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Carolina passou na janela e só Nereu não viu

Na esteira de uma crise conjugal que se liga ao partido, um deputado federal diz que o PSL continua operando com laranjas nestas eleições
06.11.20

“Nós acreditamos em Deus, pátria e família. Não há sentido estarmos aqui, Pai, se não for para restaurar a família porque o que acontece em Brasília, Pai, reflete em todo Brasil. Eu creio, Pai, que a restauração da família do Nereu representa a restauração da família brasileira. Deus, encha a Carolina do Espírito Santo, que ela entenda que só o Senhor é Deus, que ela entenda que não há nada, nem dinheiro, nem poder, nada, mais importante que a família (…) Deus, em nome de Jesus, onde a Carolina estiver agora, que ela receba o seu sopro, o seu entendimento e sinta falta da sua família, sinta falta do cheiro do Nereu, sinta falta da presença e da proteção do marido.”

O trecho acima, acredite, é parte de uma oração conduzida pelo blogueiro bolsonarista Oswaldo Eustáquio, antes de iniciar uma conversa de cerca de duas horas, no último dia 23 de outubro, com o deputado federal Nereu Crispim, do PSL do Rio Grande do Sul, em um quarto de hotel de Florianópolis. A Carolina que, segundo a oração, deveria receber a visita do “Espírito Santo” para que voltasse a sentir “falta do cheiro de Nereu”, é Carolina Lompa, ex-mulher do parlamentar e ex-dirigente do PSL Mulher. Como é possível depreender, Crispim e Carolina atravessam uma crise conjugal – uma crise que não seria notícia não fosse o insólito motivo do desentendimento.

Antes de entrar nas razões da cizânia do casal é importante contextualizar o PSL. A sigla era apenas uma legenda nanica, comandada por um parlamentar de reputação duvidosa, até servir de abrigo, em 2018, para a candidatura de Jair Bolsonaro ao Planalto. A partir daí, o partido virou um saco de gatos: reuniu parlamentares sem qualquer identidade ideológica e de espectros políticos diversos apenas para pegar carona na popularidade de um candidato na iminência de se tornar presidente. Juntamente com o crescimento exponencial da legenda, veio a escalada de problemas: desde o lançamento de candidaturas laranjas, revelação de rachids, juras de amor seguidas de ameaças, lavação de roupa suja em grupos de WhatsApp e áudios vazados — ufa! — até o rompimento, após apenas 22 meses, do próprio presidente da República. Briga de marido e mulher com implicações políticas para a agremiação, porém, é a primeira vez.

Reprodução/Redes SociaisReprodução/Redes SociaisO blogueiro Oswaldo Eustáquio, que gravou Nereu Crispim, ao lado da ativista Sara Winter: ambos trabalham contra Luciano Bivar, presidente do PSL
Foi o que afirmou o próprio Crispim durante o diálogo com Eustáquio, ao qual Crusoé teve acesso. Segundo ele, os dois romperam porque Carolina passou a cultivar uma relação muito próxima com o presidente do PSL, o também deputado Luciano Bivar. Juntos, tramaram uma jogada nada republicana, no que Crispim considerou uma traição. Carolina havia acertado com Bivar que entraria como vice na chapa de Cesar Augusto, do Republicanos, à prefeitura de Canoas, município da região metropolitana de Porto Alegre. Pelo acordo, celebrado intramuros e sem a participação do marido, ela receberia 1,5 milhão de reais, numa operação que, segundo Crispim, faria parte do “novo laranjal do PSL” nas eleições deste ano.

