Nelson Jr./STFO presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, pediu respeito a Constituição aos eleitos

O silêncio de Toffoli

As revelações de Crusoé dão fôlego a um pedido de impeachment do ministro do Supremo, que continua sem explicar as transações que o seu próprio banco considerou atípicas
03.08.18

Todo magistrado, por definição, carrega o ônus e o bônus de ter escolhido a vida de togado. O bônus se dá de diferentes maneiras — desde o salário bem acima da média até luxos como carros com motorista à disposição e duas férias por ano. Já o ônus é inerente à própria atividade: um juiz deve estar sujeito ao escrutínio público e pode, a qualquer tempo, ser questionado por seus atos. Mas há no Brasil um grupo de magistrados que pairam acima dessas obrigações. São nove homens e duas mulheres que, com o poder da caneta do Supremo Tribunal Federal, não passam por qualquer tipo de fiscalização. José Antonio Dias Toffoli, ex-funcionário do governo do PT e indicado para a corte por seu ex-companheiro Lula, é um deles. A partir de setembro próximo, Toffoli assumirá a cadeira de presidente da Suprema Corte. Será o chefe do Poder Judiciário. Mas nem por isso se viu na obrigação de dizer uma palavra sequer sobre as revelações contidas na capa da última edição de Crusoé, que mostrou que ele recebe uma mesada de 100 mil reais da própria mulher, dona de um ativo escritório de advocacia de Brasília.

As transações, conforme revelou a reportagem, foram consideradas atípicas pela área técnica do Banco Mercantil do Brasil, uma instituição de médio porte com sede em Minas Gerais, mas seus diretores decidiram engavetar as evidências e, assim, evitar que elas fossem remetidas para as autoridades competentes. Os documentos elaborados pelos técnicos do banco estavam a caminho do limbo, mas, embora Toffoli tenha se negado a falar sobre o tema, as revelações de Crusoé já foram suficientes para tirar todos os envolvidos na história da zona de conforto. Uma das consequências práticas está na inclusão da reportagem em um pedido de impeachment apresentado contra o ministro no Senado Federal. É uma medida que dificilmente terá o condão de alterar sua condição de intocável, mas que serve ao menos para provocar os senadores encarregados de gerenciar as denúncias. Por lei, um integrante do Supremo só perde o cargo após um complexo processo de afastamento cujo desfecho é uma votação no plenário do Senado, assim como nos casos de impeachment de presidentes da República. São necessários os votos de dois terços dos 81 senadores para que um ministro da corte seja ejetado de sua cadeira – algo que nunca aconteceu na história da República.

Investigações contra ministros também podem ser abertas pelos seus próprios pares, no Supremo, mas na prática esse é considerado um caminho ainda mais improvável. No Parlamento, o processo inclui três etapas, sempre com amplo espaço para a defesa se manifestar e com voto nominal dos parlamentares. Primeiro, é preciso que a Mesa Diretora do Senado dê andamento à denúncia – é exatamente aí que os pedidos de impeachment acabam arquivados, e é por isso que Toffoli, ao menos até agora, nem precisou se manifestar. O passo seguinte é a abertura de uma comissão especial para avaliar o caso e, se necessário, realizar diligências para apurar as denúncias. Nessa fase, bastaria maioria simples na comissão para o processo seguir para o plenário e o investigado ser provisoriamente afastado. O julgamento final, pela lei, cabe ao conjunto dos 81 senadores. Nessa etapa, o acusado pode ser absolvido ou destituído do cargo e ainda ser proibido de exercer qualquer função pública por até cinco anos.

