SergioMoro

Protegendo a democracia – Parte I

20.11.20

As eleições presidenciais americanas e as eleições municipais brasileiras reacenderam a discussão sobre 2022.

Particularmente, reputo prematuro debater nomes e partidos no momento. 2020 ainda não acabou e virá um longo e difícil 2021, também repleto de incertezas, a principal delas quanto à disponibilização ou não da vacina contra o coronavírus. Incertezas também rondam a capacidade do governo federal de realizar reformas modernizantes, o que parece ser essencial para a recuperação da economia. Refiro-me aqui às reformas administrativa e tributária, basicamente. Também seriam importantes reformas para reforçar a prevenção e o combate à corrupção, mas estas são inviáveis no atual quadro político, já que os planos do presidente e de seus aliados, do Centrão, passam longe dessa temática.

Embora seja cedo discutir nomes e partidos, nada nos impede de transformar em rotina permanente o debate de projetos que possam agregar pessoas que acreditam na construção de um futuro melhor para o país. Como cidadãos, temos o direito de sugerir propostas, tanto para o atual como para os governos futuros.

Um projeto fundamental consiste em reforçar a proteção de nossa democracia e das nossas liberdades frente às sempre possíveis ameaças autoritárias.

A ascensão de lideranças populistas no mundo inteiro, à esquerda e à direita, recomenda a adoção de medidas que preservem as nossas instituições democráticas.

Como medida número um, deveria ser extinta a reeleição para cargos no Executivo. Durante toda a República, convivemos bem sem a reeleição de presidentes. Em 1997, por razões muito circunstanciais – permitir a reeleição do então presidente Fernando Henrique Cardoso – foi aprovada uma alteração na Constituição de 1988 com a introdução dessa possibilidade, até então estranha à nossa tradição republicana. Mais recentemente, o próprio ex-presidente, em artigo publicado no Estadão, admitiu tardiamente que a aprovação da emenda fora um erro.

Embora a reeleição tenha a sua lógica, ela não funciona no Brasil, gerando riscos e inconvenientes de toda espécie. Governar exige atender, mas também contrariar interesses. Dizer “não” é, por vezes, mais difícil e tão importante do que dizer “sim”. Não raramente, governar também exige a adoção de políticas públicas impopulares no curto prazo, como a redução das despesas públicas, com o fim de colher benefícios a longo prazo, no caso, a diminuição do déficit fiscal e a redução de juros. A ambição de ser reeleito pode turvar a capacidade do dirigente de tomar as medidas necessárias para o benefício do país e que contrariem interesses especiais ou aspirações momentâneas.

A ocupação do cargo de presidente, ou seja, de mandatário maior da República, parece ainda favorecer o culto à personalidade, o que prejudica o senso crítico não só dos governantes como dos governados. O poder de fato corrompe. Não digo aqui no sentido menos nobre, de receber suborno, mas sim de nublar a capacidade de discernimento de quem o exerce. Isso pode parecer exagero, mas, na história recente do Brasil, tivemos um ex-presidente, da esquerda, que, certa feita, afirmou não ser mais “um ser humano, mas uma ideia”, e, na direita, temos um presidente que é chamado por seus apoiadores de “mito” e que, aparenta, por vezes, acreditar em uma suposta infalibilidade pessoal, ainda que os fatos o desmintam a todo momento.

Se a eleição ao cargo de presidente pode gerar esse tipo de efeito, a reeleição pode multiplicá-lo. Claro que uma dose salutar de autoceticismo talvez fosse suficiente para fazer cessar delírios da espécie, mas o desenho institucional está errado quando favorece esse tipo de pensamento em algumas lideranças e também nos liderados.

A reeleição favorece o surgimento de candidatos a caudilhos ou a ditadores. Sempre haverá a tentação de um terceiro e de um quarto mandato. Já vimos isso na América Latina com Chávez e Evo Morales. A América Latina é um continente fértil para o surgimento de lideranças populistas, à esquerda ou à direita, que reputam imprescindível a sua perpetuação no poder, supostamente em benefício do povo, mas, na realidade, deles mesmos.

Não raramente candidatos à Presidência passam a campanha eleitoral propondo o fim da reeleição para, depois de assumirem o cargo, abraçarem a possibilidade. Esse foi o caso, aliás, do atual mandatário brasileiro. Então essa é uma reforma que precisa ser proposta logo no início do mandato do presidente eleito. Se houver, por exemplo, renovação nas eleições de 2022, é algo que deveria ser apresentado pelo eleito já em janeiro ou fevereiro de 2023. Para essa emenda, há uma opção de estender de quatro para cinco anos o mandato da chefia do Executivo e que poderia valer a partir da eleição seguinte, de 2026, ou seja, não caberia aumentar o período do mandato em curso. Mas o fundamental mesmo é acabar com a reeleição para cargos no Executivo. Precisa ser forte para abdicar do poder. Precisa ser um estadista.

Em suma, nos países democráticos, com instituições mais consolidadas, a reeleição dos cargos do Executivo não é um grande problema. Na América Latina, onde a estabilidade institucional ainda está em construção, a reeleição é de todo inconveniente, como a história nos tem ensinado. Deve ser suprimida como o primeiro remédio contra os riscos autoritários ou de desvio de poder. No próximo artigo, falarei sobre outras propostas que visam afastar esses mesmos riscos e, assim, fortalecer a democracia.

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