Rosinei Coutinho/SCO/STFNo Congresso, o vale-tudo para eleger os presidentes da Câmara e Senado se intensificou durante a semana

O balcão de negócios no Congresso

Liberação bilionária de emendas, ofertas de ministérios, promessas de implosão da Lava Jato e até de um novo financiamento sindical: o que está na mesa de negociações pela sucessão na Câmara e no Senado
11.12.20

A cada dois anos, nas eleições municipais e presidenciais, políticos saem às ruas em busca dos votos dos brasileiros para conquistar mandatos no Executivo e no Legislativo. As campanhas falam em redução de despesas, compromisso com o combate à corrupção e fim dos privilégios – ainda que a maior parte das promessas seja depois descumprida. Outra disputa bienal mobiliza o meio político, mas com dinâmica inversa. No dia 1º de fevereiro, deputados federais e senadores vão escolher os próximos presidentes da Câmara e do Senado. Ao contrário das eleições gerais, em que os candidatos apresentam abertamente as suas plataformas, a corrida pelo comando do Congresso é silenciosa. Envolve negociações corporativistas, promessas de cargos comissionados e ministérios, a garantia de manutenção de benesses, além de alguns arranjos políticos nada republicanos. Por isso mesmo, todas as alianças são tratadas nos bastidores, bem longe dos holofotes. E a maioria das promessas é cumprida.

A história se repete este ano. Nos últimos dias, a eleição para as presidências da Câmara e do Senado se transformou num grande balcão de negócios. Na mesa, promessas de liberação bilionária de emendas, ofertas de vagas em ministérios na reforma programada para o início de 2021, juras de dinamitar o que resta da Lava Jato, assunto do interesse dos encalacrados com a Justiça, e até garantias de criação de um novo imposto sindical, o que adoça o paladar de setores do PT e da esquerda.

No domingo, 6, após o Supremo Tribunal Federal barrar a tentativa de golpe branco para reeleger ilegalmente Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre, a corrida pelo comando do Parlamento foi retomada do ponto de partida. Graças ao apoio da máquina governista, o nome de maior projeção até agora é o do candidato do governo, o líder do Centrão, Arthur Lira, do Progressistas. Como a disputa pelo comando da Câmara é um grande conchavo corporativista para garantir a manutenção do status quo das excelências, não é de surpreender a escolha de um deputado enrolado como boa parte dos colegas. Lira tem uma coleção de processos judiciais, alguns encerrados, outros em andamento. As denúncias – entre as pretéritas e as atuais — vão de violência doméstica a rachadinha, passando pela contratação de funcionários fantasmas e pela cobrança de propina investigada na Lava Jato. Há duas semanas, o Supremo formou maioria para manter o deputado como réu por corrupção passiva, no processo em que é investigado por receber 106 mil reais em propina. A folha corrida de Lira é tão constrangedora que até mesmo alguns bolsonaristas sentem-se envergonhados de declarar voto publicamente no escolhido do Planalto. E o que faz então do líder do Centrão um candidato competitivo para a sucessão de Rodrigo Maia? Do ponto de vista dos colegas, há a convicção de que seus privilégios permanecerão intocáveis pelos próximos dois anos e que os acordos políticos serão regiamente cumpridos, ainda que isso cause desgastes perante a sociedade. “Sabe aquela história do deputado que disse se lixar para a opinião pública? O Lira é um cara que vai honrar os acertos porque é calejado com as críticas e com as porradas nas redes sociais”, disse um parlamentar que faz oposição a Bolsonaro.

Adriano Machado/CrusoéAdriano Machado/CrusoéO passado do candidato do Planalto, Arthur Lira, constrange até bolsonaristas
Da perspectiva do Planalto, a presença de um parceiro de primeiríssima hora do comando da Câmara afasta a possibilidade de qualquer debate sobre impeachment, além de tirar da cúpula do Congresso qualquer político com pretensões presidenciais ou que tenha como aliados possíveis rivais de Jair Bolsonaro na disputa de 2022. “Quem não cumpre acordo não gera credibilidade, não gera simpatia, não gera prosperidade legislativa. O Brasil precisa das pautas para desenvolver o nosso país e nós temos várias reformas para discutir”, afirma Arthur Lira, sem esconder o sabujismo na relação com o Executivo.

