Reprodução/redes sociaisO MP suíço encontrou 15 contas atribuídas a Cristina Boner em bancos de Genebra e Zurique

Os milhões de Cristina Boner na Suíça

A empresária tem 9 milhões de dólares na Suíça bloqueados pelo MP por suspeita de lavagem de dinheiro. A dinheirama que ela tenta resgatar está em nome de empresas, entre as quais a controladora da Globalweb, que fez repasses a Frederick Wassef
04.12.20

Em meio a um emaranhado de processos, passou discretamente pela pauta do Superior Tribunal de Justiça na última terça-feira, 1, uma investigação, até então sigilosa, que descortina transações milionárias no exterior realizadas longe dos olhos do fisco por uma empresária que mantém vultosos contratos com a própria corte e com o governo federal há mais de 10 anos. Trata-se da apuração sobre uma fortuna de 9 milhões de dólares mantidas em contas na Suíça atribuídas a Maria Cristina Boner Leo, ex-mulher do advogado Frederick Wassef, o ex-defensor do clã Bolsonaro. As movimentações financeiras de Cristina Boner entraram na mira de promotores suíços e brasileiros em meio às investigações sobre o Mensalão do DEM, capitaneado pelo ex-governador do Distrito Federal José Roberto Arruda. Para o Ministério Público, a dinheirama seria produto de desvios em contratos das empresas de Cristina com o governo do DF. No processo no STJ, a empresária não só assume a titularidade das contas no paraíso fiscal, como faz um apelo à corte para que o dinheiro seja desbloqueado. A trama envolve empresas hoje investigadas por fazer repasses ao ex-advogado da família presidencial.

As transações despertaram o interesse das autoridades suíças em setembro de 2012, três meses após a Procuradoria-Geral da República denunciar Cristina, Arruda e outras 35 pessoas por esquemas de corrupção em Brasília. Segundo a peça, empresas contratadas sem licitação pelo Distrito Federal pagavam propinas ao ex-governador, seu vice, e a deputados distritais da base aliada. A acusação nasceu a partir da delação do ex-secretário Durval Barbosa, que gravou vídeos de repasses de dinheiro e instaurou o pânico na política brasiliense. Partiram dele as famosas imagens da entrega de um maço de dinheiro a Arruda. Cristina Boner também foi filmada. Em conversa com Durval, a empresária entrou em êxtase ao ser informada que ganharia um novo contrato milionário. “Cê tá feliz?”, perguntou o delator. “Tô muito!”, respondeu Cristina. De acordo com a acusação, ela recebeu 45 milhões de reais do DF, entre 2006 e 2009. Em troca, teria feito repasses a Arruda e a seu núcleo político. O ex-governador foi condenado duas vezes na Caixa de Pandora. Até hoje, o processo de Cristina não foi sentenciado.

Com a notícia da denúncia em mãos, o MP suíço iniciou uma devassa nas transações envolvendo Cristina e suas empresas. Foi quando encontrou 15 contas atribuídas a ela em bancos de Genebra e Zurique. O saldo: 9 milhões de dólares. No início de 2013, o MP da Suíça pediu ao Ministério da Justiça brasileiro para que informasse se haveria interesse em congelar o dinheiro. A resposta ao país europeu dependeria, então, de uma decisão judicial que avalizasse, no Brasil, o bloqueio de moedas estrangeiras de Cristina. A autorização demorou três anos para sair, já que o juiz do caso negou, por duas vezes, bloquear o dinheiro no exterior. Somente no fim de 2015 foi obtida a ordem judicial para embargar a dinheirama em nome da empresária. Com a decisão, foram enviados ao Brasil detalhes das transações de Cristina na Suíça, que ocorreram entre 2008 e a metade daquele ano e que estavam até agora em segredo.

Bruno Santos/FolhapressBruno Santos/FolhapressA Globalweb de Cristina atraiu os holofotes este ano ao aparecer em um relatório do Coaf como pagadora de quantias milionárias à banca de Wassef
Crusoé teve acesso aos documentos (veja abaixo) da cooperação internacional que permitiram que os investigadores alcançassem a cifra milionária atribuída a Cristina. De partida, os promotores cruzaram os dados enviados pela Suíça com declarações de imposto de renda e informes da empresária ao Banco Central sobre o dinheiro mantido no exterior. Cristina declarou ao BC ter enviado somente 650 mil dólares à Suíça, valor muito aquém do encontrado lá. No curso do processo, porém, ela mesma admitiu ter usado a B2BR, empresa de informática contratada pelo governo do DF e investigada no Mensalão do DEM, para enviar 7,8 milhões de dólares ao exterior. Para os promotores, isso só reforça a suspeita de lavagem de dinheiro. O escândalo não pôs fim às atividades da B2BR. A empresa recebeu, ao longo dos últimos nove anos, 297 milhões de reais em contratos com órgãos do governo federal na área de informática.

Os documentos da cooperação internacional também identificaram a TBA Holding, fundada por Cristina e depois transformada na Globalweb Outsourcing, como beneficiária de uma conta com saldo de 1,8 milhão de dólares em junho de 2015, em um banco suíço. Somente neste ano, a Globalweb recebeu 41 milhões de reais em contratos com o governo de Jair Bolsonaro. Do STJ, a empresa recebeu 23,3 milhões nos últimos três anos para cuidar dos serviços de tecnologia da informação. No mês passado, a corte foi alvo de um ataque hacker que paralisou as sessões por uma semana. A Globalweb atraiu os holofotes em 2020 ao aparecer em um relatório do Coaf como pagadora de quantias milionárias à banca de Frederick Wassef, que sempre negou qualquer relação com as empresas de sua ex-mulher. As transações são consideradas suspeitas pelo órgão. Trata-se do mesmo documento que identificou pagamentos de 9,8 milhões de reais feitos pela JBS nos últimos cinco anos a Wassef, revelado por Crusoé em agosto.

