TED"Os desvios diminuem não porque os líderes passam a ter princípios, e sim porque é inviável comprar todo mundo"

‘Bolsonaro, Dilma e Lula tentaram governar só para seus partidários’

O cientista político americano diz que presidentes que governam para um grupo restrito sofrem desgaste. Para ele, se Bolsonaro não entender que a pandemia mudou as prioridades, será apeado do poder
11.12.20

Em suas aulas na New York University, o cientista político americano Bruce Bueno de Mesquita pede para que seus alunos escolham um país ou uma região do mundo. Em seguida, eles coletam todos os dados possíveis para fazer análises, seguindo modelos já testados. “Digo a eles que não quero opinião, nem argumentos bonitos. A missão deles é usar a matemática rigorosa e a lógica para entender o ambiente estratégico”, explica Mesquita. “O que fazemos então é aplicar a teoria dos jogos para prever o futuro político. Dá muito trabalho, mas também é muito divertido.”

Em 2009, Mesquita ganhou fama nas redes sociais ao prever que o Irã não desenvolveria uma bomba nuclear. Onze anos depois, ele acredita que o fato de o país ainda não ter fabricado a bomba prova que sua previsão foi acertada.

Aos 74 anos, Mesquita já escreveu 24 livros, alguns em coautoria. Entre suas obras estão a Lógica da sobrevivência política e o Manual dos ditadores. Para ele, um ditador deve montar a menor coalizão de governo possível, para não ter de gastar muito na compra de apoio. Por essa lógica, ditadores podem governar para um grupo restrito formado apenas por aqueles que são responsáveis por mantê-lo no poder. No caso da Venezuela de Maduro, o círculo restrito é formado pelos generais. Na Coreia do Norte, pelos membros do Partido dos Trabalhadores, funcionários públicos mais velhos e militares. Como suas necessidades são satisfeitas pelo ditador, eles se encarregam de reprimir a maioria da população.

A fórmula, contudo, não funciona para os presidentes de democracias abrangentes, como a brasileira. Se um governante se concentra demais em atender a um único grupo de eleitores, ele pode gerar repulsa no restante do eleitorado. Foi o que aconteceu com Jair Bolsonaro, Dilma Rousseff e Lula, na sua opinião. “Era isso o que ele (Bolsonaro) estava tentando fazer. A petista Dilma Rousseff também seguiu essa estratégia. Ela não estava governando pensando no interesse do povo brasileiro, e sim no de seus partidários. Lula, antes dela, também fez isso”, diz Mesquita.

Para ele, se Bolsonaro não entender que as prioridades da população mudaram com a pandemia, ele “provavelmente será apeado do poder”.

O presidente Jair Bolsonaro iniciou seu governo buscando agradar a seus seguidores mais ideológicos. Recentemente, ele mudou de rumo e se aproximou dos partidos de centro. Qual é a sua avaliação?
Todos os líderes, tanto em democracias como em autocracias, querem depender do menor número possível de pessoas. Em primeiro lugar, é mais fácil agradar a um grupo pequeno do que tentar satisfazer todo mundo. Depois, se esse grupo for determinante nas decisões políticas, o governante poderá ficar muito tempo no poder. Bolsonaro não é exceção. Era isso o que ele estava tentando fazer. Minha impressão era a de que ele, assim como o americano Donald Trump, são muito bons em fazer isso. Para ser franco, a petista Dilma Rousseff também seguiu essa estratégia. Ela não estava governando pensando no melhor interesse do povo brasileiro, e sim no de seus partidários. Lula, antes dela, também fez isso. Na ditadura militar brasileira, nos anos 70 e 80, era igualmente assim.

Bill Holsinger-Robinson/FlickrBill Holsinger-Robinson/Flickr“A corrupção é uma maneira eficiente de um líder se manter no poder”
Governar para um grupo restrito pode dar certo?
Essa tática pode funcionar, sim, mas só por um certo tempo. Nas democracias, à medida que um chefe de governo vai tomando decisões pensando em agradar a um grupo pequeno, ele vai prejudicando outras pessoas. Para cada nova decisão específica, o líder cria uma pequena coalizão de oposição, o que gradualmente vai erodindo o poder. Então é muito complicado governar para um grupo limitado por muito tempo.