Para garantir a vitória do aliado, o Palácio do Planalto e os emissários de Bolsonaro mergulharam na campanha do líder do Centrão com o empenho de quem trabalha pela própria eleição. Em troca de voto do preferido do governo, parlamentares têm recebido promessa de liberação de 6 bilhões de reais em emendas. A menos de dois anos da eleição, essa é a forma mais eficaz de seduzir um político e o governo tem reservado recursos de créditos suplementares recém-aprovados para fazer agrados. Mas o Planalto vai além para emplacar o às do Centrão no comando da Câmara. A barganha bolsonarista inclui ainda ofertas de ministérios “com verba, caneta e tinta” para os líderes dos principais partidos que compõem a base de apoio governista. No leilão de cargos, tem até uma possível vaga no primeiro escalão para aliados de Luciano Bivar, presidente do PSL, e até outro dia desafeto do governo: o comando do Ministério do Esporte, que seria recriado.

As trocas na Esplanada em prol da eleição de Lira devem envolver inclusive pastas da chamada “cozinha” do Planalto. Uma mudança considerada bastante provável é na Secretaria de Governo. Para contemplar o Progressistas, Bolsonaro avalia nomear para a pasta responsável pela articulação política o atual líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros. Com a mudança, o general Luiz Eduardo Ramos, que hoje comanda a Secretaria de Governo, seria deslocado para a Secretaria Geral, que ficará vaga com a saída de Jorge Oliveira para assumir o cargo de ministro do TCU. Bolsonaro considera ainda alterar o comando do Ministério da Cidadania, já que tem demonstrado insatisfação com o desempenho do ministro Onyx Lorenzoni. Para abrir mais espaço na Esplanada, na última quarta-feira, 10, Bolsonaro demitiu um de seus mais fiéis assessores: o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, foi defenestrado do cargo com requintes de humilhação. “Deu problema aí”, disse o presidente da República, em conversa com apoiadores, na noite da demissão. Oficialmente, o estopim teriam sido as ofensas dirigidas a Luiz Ramos por Álvaro Antônio num grupo de whatsapp, mas até as emas do Palácio do Planalto já sabiam que Bolsonaro já havia decidido apear o ministro do Turismo do cargo. Para o seu lugar, foi nomeado interinamente Gilson Machado, presidente da Embratur.

Adriano Machado /CrusoéAdriano Machado /CrusoéCom a demissão de Marcelo Antônio, Bolsonaro ganha espaço de negociação
A promessa de acordos e generosidade na distribuição de cargos seduziu até mesmo representantes da oposição a Bolsonaro. Além do PSB, que tem maioria para apoiar Arthur Lira, o PT e sua bancada de 54 deputados, a maior da Câmara, não descarta também embarcar na candidatura governista – o que consolidaria à perfeição o conceito de bolsopetismo. A Executiva Nacional do PT vai se reunir nesta sexta-feira, 11, para definir qual caminho o partido seguirá na disputa pela sucessão de Rodrigo Maia. Mas Lira já procurou José Dirceu e se mostra disposto a ir até o próprio Lula para conseguir que o PT embarque em sua candidatura. “Somos o maior partido da casa. Além da proporcionalidade, de cargo na mesa, presidência de comissões e relatorias importantes, vamos negociar também pautas caras ao PT”, explica o líder do partido na Câmara, Ênio Verri. Entre os temas citados pelo parlamentar está a viabilização de um fundo do Ministério da Economia para o financiamento sindical. Questionado se pautas como a flexibilização da Ficha Limpa estão sendo negociadas nas tratativas para a eleição da Câmara, Ênio admitiu que “inevitavelmente”. Na verdade, Arthur Lira já topou levar adiante as duas principais reivindicações do PT, com o beneplácito do Palácio do Planalto. Se for eleito, garante o líder do Centrão, a criação de um novo imposto sindical será colocada em votação, bem como a desfiguração da Lei da Ficha Limpa para beneficiar quem tem contas a prestar à Justiça – sem contar com os esforços para implodir o que eles chamam de “lavajatismo”.

No grupo de Rodrigo Maia, as negociações estão bem mais atrasadas porque não houve ainda a escolha de um candidato. Além do DEM, o atual presidente da Câmara conta com o apoio de outras bancadas, como o MDB, o PSDB, o PSL, o PV e o Cidadania. Entre os nomes preferidos de Maia, estão Aguinaldo Ribeiro, do PP da Paraíba, e Baleia Rossi, presidente nacional do MDB. Relator da reforma tributária na Câmara, Aguinaldo Ribeiro não ostenta um perfil capaz de amedrontar o Planalto – é defensor das reformas econômicas e integra um partido aliado, apesar de não ter apoio do Progressistas. Para o governo, já seria um upgrade com relação a Rodrigo Maia. Baleia Rossi, que se destacou na atual legislatura como autor da PEC da reforma tributária, já é um pouco mais independente e enfrenta a resistência da oposição, sobretudo do PT, que ainda guarda um pote até aqui de mágoas com o MDB em razão do impeachment de Dilma Rousseff.  O DEM de Maia tem dois cotados: Elmar Nascimento, da Bahia, e Fernando Coelho Filho, herdeiro do líder do governo no Senado. A principal estratégia de Maia é relacionar a possível eleição do líder do Centrão à perda de independência da Câmara. Na quinta-feira, 10, ele comentou as promessas de pagamento de emendas para atrair parlamentares. “A gente sabe que o governo vai rasgar seu próprio discurso e jogar pesado para eleger seu próprio candidato”, disse.

