errado e, claro, deu errado. É o que ocorre, em geral, quando alguém abandona o próprio caminho.

Estava eu na segunda semana de trabalho na CDN, tentando entender como aquilo funcionava, quando o sócio-fundador da assessoria, João Rodarte, me comunicou que iríamos jantar na casa de Marcelo Odebrecht.

Eu havia encontrado o empreiteiro uma única vez, como redator-chefe da Veja, juntamente com um jornalista da revista. Marcelo havia ficado bravo por causa de uma nota do jornalista sobre a relação da Odebrecht com Paulo Preto, apontado como operador tucano. Marcelo ligou para Roberto Civita e afirmou que era mentira (e não era, como sabemos agora). O dono da Veja pediu, então, que fôssemos conversar com o reclamante. Publicamos na edição seguinte a versão de Marcelo.

Por ser a maior cliente da CDN, a Odebrecht era atendida exclusivamente por João Rodarte. Perguntei qual era o motivo do jantar e ouvi que “o Marcelo queria ajudar o Eduardo Campos”.

Eu também havia encontrado o então governador de Pernambuco apenas uma vez, em 2011, apresentado pelo mesmo jornalista que havia publicado a nota que irritara Marcelo Odebrecht. O jovem governador Eduardo Campos despontava como possível candidato na eleição presidencial do então longínquo 2014 e, como um dos responsáveis pela cobertura de política da Veja, quis conhecê-lo. Jantamos — Eduardo Campos, Evaldo Costa (secretário de imprensa do governador), o jornalista da revista e eu — no Palácio das Princesas, em Recife. No jantar, Eduardo Campos se mostrou entusiasmado com a possibilidade de chegar ao Planalto e disse que tinha tudo para ser eleito presidente da República, porque trabalhava duro, enquanto Aécio Neves se divertia em festas no Rio de Janeiro. A sua ambição era ululante.

Convocado por João Rodarte, fui no carro dele até a casona de Marcelo Odebrecht, no Morumbi (fica num condomínio ultraprotegido).  Chegamos cerca de meia hora antes do governador, como recomendado. Havia, além do anfitrião, um executivo da empreiteira — Benedicto Junior, que a Lava Jato descobriria ser o responsável pelo setor de propinas da Odebrecht — e um jornalista de quem nunca tinha ouvido falar, que me foi apresentado como um profissional “do Estadão”. Não lembro o seu nome. Também estavam presentes a mulher de Marcelo e uma amiga ou parente dela, não sei. A sala de estar tinha três ambientes, um deles dominado por um telão. O descanso de tela mostrava peixes nadando num aquário.

Marcelo explicou por que havia pedido para chegarmos antes de Eduardo Campos. Ele queria antecipar o assunto a ser tratado: o governador desejava apagar a má impressão que ele havia causado com a campanha estridente pela indicação da sua mãe, Ana Arraes, para ministra do Tribunal de Contas da União. Como Eduardo Campos achava que isso poderia prejudicar a sua candidatura ao Planalto, Marcelo lhe propôs que a CDN o auxiliasse. Parecia natural para Marcelo que a assessoria de imprensa contratada pela Odebrecht prestasse serviço a Eduardo Campos. Na minha frente, pelo menos, não se falou em pagamento extra à CDN. 

Passados cerca de quinze minutos, Eduardo Campos chegou acompanhado de Evaldo Costa. Parecia pouco à vontade. Não demoramos a ir para a mesa.

Depois de a mulher de Marcelo discorrer sobre a dificuldade de comprar bons camarões em São Paulo — o assunto me marcou porque ela contou que os camarões servidos na sua casa paulistana vinham da Bahia de jatinho –, o anfitrião introduziu o assunto da campanha de Ana Arraes para o TCU. Tenso, distante do governador cheio de si que eu havia conhecido no Palácio das Princesas, Eduardo Campos afirmou que havia feito campanha por sua mãe porque ela era realmente o melhor nome para o cargo.

Sem entender que, no meu novo papel de assessor de imprensa, deveria  aquiescer, eu disse que ele havia errado ao fazer campanha para Ana Arraes – e uma  campanha, imagine só, que havia contado até com moças vestidas com camisetas que traziam estampado o nome da mãe dele. Fiz a comparação com a campanha de Paulo Maluf nas indiretas de 1985.  Arrematei que, se havia como provar que Ana Arraes era de fato uma boa ministra do TCU, talvez isso pudesse ser uma pauta interessante para a imprensa. Talvez.

Provavelmente, a vontade de todos naquele momento era me enfiar no jatinho que trazia camarões para a mulher de Marcelo e me fazer sumir no azul do mar baiano. Eu era o Peter Sellers de “Um Convidado Bem Trapalhão”. Mas, tal como Peter Sellers, não percebi nada. Examinando em retrospectiva, achei que estava numa reunião de verdade.