Para os promotores de Brasília, o dinheiro de Cristina Boner na Suíça pode servir para viabilizar a quitação da multa de 42 milhões que a empresária terá de pagar caso seja condenada no escândalo do Mensalão do DEM. Em junho, Cristina e a B2BR foram absolvidos na esfera cível pelo Tribunal de Justiça do DF, em uma ação de improbidade relacionada ao mesmo esquema. A empresária, por sua vez, tem pedido o desbloqueio dos valores sob a alegação de que as remessas foram legais e declaradas à Receita Federal, apesar de o MP dizer o inverso em documento obtido por Crusoé. Desde 2012 sob sigilo na Justiça, o caso se transformou em disputa pública no Superior Tribunal de Justiça. A Quinta Turma da corte analisaria o apelo de Cristina contra o bloqueio do dinheiro na última terça-feira, 1, mas o relator Reynaldo Soares da Fonseca adiou o julgamento para o próximo dia 15. Inicialmente, o ministro negou a liminar para desbloquear os valores.

Agência BrasilAgência BrasilCristina Boner esteve envolvida no escândalo do mensalão do DEM, que flagrou o ex-governador José Roberto Arruda recebendo maços de dinheiro
A Crusoé, a empresária Cristina Boner disse que “todas as contas foram abertas como reservas em moeda estrangeira para pagamentos a fornecedores internacionais, tendo em vista que a empresa B2BR era uma revenda de softwares de empresas fora do Brasil e que indexavam seus produtos em dólar”. A empresária afirmou ainda que havia “dois procuradores” para as contas, sendo ela um deles, mas que isso “não significa que ela era beneficiária daquelas contas e sim administradora”. Ainda em relação ao dinheiro na Suíça, afirmou esperar que “a liberação dos valores que se mantém indisponíveis seja deferida para que a Empresa B2BR possa sobreviver nessa crise econômica”.

Na época em que as transações no exterior foram identificadas pelo Ministério Público da Suíça, Cristina Boner já havia se casado com o advogado Frederick Wassef. Eles se uniram em 2008. A separação ocorreria nove anos depois. Mas os negócios entre ambos jamais esfriaram. Em episódio recente, o advogado foi denunciado pela Lava Jato por desvio de 2,6 milhões de reais no Sesc e Senac do Rio, por meio de contrato dissimulado de serviços advocatícios com a Fecomércio fluminense na gestão do delator Orlando Diniz. O processo foi suspenso pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal. Durante as investigações, os procuradores receberam um relatório do Coaf mostrando que Wassef recebeu mais de 4 milhões de reais de empresas ligadas a Cristina, entre 2015 e 2017, com um padrão de saques e depósitos típico de quem busca ocultar dinheiro. A respeito das movimentações financeiras entre a Globalweb e  Wassef, a empresária diz que “todas partiram de Wassef para a Globalweb como empréstimo”. “As saídas financeiras da Globalweb para Wassef, foram exclusivamente pagamentos desses empréstimos com juros. O relatório da Coaf ignorou esse fluxo de transações”, alega Cristina.

No ano passado, o Coaf detectou nova operação atípica envolvendo Wassef e uma das filhas da empresária que administra os negócios da família. Foram quatro transações no valor total de 437 mil reais entre março e setembro de 2019. O dinheiro, segundo o Ministério Público Federal, tinha como origem uma administradora de bens de Cristina Boner flagrada em 2018 em transferências suspeitas com uma offshore sediada no Panamá, conhecido paraíso fiscal na América Central — tal qual era a Suíça no período em que a empresária remeteu sua fortuna para o país europeu escondido da Receita.

Em nota a Crusoé, a defesa da empresária Cristina Boner fez os seguintes esclarecimentos:

Com relação à reportagem publicada em “Crusoé” em 4/12, Cristina Boner informa que foi absolvida, por unanimidade, pelo Tribunal de Justiça do DF em 24 de julho de 2020, no processo que ficou conhecido como “Caixa de Pandora”. No que diz respeito à atribuição de suposto crime de lavagem de dinheiro, a defesa de Cristina Boner esclarece que ela não responde por esse crime. Com relação às contas no exterior, Boner não era a beneficiaria dos recursos, mas apenas a administradora, junto com outros procuradores. Todas as contas foram abertas como reservas em moeda estrangeira para pagamentos a fornecedores internacionais, tendo em vista que a empresa B2Br era uma revenda de softwares de empresas sediadas no exterior. Os recursos foram remetidos anos antes da operação “Caixa de Pandora”, não possuindo qualquer vínculo ou ligação com a mesma. A operação de remessa dos recursos via Banco Central foi declarada à Receita Federal e é comum para empresas que representam multinacionais e precisam se proteger das variações cambiais.

 Em nota a Crusoé, a Globalweb esclareceu que:

Sobre as movimentações financeiras entre a Globalweb e o advogado Frederick Wassef, cabe esclarecer que não existiu qualquer irregularidade ou ilegalidade — e muito menos qualquer movimentação financeira atípica entre as partes.

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