Carolina passou na janela e só Nereu não viu
“Nós acreditamos em Deus, pátria e família. Não há sentido estarmos aqui, Pai, se não for para restaurar a família porque o que acontece em Brasília, Pai, reflete em todo Brasil. Eu creio, Pai, que a restauração da família do Nereu representa a restauração da família brasileira. Deus, encha a Carolina do Espírito Santo, que ela entenda que só o Senhor é Deus, que ela entenda que não há nada, nem dinheiro, nem poder, nada, mais importante que a família (…) Deus, em nome de Jesus, onde a Carolina estiver agora, que ela receba o seu sopro, o seu entendimento e sinta falta da sua família, sinta falta do cheiro do Nereu, sinta falta da presença e da proteção do marido.”
O trecho acima, acredite, é parte de uma oração conduzida pelo blogueiro bolsonarista Oswaldo Eustáquio, antes de iniciar uma conversa de cerca de duas horas, no último dia 23 de outubro, com o deputado federal Nereu Crispim, do PSL do Rio Grande do Sul, em um quarto de hotel de Florianópolis. A Carolina que, segundo a oração, deveria receber a visita do “Espírito Santo” para que voltasse a sentir “falta do cheiro de Nereu”, é Carolina Lompa, ex-mulher do parlamentar e ex-dirigente do PSL Mulher. Como é possível depreender, Crispim e Carolina atravessam uma crise conjugal – uma crise que não seria notícia não fosse o insólito motivo do desentendimento.Antes de entrar nas razões da cizânia do casal é importante contextualizar o PSL. A sigla era apenas uma legenda nanica, comandada por um parlamentar de reputação duvidosa, até servir de abrigo, em 2018, para a candidatura de Jair Bolsonaro ao Planalto. A partir daí, o partido virou um saco de gatos: reuniu parlamentares sem qualquer identidade ideológica e de espectros políticos diversos apenas para pegar carona na popularidade de um candidato na iminência de se tornar presidente. Juntamente com o crescimento exponencial da legenda, veio a escalada de problemas: desde o lançamento de candidaturas laranjas, revelação de rachids, juras de amor seguidas de ameaças, lavação de roupa suja em grupos de WhatsApp e áudios vazados — ufa! — até o rompimento, após apenas 22 meses, do próprio presidente da República. Briga de marido e mulher com implicações políticas para a agremiação, porém, é a primeira vez.
Ao descobrir o esquema, o parlamentar, então presidente da seção gaúcha do partido, abortou a aliança e também o casamento. De acordo com ele, seu temor não era envolver a mulher, mas ser enredado na tramoia. “Eles (Crispim se refere a Bivar e a Antônio Rueda, advogado da legenda) tinham um orçamento para o Rio Grande do Sul. Eu descobri que eles iam dar 1,5 milhão de reais para ela ser vice em Canoas. Laranjal… Minha esposa tinha menos de 1%”, disse o deputado durante a conversa com Eustáquio no quarto de hotel. “Eu tive que denunciar minha esposa, eu ia ser preso. Eu era o presidente estadual, ia vir no meu c.”, emendou. Na gravação, o deputado diz ter denunciado as irregularidades ao Tribunal Superior Eleitoral, o TSE. “Eu relatei toda a história. Tá tudo lá. Eu denunciei tudo, eu denunciei minha esposa. Só que ela…Eu coloco ela como uma vítima”, diz ele. “É o novo laranjal”, reafirma.
O laranjal do PSL foi revelado pelo jornal Folha de S.Paulo. Na eleição de 2018, o partido se valeu de candidaturas de mulheres, a maioria de fachada, para cumprir uma cota de 30% exigida pelo TSE — e, assim, desviar recursos do fundo eleitoral por meio da contratação de empresas ligadas a integrantes da sigla. A diferença é que o partido comandado por Bivar, antes dotado de poucos recursos, agora dispõe de 199 milhões de reais para utilizar na campanha eleitoral, o que parece ter aguçado os instintos pecaminosos de integrantes da legenda.Na conversa com o blogueiro, Crispim segue em sua cruzada contra a cúpula do partido. Aparenta ler trechos da denúncia formalizada ao TSE em que ele pede o bloqueio do fundo eleitoral do partido e faz menção a uma empresa de aplicativos que teria sido contratada para desviar recursos públicos. “Olha aqui. Utilização indevida do fundo eleitoral, conhecido como laranjal, na cidade de Canoas e PSL mulher nacional e também das cotas dos negros e pardos. Contratação de empresa de aplicativo com fundo PSL Mulher Nacional, sendo que há aplicativo fornecido pelo Banco do Brasil”, afirma o deputado na gravação.
A confusão não termina aí. Nereu Crispim alega ter sido ameaçado por Luciano Bivar e pelo advogado Rueda na esteira das denúncias. Mais: segundo ele, Bivar e a senadora Soraya Thronicke, também do PSL, induziram sua mulher a entrar com uma medida protetiva na Justiça contra ele. O objetivo seria pressioná-lo a retirar as acusações. “No TSE, tá em segredo, ainda tá. Eu mandei para todo mundo e eles querem que eu tire usando minha esposa. O Daniel (deputado Daniel Silveira, do PSL) ouviu dela e do irmão dela. A Carolina ontem fez uma proposta para eu tirar tudo isso aí e, então, ela tiraria a protetiva”, diz ele.A Crusoé, Oswaldo Eustáquio confirmou a autenticidade das gravações feitas por ele próprio durante a conversa com Crispim em Florianópolis. O blogueiro conta que o deputado entrou em contato quando estava com “problemas pessoais relacionados à esposa”. Depois disso, apiedou-se da questão privada “complexa” vivenciada pelo parlamentar e prometeu entregar a gravação à Polícia Federal no próximo dia 17, quando irá prestar depoimento.
Para além da oração insólita e da grave denúncia embutida na gravação, o episódio é revelador da confusão sem fim do PSL. O próprio Nereu Crispim até outro dia estava, ao lado da mulher, na trincheira oposta à da turma de Eustáquio. Hoje denunciante de Bivar, o deputado integra a CPI das Fake News e, quando o PSL rachou entre bivaristas e bolsonaristas, aliou-se ao primeiro grupo e municiou as investigações contra os rivais na comissão de inquérito e no Supremo Tribunal Federal. O deputado chegou a pedir, justamente no âmbito da investigação sobre os atos antidemocráticos, a prisão de Sara Winter, amiga de fé do blogueiro — os dois acabaram presos pela Polícia Federal. Desde o rompimento com Caroline, porém, o deputado ensaia uma reaproximação com os bolsonaristas. Até que uma nova crise os separe, evidentemente.
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