Pedro Ladeira/FolhapressMoro e Huck recebem homenagem em 2017, em Brasília: agora, rumor sobre possível aliança eleitoral entre os dois atiçou a ira de políticos anti-Lava Jato

A corrida ao centro

Na geleia partidária brasileira, possíveis candidatos ao Planalto em 2022 avistam o esgotamento do extremismo e tentam se situar na cinzenta zona do centro, mais ainda depois da eleição de Biden nos EUA
13.11.20

Não foram poucas as lições que a eleição do democrata Joe Biden nos EUA deu ao Brasil. Na mais eloquente delas, restou a constatação de que, contra um extremista, um adversário mais ao centro pode preponderar. Assim, cada vez mais se consolida por aqui a convicção de que um candidato capaz de convocar os eleitores para uma reconciliação nacional é o mais talhado para derrotar Jair Bolsonaro, em 2022. Um político de perfil moderado, longe do histriônico Fla-Flu político, e com capacidade de unir o Brasil em torno do tripé agenda liberal para a economia, luta contra a corrupção e redução da desigualdade social. Não se pode dizer que o novo figurino já tenha se ajustado com perfeição à silhueta de algum aspirante ao Planalto em 2022, mas já há movimentos nesse sentido e candidatos provando a indumentária.

O lance político mais recente foi a aproximação entre o ex-juiz Sergio Moro e o apresentador de televisão Luciano Huck. A união, se sacramentada, seria o fato novo da corrida presidencial de 2022. O dois tiveram um encontro no apartamento de Moro, em Curitiba, no dia 30 de outubro. Na conversa, que incluiu um almoço na varanda do apartamento e durou cerca de três horas, eles discutiram o cenário e cogitaram se unir numa terceira via para concorrer ao Palácio do Planalto daqui a dois anos. A dupla convergiu quanto à necessidade de construir uma oposição “racional”, distante dos extremos Bolsonaro e Lula.

Seria puro exercício de futurologia especular sobre a competitividade de uma parceria que nem se sabe ao certo se seguirá adiante. Mas o temor que o movimento de Moro gerou no ambiente político dá a dimensão de até onde uma possível aliança entre o ex-ministro da Justiça e alguém com o perfil de Huck pode ser capaz de chegar.

Bastou surgir a notícia de que ambos se encontraram para, na última semana, a turma anti-Lava Jato se dedicar a lançar petardos contra a chapa como se todos integrassem um partido só. Entre eles, Lula, Gleisi Hoffmann, Ciro Gomes, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, o ministro das Comunicações, Fábio Faria, e por fim, o presidente Jair Bolsonaro. O presidenciável e governador de São Paulo, Joao Doria, que recebeu Moro em sua casa na primeira quinzena de setembro, preferiu refugiar-se no silêncio.

O primeiro a sair a campo foi, provavelmente, quem mais sentiu a articulação. “Agora tentam preparar uma chapa Huck/Moro. Cada hora inventam uma coisa. A única coisa que eles não admitem voltar é o PT”, escreveu Lula em seu perfil no Twitter. Ato contínuo, foi a vez de a presidente nacional do partido, Gleisi Hoffmann, entrar em cena. “É a junção da Lata Velha com a Lava-Jato e Paulo Guedes”, afirmou, fazendo chiste com um quadro conhecido do programa de Huck. Ciro tentou tachar Moro de “fascista de extrema-direta” parecendo estar afinado com Rodrigo Maia, que adotou tom semelhante. “Não posso apoiar uma chapa integrada por alguém de extrema-direita”, disse o presidente da Câmara, que ainda flerta com Huck – durante a semana, inclusive, os dois almoçaram juntos no Rio de Janeiro.

Ettore Chiereguini/Agif/FolhapressEttore Chiereguini/Agif/FolhapressRodrigo Maia tentou tachar Moro de “extrema-direita”: ele fala pelo Centrão, que teme alguém comprometido com o combate à corrupção no Planalto
A reação de Maia é compreensível para quem o conhece de perto: ligado umbilicalmente ao Centrão, o político do DEM reza na mesma cartilha dos partidos que compõem a agremiação fisiológica, hoje dona do maior número de políticos encalacrados com a Justiça, para os quais Moro é persona non grata desde os primórdios da Lava Jato.

Por fim, na esteira de críticas proferidas pelo seu ministro das Comunicações, Fabio Faria, Bolsonaro foi o último a acusar o golpe. “Aí vem uma turminha falar: ‘Queremos um centro. Nem ódio para cá, nem ódio para lá’. Ódio é coisa de maricas”, disse o presidente, durante o mesmo discurso em que também chamou maricas os brasileiros que se preocupam com o coronavírus.

Enquanto os adversários demonstram preocupação e, ao mesmo tempo, se mobilizam para tentar dinamitar uma eventual chapa no nascedouro, partidos como o Cidadania e o Podemos escancaram as portas tanto para Sergio Moro quanto para Luciano Huck. Se quiserem ser candidatos, ambos precisam se filiar a um partido até abril de 2022.