Na Venezuela, Nicolás Maduro consegue se manter no poder subornando um número reduzido de generais. Algo assim poderia acontecer no Brasil?
O Brasil é muito diferente da Venezuela. Quando Hugo Chávez estava concorrendo pela primeira vez à presidência, em 1998, depois de tentar um golpe de estado, eu disse imediatamente que, se ele chegasse ao poder, o país se tornaria uma autocracia. Chávez sempre demonstrou que governaria com uma coalizão pequena de militares e que usaria a renda do petróleo para comprar fidelidade. O Brasil não chegou a esse nível. Não é algo impossível de acontecer, mas o risco é relativamente baixo. O Brasil tem tido governos democráticos se alternando no poder há 35 anos. Em dois momentos, os eleitores conseguiram, por meio de seus representantes no Congresso, destituir presidentes. Isso não é algo que poderia acontecer na Venezuela de Hugo Chávez ou de Nicolás Maduro. Não há mais nada de democracia na Venezuela. O governo controla quem pode se candidatar na eleição. Não há liberdade de expressão. Funcionários públicos e militares que apoiam a oposição são expulsos. Muitos são presos e golpeados. São coisas que não acontecem no Brasil. Quando a Crusoé foi censurada por criticar juízes, o presidente falou da importância da liberdade de imprensa. E Bolsonaro corre o risco de perder as próximas eleições. Essas coisas não aconteceriam na Venezuela.

Bolsonaro desagradou a setores que pediam o combate à corrupção e uma agenda liberal. Ao mesmo tempo, ele melhorou sua aprovação distribuindo auxílio emergencial para os mais pobres durante a pandemia. Essa seria uma tática eficiente?
Como populista, Bolsonaro direcionou recursos públicos para as pessoas mais pobres. Ele obviamente queria deixá-las mais felizes para assegurar o apoio dessas camadas. Acontece que a pandemia também deixou essas pessoas mais vulneráveis à doença. Se o medo de ser contaminado aumentar, o presidente perderá apoio. O modelo correto em uma democracia seria o presidente gastar com bens públicos que possam beneficiar toda a sociedade. Se o presidente nega que a pandemia é um problema sério e não prepara a resposta sanitária, então ele pode perder apoio mesmo que entregue dinheiro para as famílias. O auxílio emergencial não será capaz de compensar políticas desastrosas na saúde, que passará a ser a questão dominante. Entendo que o mau desempenho de candidatos apoiados pelo presidente nas últimas eleições municipais possa ser um sinal dessa mudança de prioridades na população. Essa eleição mandou um sinal preocupante para Bolsonaro, assim como a eleição legislativa de 2018 nos Estados Unidos foi um indício de problemas para Trump. As pessoas sempre querem boas políticas públicas. Quando as prioridades mudam, como aconteceu nesta pandemia, o governante precisa entender o que aconteceu e mudar com elas. Se não fizer nada, provavelmente será apeado do poder.

Com a Operação Lava Jato, em 2014, o Brasil viveu uma onda contra a corrupção. Essa conquista da sociedade brasileira poderá ser perdida?
A corrupção é uma maneira eficiente de um líder se manter no poder. Ela acontece quando um governante transfere recursos para um grupo pequeno com o objetivo de ganhar lealdade. Para um país como o Brasil, a facilidade de obter recursos substanciais com o petróleo é um convite à corrupção. Em uma democracia como a brasileira, contudo, um presidente precisa do apoio de um número muito maior de pessoas para conseguir se manter no poder. Não basta subornar alguns milhares de empresários e políticos. Seria preciso comprar milhões de pessoas. Nesse caso, a corrupção se torna ineficiente. Os desvios, afinal, diminuem não porque os líderes passam a ter princípios, e sim porque é inviável comprar todo mundo.