Atualmente, zanzam pelos escaninhos do Senado nove pedidos de afastamento de ministros do Supremo. Todos com chances de prosperar muito próximas do zero. A maioria deles envolve, por diferentes razões, o ministro Gilmar Mendes. Contra Toffoli, são dois. É no pedido de número 7, protocolado no último dia 12, que as transações do ministro no Mercantil serão anexadas. A ideia dos autores, entre eles uma ex-procuradora, é que Toffoli tenha ao menos que explicar a sua relação com o banco mineiro, onde também já obteve um financiamento de quase 1 milhão de reais a taxas camaradas. Na semana passada, antes da publicação da reportagem, Crusoé tentou falar com o ministro. Toffoli mandou dizer que não tinha interesse em se manifestar. Na última segunda-feira, em nova tentativa, a redação enviou por e-mail dez perguntas sobre o caso (leia abaixo), mas de novo o ministro se negou a responder. “Ele não vai se pronunciar”, afirmou sua chefe de gabinete.

10 perguntas para o ministro

 

A soma das transferências mensais passa de 4,5 milhões de reais. A conta no Mercantil é conjunta, registrada em nome de Toffoli e de sua mulher, Roberta Rangel, mas todas as evidências levam a crer que ele é o beneficiário do dinheiro. Os recursos são provenientes de uma conta mantida por Roberta em outro banco. Casada formalmente com Toffoli desde 2009, a advogada atua com desenvoltura em causas multimilionárias nos tribunais de Brasília. Uma parte significativa do dinheiro que entra todo mês na conta do Mercantil sai, também por transferência, para uma ex-mulher de Toffoli. Outra parte é usada para despesas corriqueiras, como o pagamento de faturas de cartão de crédito. Não fossem os valores altíssimos até mesmo para quem chegou ao topo do serviço público, como é o caso do ministro, seria possível ver nas transações uma rotina comezinha na organização financeira de um casal. Mas há outros detalhes que tornam a história ainda mais curiosa. Um deles é que a conta é gerenciada, por procuração, por um servidor do gabinete de Toffoli. Funcionário de carreira do Banco do Brasil cedido ao Supremo a pedido de Toffoli, Ricardo Newman recebe salário de 7 mil reais por mês e, paralelamente às suas funções oficiais, é o encarregado de administrar o entra-e-sai de dinheiro da conta no Banco Mercantil. Ele próprio, por sinal, já se beneficiou pessoalmente com parte da bolada – aparece como o destinatário de transferências que somam 150 mil reais.

O futuro presidente do STF prefere o silêncio, mas não é o único que deve explicações. Depois de a área técnica do Mercantil detectar os indícios de lavagem de dinheiro e sugerir que o caso fosse reportado ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras, o Coaf, a diretoria do banco vetou a medida com o argumento de que era preciso atualizar a renda do ministro. A recusa do Mercantil pode lhe render problemas junto aos órgãos de fiscalização. Normas expressas definidas pelo Banco Central determinam que transações atípicas devem, necessariamente, ser comunicadas. Não há, nas regras, qualquer atenuante ou ponderação para evitar alertas relacionados a altas figuras da República. Pelo contrário. Toffoli e seus pares até devem (ou deveriam) ser alvo de mais rigor na fiscalização de suas movimentações financeiras, porque são, no jargão bancário, “pessoas expostas politicamente”, as chamadas PEP’s. Diz a norma do BC: “As operações ou propostas de operações que possuam PEP’s como parte envolvida serão sempre consideradas como merecedoras de especial atenção”. O Banco Central até define o que é a “especial atenção”: “monitoramento contínuo reforçado, mediante a adoção de procedimentos mais rigorosos para a apuração de situações suspeitas”. Não foi o que aconteceu.

Em nota, o BC informou que não comenta casos específicos. Mas emendou com todas as letras: o banco pode ser punido. “Nos casos em que o Banco Central, em sua atividade de supervisão, identifica situações com indícios de atipicidade que deveriam ter sido comunicadas ao Coaf e não o foram, questiona a instituição sobre as causas da não comunicação e determina, quando necessário, adequação de seus procedimentos e sistemas de controle. Em determinadas situações, pode também haver instauração de processo administrativo sancionador”. É recomendável, portanto, que a diretoria do Mercantil dê explicações. A exemplo do ministro, o banco também foi novamente procurado nesta semana por Crusoé, mas outra vez respondeu que não se manifestaria sobre o caso.

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