Carlos Fernandodos santos lima

Não há mais governo no Brasil

27.11.20

Não há mais governo no Brasil. Estamos acéfalos. Enquanto Jair Bolsonaro não governa, sendo apenas um obstáculo ao pouco que a burocracia de Brasília ainda tenta fazer, o Congresso Nacional está paralisado pelo apego dos atuais presidentes das casas ao poder. Nosso parlamento é dominado pela disputa do ruim, Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre, com o pior, Arthur Lira e Renan Calheiros. No Supremo Tribunal Federal ficamos reféns da escancarada proteção que alguns ministros, inclusive o indicado por Bolsonaro, dão à classe política e ao sistema corrupto que a sustenta. Nada fazemos de relevante para superar a pior crise dos últimos cem anos e vemos velhos inimigos como a inflação voltarem a preocupar. Enfim, caminhamos como cegos à beira do abismo enquanto alguns loucos nos gritam para seguir em frente.

Na verdade, o governo Bolsonaro arrasta-se há dois anos. Nesse período, tanto o presidente como os líderes do Congresso Nacional só foram eficientes em duas ações. A primeira foi a aprovação a toque de caixa da reforma da Previdência. A segunda, que teve o apoio dos nomes de sempre do STF, foi a destruição da Operação Lava Jato e do combate à corrupção no país. De resto, nenhuma política real ou proativa, mas apenas o caminhar de bêbado empurrado pelos ventos das circunstâncias. O resultado, assim, só poderia ser sofrível ou criminoso, como é a condução da saúde pública nesta época de pandemia ou o domínio político do governo pela cleptocracia do Centrão.

Em meio ao caos e ao descaso, tentamos sobreviver, apesar de Bolsonaro. Um exemplo dessa “Babel” que se tornou o atual governo federal são os milhões de testes PCR vencidos ou prestes a vencer que serão jogados fora quando a população necessita deles com urgência. Como cerca de 300 milhões de reais podem ser desperdiçados? Como um dos principais instrumentos para o controle da pandemia é esquecido em armazéns do governo justamente por um suposto especialista em logística, o general do Exército e dublê de ministro da Saúde, Eduardo Pazuello? Será que a política de Bolsonaro é tão negacionista que deseja simplesmente testar menos para diminuir as estatísticas? Ou será que o desregramento moral do presidente contaminou os escalões técnicos do governo e o Ministério da Saúde prefere contar os mortos a salvar os vivos?

Caminhamos celeremente para 200 mil mortos. E a política de Bolsonaro tem sido simplesmente a de lavar as mãos. “E daí?” é o resumo do seu governo. E daí quem morreu, afinal eram todos “maricas” e não tinham o “histórico de atleta” do presidente. “O que vocês querem que eu faça?”, como se não estivesse na Presidência da República com a obrigação de fazer alguma coisa de positivo ou de, ao menos, pedir desculpas pelos erros e consolar as vítimas. Prefere mentir, repetir bordões e bancar o Pilatos, como se a população não soubesse, cada vez mais, qual é sua verdadeira natureza: trata-se apenas de um autoritário orgulhoso de sua ignorância, com preguiça de governar e pouca empatia pelo sofrimento alheio, para dizer o mínimo.

E aqueles que estão ao redor do presidente a cada dia se parecem mais com ele. Cada manifestação do ministro da Economia, Paulo Guedes, é uma repetição de equívocos, informações erradas e ufanismo inconsequente. Num país que realmente precisa de um estado menor e mais eficiente, o Ministério da Economia não consegue articular qualquer privatização, qualquer política consistente de reformas, seja a tributária, tão necessária, ou a administrativa, inevitável. Gastaram o capital político dos dois primeiros anos e agora pretendem, sem dinheiro, com a economia no chão, e sem qualquer articulação, implementar reformas? Não bastasse tudo isso, o projeto liberal de Guedes, se é que um dia foi crível, enfrenta sua maior oposição justamente na Presidência da República. Jair Bolsonaro é um sindicalista de farda e sua ideia de mundo resume-se a um quartel com recrutas lhe engraxando as botas. Ele acredita num estado grande e desorganizado, pois é disso que sua família sobrevive.

A preocupação agora não é só com a repetição em 2021 deste horrível ano de 2020. Quem viveu os anos Sarney e Collor sabe que o poço é bem mais fundo do que a atual geração acredita. Depois da mediocridade dos governos Dilma e Temer, quatro anos sem reformas nos estão levando novamente ao descontrole inflacionário. Quem vai ao supermercado sabe muito bem disso. Como suportar o reajuste de aluguel em mais de 20% depois do massacre econômico causado pela Covid? Não temos Lei de Diretrizes Orçamentárias e caminhamos para entrar no próximo ano sem orçamento. As famílias não sabem como será janeiro, se haverá emprego ou será mantido o auxílio emergencial. Só nos falta termos que enfrentar filas para comprar um pedaço de frango, como nos anos 1980.

E falando em alimentos, nem mesmo o setor agropecuário, pujante nesta crise, pode dizer que está livre dos perigos. Pelo contrário. A inflação dos alimentos, causada pelo preço das commodities e a alta cotação do dólar, desgasta a imagem do setor perante a população. Além disso, a política criminosa de Bolsonaro e seu escudeiro Ricardo “Passa a Boiada” Salles em relação ao meio ambiente está contaminando a percepção dos governos e consumidores europeus sobre a importação de produtos agrícolas brasileiros. Com a eleição de Joe Biden para a presidência dos Estados Unidos, o mesmo vai acontecer em relação aos americanos. Nenhum país realmente importante do Ocidente vai querer comprar de um país que destrói a natureza. O resultado da política de terra arrasada ambiental de Bolsonaro será nos tornarmos reféns da China.

E aqui temos o fechamento fétido da completa idiotização do atual governo. Em vez de uma política pragmática na busca dos interesses nacionais no comércio exterior, acabamos nos alinhando subalternamente a Donald Trump. Não é um alinhamento aos Estados Unidos, mas sim a uma ideologia cultural canhestra representada pelo agora quase ex-presidente americano. Enquanto isso vamos criando incidentes diplomáticos com todo o restante do planeta, especialmente com a China, o único mercado que vai nos restar, quando Eduardo Bolsonaro resolve falar sobre comércio exterior, para além do seu conhecimento empírico do ponto correto do hambúrguer do McDonalds. Assim, orgulhosamente nos tornamos párias internacionais, como deseja o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, tendo ainda de ouvir chacotas e ironias de Putin sobre a masculinidade de Jair Bolsonaro.

A esperança de mudança não depende desse governo. Nada de bom virá de Jair Bolsonaro, Rodrigo Maia, Alcolumbre, Arthur Lira, Renan Calheiros, Toffoli, Gilmar ou Lewandowski. Se dependermos deles nos afundaremos como país, permanecendo presos a esse sistema político que só produz bandidos, incompetentes, inconsequentes ou aventureiros. A esperança vem do exterior, com as novas vacinas e com a eleição de Joe Biden. Quem sabe sem seu paradigma americano nosso presidente passe a ficar tão desacorçoado e desorientado que deixe de atrapalhar as áreas técnicas que ainda restam no governo? A esperança interna está na vontade da população de voltar a trabalhar e ser feliz em família e com os amigos, o que, graças à resistência da ciência brasileira a tantos anos de descaso e à excelência da Fiocruz e do Instituto Butantan, vai acontecer paulatinamente com a vacinação a partir de janeiro. Tudo é muito pouco considerando que ainda teremos mais dois anos desse desastroso governo. Mas chegará o dia de despacharmos essa excrescência da Presidência da República, como fizeram os americanos com a deles.

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