“A partir de agora, o processo político vai exigir das pessoas que sejam racionais para enfrentar o grande adversário comum que é o obscurantismo. Iniciamos a discussão para formar um polo democrático. Qual será a amplitude e quem vai participar são pontos que ainda estão em aberto”, afirma Roberto Freire, presidente do Cidadania. Ele minimiza o fato de Sergio Moro ter integrado o governo Bolsonaro e defende a participação do ex-ministro e ex-juiz nas discussões. Sem citá-lo, Freire comparou Moro a Teotônio Vilela — o político alagoano que apoiou o governo militar, mas depois lutou contra a ditadura. “Em 1964, ele foi a favor do golpe, mas depois se transformou em ícone da resistência”, lembrou.

O Podemos, que se consolidou como um partido pró-Lava Jato, também tenta atrair Moro e Luciano Huck para suas fileiras. O consenso na sigla é o de que eles representam bem duas bandeiras deixadas de lado nos últimos tempos: o combate à corrupção e a preocupação com as desigualdades sociais. Principal liderança do Podemos, o senador Álvaro Dias, no entanto, faz um alerta: “Não existe candidato de laboratório, não podemos apostar em fórmulas mágicas. Os bons nomes nascem durante o embate e, na minha opinião, é inadequado falar em sucessão agora. Quem antecipar a largada pode se queimar”.

Adriano Machado/CrusoéAdriano Machado/CrusoéÁlvaro Dias acha que não é hora de queimar a largada
O Partido Novo também quer participar de uma possível concertação contra Bolsonaro na raia da centro-direita. Ao longo da semana, Huck intensificou suas conversas. Na quarta-feira, 11, o apresentador participou de um jantar em São Paulo com 23 empresários do varejo, da área da saúde e do mercado financeiro. Ele demonstrou aos presentes seu interesse em se candidatar ao Planalto em 2022, e disse que seria necessária uma ampla coalizão, na qual incluiria Sergio Moro. No almoço com Maia, contudo, o apresentador afirmou que a turma dele era a do DEM, provavelmente para abaixar a temperatura do presidente da Câmara, que ficou tiririca com a conversa dele com o ex-ministro. Qual será o verdadeiro Huck? O que divide mesa com Moro ou o que faz o mesmo com Maia? Ou será que ele acha ser possível unir Moro e Maia no mesmo palanque?

O que é certo é que outros possíveis candidatos ao Planalto tentarão se cobrir com o traje de moderados, incluindo aqueles em que a vestimenta não se ajusta ao corpo. Doria tenta encarnar o candidato ideal de centro e, do mesmo jeito que tentou personificar o anti-Lula em 2018, vai querer ser o anti-Bolsonaro em 2022, mas o fato de estar atrelado ao PSDB, partido muito associado à velha política, como o DEM, pode jogar contra seus planos. Ciro procura um vice capaz de suavizar sua chapa de esquerda e contrabalançar seu jeito parlapatão, similar ao de Bolsonaro, só que do lado oposto. Difícil vai ser o eleitor cair nesse discurso. Como também ninguém caiu na conversa da suposta aliança entre Lula e Ciro, que tem mais cheiro de pacto de não-agressão, a julgar pela reação de integrantes tanto de PT quanto de PDT. “Não se pode falar em aliança enquanto Ciro não pedir desculpas públicas pelo que falou sobre o PT”, atacou Gleisi Hoffmann. O presidente do PDT, Carlos Lupi, também admite que uma união entre o PT e seu partido é “remota”.

O PDT não quer saber do PT porque sabe que os tempos estão difíceis para quem entoa a cantilena radical. É o que indicam as pesquisas para as eleições municipais deste domingo, 15. Considerada uma prévia para 2022, a corrida não é alvissareira para os dois extremos do espectro político. Em um pleito em que a disputa entre os caciques parece ser sobre quem vai perder menos, Lula já adiantou que vai participar pouco da reta final da campanha — não quer se associar a possíveis derrotas. O mesmo raciocínio vale para os candidatos de esquerda aparentemente condenados à derrota: ninguém quer aparecer ao lado do chefão para evitar um vexame ainda maior. Quem do PT ainda nutre esperanças na eleição, também quer fugir do toque de Midas às avessas do petista. Ciro Gomes, por sua vez, só vai entrar na campanha de Marta Rocha no Rio no segundo turno. Em São Paulo, na capital, no interior e mesmo no litoral, candidatos fogem de Doria. Celso Russomanno, depois que foi apoiado publicamente por Bolsonaro, despencou ladeira abaixo nas pesquisas – embora não seja a primeira vez que ele experimenta o infortúnio.

Política não se faz com ódio, pois não é função hepática, dizia Ulysses Guimarães. Os dados ainda estão rolando, mas a busca pelo equilíbrio — ou ao menos por algo que ao menos pareça mais razoável — parece mesmo um caminho sem volta.

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