No Senado, a eleição é ainda mais imprevisível, já que o governo não tem um candidato declarado e o atual presidente da casa, Davi Alcolumbre, do DEM, só nos últimos dias começou a se organizar para tentar fazer seu sucessor. Se Rodrigo Maia disfarçava suas intenções de disputar a reeleição antes do desfecho do julgamento do Supremo, Alcolumbre era candidatíssimo havia mais de um ano e já articulava com colegas para tentar permanecer no cargo. A decisão do STF que barrou o golpe branco no Congresso pegou o presidente do Senado no contrapé.

Adriano Machado/CrusoéAdriano Machado/CrusoéAlcolumbre esperou decisão do STF e atrasou início de sua sucessão
Bolsonaro sinalizou a Alcolumbre que pode apoiar seu escolhido, mas é grande a pressão do MDB para que o chefe do Planalto avalize um nome da sigla. De qualquer forma, Alcolumbre não ficará no sereno depois de deixar o comando da casa: o governo já lhe prometeu um ministério na reforma prevista para o próximo ano. Dessa forma, espera o seu empenho em favor do candidato que Bolsonaro escolher para a sucessão no Senado.

Rodrigo Pacheco, do DEM mineiro, apresentou-se para a partida. O senador de 44 anos cultiva boas relações com o Palácio do Planalto e foi recebido na terça-feira, 8, pelo presidente da República, para tratar de assuntos de interesse de Minas Gerais, mas é considerado pouco experiente por setores do Senado. Antônio Anastasia, do PSD, outro possível escolhido de Alcolumbre, goza da simpatia de grupos mais diversos porque é visto como independente, equilibrado e com mais bagagem política. Ex-governador de Minas, ele deixou o PSDB no início do ano e desvinculou sua imagem do ex-correligionário Aécio Neves. Durante a pandemia, relatou propostas importantes, como a da PEC do Orçamento de Guerra, e está alinhado com a agenda de reformas. O temor do Planalto, no entanto, é que Anastasia se torne “independente demais”.

Agência SenadoAgência SenadoRodrigo Pacheco, do DEM, está cotado para representar o grupo de Alcolumbre
No MDB, há uma vasta opção de nomes. O líder do governo no Congresso, Eduardo Gomes, é o mais citado, mas a maioria dos senadores defende que o futuro presidente não tenha uma vinculação tão explícita com o Planalto. Além de ser investigado em um inquérito do Supremo por recebimento de propina, o pernambucano Fernando Bezerra, líder do governo no Senado, também enfrenta o ônus da proximidade excessiva com o Planalto. A presidente da Comissão de Constituição e Justiça, Simone Tebet, ganhou musculatura no comando do colegiado, mas, a exemplo de Anastasia, sua independência preocupa o governo. Eduardo Braga, do Amazonas, é considerado hoje o nome mais forte do MDB – o partido conta ainda com o onipresente Renan Calheiros que, a despeito do puxa-saquismo recente com relação a Jair Bolsonaro, deve levar no máximo a presidência de uma comissão relevante. O Muda Senado, grupo multipartidário que tem como bandeiras o combate à corrupção e a defesa da Lava Toga, promete lançar um candidato. “Estava todo mundo no Senado torcendo escondido para o Davi se ferrar, mas sem se posicionar. Nós do Muda Senado fomos para o pau, recorremos à imprensa, ao Supremo, enquanto ele tentava rasgar a Constituição”, diz Major Olímpio. No entanto, entre as demandas do grupo estão pautas difíceis de serem aprovadas, como a votação aberta em todas as deliberações da casa, até para eleições da mesa diretora e sabatinas, redução de gastos e a aprovação de um dispositivo que garanta a abertura de CPIs a partir do aval do plenário, não mais do presidente. Além da atribuição de definir as pautas de votações e as relatorias de projetos relevantes, os próximos presidentes da Câmara e do Senado terão uma infinidade de privilégios, como voos livres em jatos da FAB, residência oficial à beira do Lago Paranoá, carro oficial, projeção nacional e um desmedido poder político. Com tanto em jogo, e tantas ofertas no balcão de negócios do Congresso, a expectativa é que o clima em Brasília permaneça conflagrado pelos próximos dois meses.

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