Arquivo pessoalArquivo pessoal“Sanções só dão certo em 5% das vezes”
O presidente americano Donald Trump impôs sanções contra Cuba, Venezuela e Irã. Essas medidas prejudicaram os autocratas que governam esses países?
Sanções só dão certo em 5% das vezes. Geralmente, elas são uma medida tola. Podem prejudicar o povo, mas não afetam o governo. Imagine uma situação em que eu ameaço alguém com um soco no nariz. Digo que, se essa pessoa não mudar de comportamento, eu a golpearei. Essa pessoa então irá raciocinar sobre o que é pior para ela: tomar um soco no nariz ou assumir o custo de mudar de atitude. Se o sujeito calcular que o melhor é sofrer a punição, então as sanções irão falhar. É o caso da Venezuela. Os Estados Unidos podem reduzir as exportações de petróleo para quase zero, mas Maduro conseguirá pagar os generais com o pouco que conseguir exportar. Ele não se importa com o fato de que o povo está faminto, que não há eletricidade fora de Caracas, que o sistema de saúde não funciona. O que importa para ele é ficar no poder. E ele já calculou o que deve fazer.

Com o Irã é a mesma coisa?
Apesar das sanções, o Irã está enriquecendo mais urânio do que antes. O governo não caiu. Também não estou vendo o líder supremo Ali Khamenei enfrentando problemas políticos. A Guarda Revolucionária não está em dificuldades. Sanções são uma política falida. Qualquer um deve saber disso antes de tentar.

Em 2009, o senhor previu que os iranianos não fabricaria a bomba atômica, mas que iriam preferir uma negociação. Qual é a situação agora, com a eleição de Joe Biden nos Estados Unidos?
Eu previ que o Irã não construiria a sua bomba atômica. Aqui estamos nós, onze anos depois. Durante esse tempo, diziam que o Irã poderia finalizar sua bomba em um período de seis a nove meses. Mas o fato é que o Irã não fez a sua bomba. Agora que Joe Biden foi eleito presidente, o que eles estão pensando? Ora, se eu fosse iraniano, acharia que não posso confiar nos Estados Unidos. Trump abandonou um acordo que tinha sido feito pelo seu antecessor, Barack Obama. Talvez a forma de os iranianos se sentirem seguros seria com um tratado, que pela Constituição americana teria mais autoridade que um acordo. Seria mais difícil para outro presidente rasgar o que foi combinado. Os iranianos agora entendem que foram prejudicados com a saída americana e com as sanções, e querem ser recompensados por isso.

Mas o Irã quer ou não fazer a bomba?
Nunca acreditei que o Irã estivesse buscando a bomba atômica. Eles não precisam disso para atingir seus objetivos, pois ganham benefícios apenas mostrando que sabem enriquecer urânio. Além disso, eles não teriam o que fazer com uma bomba nuclear. O objetivo é apenas o da dissuasão. Não querem ser atacados. É esse o efeito que eles querem provocar. Os iranianos sabem que, se tentarem alguma besteira, eles deixarão de existir em um nanosegundo. Não são loucos. O aiatolá Ali Khamenei não é suicida. Se fosse, eleteria se martirizado quando tinha 20 anos.

Algum ditador do mundo não está seguindo as regras do Manual do Ditador e poderia ser deposto em breve?
Em geral, ditadores passam a correr risco quando estão muito velhos ou doentes. Quando isso acontece, seus apoiadores já não esperam ser recompensados no futuro. Às vezes, bastam rumores para que o ditador perca suporte. Em 2017, o ditador do Zimbábue, Robert Mugabe, ficou sem apoiadores, porque eles acharam que ele estava enfermo. O xá Reza Pahlevi não contou com o Exército para reprimir os protestos no Irão, no final dos anos 1970, porque os militares achavam que ele estava morrendo. Uma matéria do New York Times tinha dito que ele estava tentando esconder a evolução de seu câncer. Um dos erros mais comuns que vejo analistas cometerem é pensar que a destruição da economia pode derrubar um ditador. Não é verdade. Na Coreia do Norte, a economia vai muito mal. Mas sempre foi assim. Apesar disso, Kim Il-Sung morreu durante o sono. Seu filho, Kim Jong-il morreu durante o sono. E seu neto, Kim Jong-un, também deve seguir o mesmo caminho. Ele só vai enfrentar problemas se ficar doente ou se as pessoas começarem a achar que sua saúde não está boa. Nesse caso, os militares e os funcionários públicos deixarão de lhe prestar obediência, porque eles saberão que não serão mais recompensados. Começarão a procurar um substituto para o seu líder.

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