Lá pelas tantas, no meio da conversa que passou a versar sobre a relação da empreiteira com a imprensa, Peter Sellers voltou a manifestar-se. Eu disse que, se a Odebrecht era mesmo inocente de todas as imputações que lhe faziam (e que naquele momento não eram nada perto do que viria a ser revelado), a empreiteira deveria elaborar, divulgar e seguir regras de compliance, medida a ser tomada em comum com as concorrentes signatárias de contratos públicos. E mais: que a Odebrecht deveria pensar em mudar de nome, visto que era uma marca manchada para sempre. Como o leitor pode notar, uma boa ideia, não raro, depende de timing. No início de 2012, antes da deflagração da Lava Jato, eu devo ter soado bastante vanguardista, para não dizer tolo.

Depois do cafezinho, João Rodarte e eu fomos embora, mas Eduardo Campos permaneceu na casa de Marcelo Odebrecht. Nunca soube sobre o que conversaram sem a minha presença.

O jantar foi na semana que antecedeu o Carnaval. Viajei para a Argentina e, quando cheguei a São Paulo, fui chamado por João Rodarte na sua casa. Ele me demitiu, alegando motivos que não posso revelar em razão de um acordo de rescisão assinado em abril daquele ano. A indenização fruto desse acordo foi o único dinheiro que recebi da CDN.

Reitero que na minha frente, pelo menos, não se falou em pagamento à empresa de João Rodarte pelo serviço a ser prestado a Eduardo Campos. E eu não sei dizer se a CDN efetivamente lhe prestou assessoria. Também não ouvi, durante o jantar ou em qualquer outra ocasião, nenhuma menção a “contrapartidas” que a Odebrecht receberia em troca do favor a ser prestado ao então governador pernambucano. Nas duas semanas que passei na CDN, nada vi que desabonasse os seus sócios e profissionais.

Esse encontro com Marcelo Odebrecht foi, digamos, notícia em duas ocasiões. Na primeira, numa reportagem de Luiz Maklouf Carvalho, biógrafo de João Santana, para a revista Piauí. Ele me procurou, no final de 2016, dizendo que estava fazendo uma matéria sobre o mundo das assessorias de imprensa e que, como o meu nome havia surgido em entrevistas, gostaria de conversar comigo. Recusei porque pressenti uma armadilha — àquela altura, Diogo Mainardi e eu éramos os únicos a pedir a prisão e a condenação de Marcelo Odebrecht, em O Antagonista, e achei que se tratava de uma vingança da assessoria de imprensa da empreiteira. Eu estava certo. João Rodarte e um preposto seu, Andrew Greenlees, tentaram manchar a minha reputação, com a cumplicidade do biógrafo de João Santana. Disseram delicadezas sobre a minha demissão da CDN que incluíam observações sobre a minha personalidade e competência. Quebraram o acordo firmado entre os nossos advogados, mas eu o respeitei. Deixei de revelar o que me foi dito sobre o motivo da minha demissão. Num post publicado em O Antagonista, limitei-me a recomendar a João Rodarte que me esquecesse.

Em abril de 2017, a vingativa Odebrecht voltou à carga através do blogueiro Reinaldo Azevedo, desta vez com mentiras graves. Além de repetir o que já havia sido publicado na reportagem do biógrafo de João Santana, o invertebrado moral disse que, para a surpresa dos presentes ao jantar, levei Eduardo Campos ao “apartamento” do empreiteiro, como se eu fosse lobista implicado em negociatas e do círculo de Marcelo Odebrecht. Francamente ridículo, como podem atestar todas as pessoas que trabalharam ao meu lado em mais de três décadas de jornalismo. Tão ridículo quanto implicar o Diogo num esquema de propina com Aécio Neves, mentira inventada por um ex-executivo da empreiteira.

Nem o biógrafo de João Santana, nem o blogueiro invertebrado moral escreveram do que tratava o jantar com Marcelo Odebrecht. Talvez não soubessem. Agora sabem.

O episódio que serviu para que tentassem se vingar de mim se resume a isto: em fevereiro de 2012, como funcionário da CDN (funcionário que não chegou a receber salário, repito), presenciei Marcelo Odebrecht oferecendo auxílio a Eduardo Campos, para diminuir o estrago na imagem do então governador por causa da campanha em favor de Ana Arraes para o TCU.  O dado irônico é que anos mais tarde, ao conversar com fontes minhas no tribunal, ouvi que a mãe de Eduardo Campos até que é boa ministra.

Logo depois da minha demissão da CDN, Roberto Civita me chamou para conversar. Recebi convite para ser correspondente da Veja na Europa. Mas essa é outra história de uma vida hoje distante. 

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