RuyGoiaba

George Costanza e a Ferradura de Ouro

30.10.20

Todo mundo já teve na vida um ou mais momentos de esprit de l’escalier. A expressão francesa —“o espírito da escada”, em tradução literal— significa pensar numa boa resposta a um insulto (ou a um argumento) apenas quando já é tarde demais para responder. Consta que o termo foi cunhado por Denis Diderot, o enciclopedista, depois de um jantar na casa do banqueiro Jacques Necker: alguém disse algo a Diderot, ele não soube como rebater e só atinou com a resposta quando estava saindo da casa de Necker, já nas escadas.

Há um episódio de “Seinfeld” (melhor série, e quem discordar está errado) que exemplifica perfeitamente o esprit de l’escalier. George Costanza —alter ego de Larry David, um dos criadores da série— está se entupindo de camarão numa reunião quando um colega de trabalho lhe diz: “Ei, George, o oceano acabou de ligar. Ele está ficando sem camarão”. Sem reação, George só consegue pensar em uma resposta muito depois. Acaba dirigindo mais de 400 km de Nova York até Akron, Ohio, só para se encontrar com o agora ex-colega e finalmente lhe dizer “ah, é? A loja de babacas ligou. Eles estão ficando sem você!” (ao que o ex-colega retruca, no ato: “Qual é a diferença? Você é o campeão de vendas deles”).

Fiz esse preâmbulo para falar do PIOR caso de esprit de l’escalier de todos os tempos, com o qual fomos presenteados nesta semana por Ricardo Salles. No dia 24, Rodrigo Maia escreveu no Twitter que, “não satisfeito em destruir o meio ambiente do Brasil”, o ministro (que tinha acabado de chamar o general Luiz Eduardo Ramos, colega de ministério, de “Maria Fofoca”) resolvera “destruir o próprio governo”. Quatro longos dias depois, Salles respondeu chamando o presidente da Câmara de “Nhonho” —o garoto gorducho da turma do Chaves.

Não sei o que é mais admirável nisso tudo: a erudição de Salles, ele ter demorado QUATRO dias para aparecer com essa brilhante resposta ou a resposta em si, que envergonharia até os meus colegas mais burrinhos da 5ª série B. Daria para fazer um artigo inteiro sobre o chavismo do governo Bolsonaro —essa mistura de Hugo Chávez com a turma do Chaves— ou sobre a resposta dos bolsonaristas ao “globalismo” (o SBTismo). O ministro ainda tentou alegar que alguém “utilizou indevidamente” sua conta; como a Crusoé mostrou, é provável que esse alguém tenha sido ele mesmo depois de algumas garrafas de vinho em Fernando de Noronha. Foi sem querer querendo: in vino veritas.

Queria fechar a coluna dizendo que Salles é forte candidato à Taça George Costanza de esprit de l’escalier neste ano. Seria injusto, porém, com o personagem de “Seinfeld”, que pelo menos pensou em uma resposta mais elaborada que “Nhonho” e, sem redes sociais, ainda dirigiu centenas de quilômetros para fazê-la chegar ao destinatário. Melhor incluir o ministro na acirrada disputa do Troféu Ferradura de Ouro —embora seja difícil competir com seu chefe, aquele do “não é mais barato investir na cura que na vacina?”.

***

A GOIABICE DA SEMANA

Filho feio não tem pai: depois da incrível ideia de usar o dinheiro dos precatórios para pagar o auxílio emergencial, que não foi de ninguém, Jair Bolsonaro —esse líder firme e decidido— também deu para trás no decreto das unidades básicas de saúde, que chamaram de “privatizar o SUS” (“decreto que muda Constituição” é a nova “mamadeira de piroca” da esquerda). Não gostaram da ideia? Então ela não foi de ninguém, não está mais aqui quem falou, desculpem o mal-entendido.

Basta apertar Bolsonaro para que ele se mostre um marxista da linha Groucho: “Estes são meus princípios. Se você não gostar deles, tenho outros”. Podia também se recusar a integrar um governo que o aceita como presidente.

Ted Allan/MGM-Photo/Wikimedia CommonsTed Allan/MGM-Photo/Wikimedia CommonsGroucho Marx, eterno líder da Freedonia e, disparado, o melhor dos marxistas

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  1. kkkkk e se eu fosse o Nhonhon não ficaria para trás e reponderia groceiris do Salles com a clássica resposta de Popis (" vou conta tudo para sua mãe...") ou melhor, prefiro mil vezes a Chiquinha; ela sim saberia como ridicularizar os idiotas no idioma certo: poiszé poiszé...poiszé. Depois põe o Zé Dircel que fez escola de guerrilha em cuba pata sabar da cara da sociedade ao som de " se você é jovem ainda, jovem ainda amanhã velho será"...

  2. Não se qual comentário postar. Estou sem ideias... Vou pensar num bem inteligente e posto na edição de semana q vem! Kkkkkk

  3. kkkkkkkkknossa.. irretocável, como sempre. Só seguinte.. nhonho, acho q o nhonho entende, mas george constanza.. duvido. Todo caso, deverá ficar agradecido, depois q alguém lhe explicar sobre seinfeld. E, concordo, melhor série.. forévis.

    1. Com esse português lindo, estou começando a desconfiar de que você é mesmo um dos três Patetas...

  4. Racho o bico com a espirituosidade do Sr. Goiaba. De fato: estamos sendo "governados por uma mistura de Hugo Chávez com a turma do Chaves. E nas mãos do Nhonho.

  5. Me fez lembrar de Sérgio Porto e seu insuperável FEBEAPA. E, também, de uma frase dele: “‘In vino veritas’ uma ova. Quanto mais eu bebo, mais distante fico da verdade.”

  6. Goiaba, vamos mesmo criar o Troféu Ferradura de Ouro? Toda semana você apresenta cinco ou dez nomes e a gente vota. Vai ser super divertido!

  7. Um PR, totalmente errático e em todos os sentidos um nada, patético, desqualificado e com familiares corruptos, pode destruir sim um país. Outros, tão idiotas e apátridas quanto, já o fizeram em algumas nações, E a história registra isto claramente. Há como impedir isto? Sim, desde que haja “Homens”, tanto no Poder Legislativo como no Judiciário, com moral e honra para destituí-lo. HOMENS... DECENTES, PATRIOTAS, DIGNOS, HONESTOS e ÍNTEGROS.

    1. O " não é mais barato investir na cura que na vacina" é de lascar o cano.

  8. ótimo! O humor de Ruy Goiaba é sofisticado demais para esse governo que todo dia é uma piada pronta, sem graça de tão indignante

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