Ao descobrir o esquema, o parlamentar, então presidente da seção gaúcha do partido, abortou a aliança e também o casamento. De acordo com ele, seu temor não era envolver a mulher, mas ser enredado na tramoia. “Eles (Crispim se refere a Bivar e a Antônio Rueda, advogado da legenda) tinham um orçamento para o Rio Grande do Sul. Eu descobri que eles iam dar 1,5 milhão de reais para ela ser vice em Canoas. Laranjal… Minha esposa tinha menos de 1%”, disse o deputado durante a conversa com Eustáquio no quarto de hotel. “Eu tive que denunciar minha esposa, eu ia ser preso. Eu era o presidente estadual, ia vir no meu c.”, emendou. Na gravação, o deputado diz ter denunciado as irregularidades ao Tribunal Superior Eleitoral, o TSE. “Eu relatei toda a história. Tá tudo lá. Eu denunciei tudo, eu denunciei minha esposa. Só que ela…Eu coloco ela como uma vítima”, diz ele. “É o novo laranjal”, reafirma.

O laranjal do PSL foi revelado pelo jornal Folha de S.Paulo. Na eleição de 2018, o partido se valeu de candidaturas de mulheres, a maioria de fachada, para cumprir uma cota de 30% exigida pelo TSE — e, assim, desviar recursos do fundo eleitoral por meio da contratação de empresas ligadas a integrantes da sigla. A diferença é que o partido comandado por Bivar, antes dotado de poucos recursos, agora dispõe de 199 milhões de reais para utilizar na campanha eleitoral, o que parece ter aguçado os instintos pecaminosos de integrantes da legenda.

Na conversa com o blogueiro, Crispim segue em sua cruzada contra a cúpula do partido. Aparenta ler trechos da denúncia formalizada ao TSE em que ele pede o bloqueio do fundo eleitoral do partido e faz menção a uma empresa de aplicativos que teria sido contratada para desviar recursos públicos. “Olha aqui. Utilização indevida do fundo eleitoral, conhecido como laranjal, na cidade de Canoas e PSL mulher nacional e também das cotas dos negros e pardos. Contratação de empresa de aplicativo com fundo PSL Mulher Nacional, sendo que há aplicativo fornecido pelo Banco do Brasil”, afirma o deputado na gravação.

A confusão não termina aí. Nereu Crispim alega ter sido ameaçado por Luciano Bivar e pelo advogado Rueda na esteira das denúncias. Mais: segundo ele, Bivar e a senadora Soraya Thronicke, também do PSL, induziram sua mulher a entrar com uma medida protetiva na Justiça contra ele. O objetivo seria pressioná-lo a retirar as acusações. “No TSE, tá em segredo, ainda tá. Eu mandei para todo mundo e eles querem que eu tire usando minha esposa. O Daniel (deputado Daniel Silveira, do PSL) ouviu dela e do irmão dela. A Carolina ontem fez uma proposta para eu tirar tudo isso aí e, então, ela tiraria a protetiva”, diz ele.

A Crusoé, Oswaldo Eustáquio confirmou a autenticidade das gravações feitas por ele próprio durante a conversa com Crispim em Florianópolis. O blogueiro conta que o deputado entrou em contato quando estava com “problemas pessoais relacionados à esposa”. Depois disso, apiedou-se da questão privada “complexa” vivenciada pelo parlamentar e prometeu entregar a gravação à Polícia Federal no próximo dia 17, quando irá prestar depoimento.

Para além da oração insólita e da grave denúncia embutida na gravação, o episódio é revelador da confusão sem fim do PSL. O próprio Nereu Crispim até outro dia estava, ao lado da mulher, na trincheira oposta à da turma de Eustáquio. Hoje denunciante de Bivar, o deputado integra a CPI das Fake News e, quando o PSL rachou entre bivaristas e bolsonaristas, aliou-se ao primeiro grupo e municiou as investigações contra os rivais na comissão de inquérito e no Supremo Tribunal Federal. O deputado chegou a pedir, justamente no âmbito da investigação sobre os atos antidemocráticos, a prisão de Sara Winter, amiga de fé do blogueiro — os dois acabaram presos pela Polícia Federal. Desde o rompimento com Caroline, porém, o deputado ensaia uma reaproximação com os bolsonaristas. Até que uma nova crise os separe, evidentemente.

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