MarioSabino

Não faça como o Google

16.10.20

Se você quiser pesquisar na internet reportagens da Crusoé e notas do Antagonista, dificilmente encontrará um link no Google, a menos que digite o nome da revista e o do site. Fomos cancelados das primeiras páginas de busca, mesmo se o conteúdo é exclusivo. Por exemplo, no caso do dinheiro encontrado nas nádegas do senador calipígio, os destaques nas buscas foram para os veículos que nos repercutiram. A reportagem da Crusoé não aparece, nem a referência a ela feita pelo Antagonista, o primeiro a repercutir. O Google deixou de nos achar relevantes. Disseram que é por causa da mudança de algoritmo. Eu desconfio de que existe também o Algoritmo da Silva, mas eles insistem que é teoria conspiratória. Monopólio dá nisso.

O Google pode não nos achar relevantes, cancelar-nos das buscas e cortar parte da nossa audiência, mas milhões de leitores continuam a acompanhar a Crusoé e o Antagonista. Pelo simples motivo de que praticamos um jornalismo destemido e, por isso também, um tantinho diferente. O Antagonista faz no mais das vezes notas curtas e se concentra no minuto a minuto (“o blog de três linhas”, como dizem os bolsonaristas); a Crusoé faz notas e reportagens investigativas longas. Cada um tem também a sua personalidade, mas ambos são complementares.

Estou lambendo as crias, desculpe, é inevitável. Ontem, eu já estava na bicicleta ergométrica a que o médico me obrigou, a coisa mais chata do mundo, quando Rodrigo Rangel, diretor da Crusoé, me ligou. “O país ultrapassou todos os limites: descobrimos que a operação de hoje encontrou dinheiro nas nádegas do senador Chico Rodrigues. E o dinheiro estava literalmente sujo”, disse Rangel. Faltava confirmar com uma terceira fonte, mas era batom na cueca, expressão que passou a ser elegante depois do ocorrido ontem. Com mais essa notícia exclusiva, em uma semana a Crusoé conseguiu um hat trick: além de ter colocado a nu o senador corrupto, revelou o plágio de Kassio Marques, indicado por Jair Bolsonaro para o STF, e o fato de o traficante André do Rap, libertado por Marco Aurélio Mello, ser cliente de um advogado que foi assessor do ministro.

Depois de desligar o telefone, senti orgulho de pai e tristeza de avô. Orgulho, obviamente, do trabalho magnífico que Rangel e sua equipe vêm realizando. Com apenas dois anos e meio de existência, a revista adquiriu feição própria. É a única publicação brasileira, ouso dizer, que fiscaliza de verdade os tribunais superiores, como demostram as várias reportagens que estão no nosso arquivo (e uma delas foi censurada e me levou a ter de me apresentar à polícia). Medo é sentimento que não existe na Crusoé ou no Antagonista.

Agora o cansaço de avô. Eu estava na bicicleta ergométrica, como disse, e ao desligar o telefone me dei conta de que a minha vida como cidadão brasileiro é, ela também, uma bicicleta ergométrica. Por mais que pedalemos, não saímos do lugar. Um senador da República com dinheiro roubado do combate à Covid-19 enfiado na bunda (da mesma forma que Hebe Camargo afirmou quando tentaram censurá-la, tenho idade suficiente para dizer “bunda”) é cena de uma abjeção absoluta. Posso imaginar o constrangimento e o nojo dos policiais que fizeram o sujeito abaixar a cueca. Sou solidário a eles. E, talvez como esses policiais, fiquei com vontade de dar vazão aos meus instintos primitivos.

É muito roubo, muito dinheiro em espécie escondido (agora até em bunda suja), muita lavagem, muito descaramento, muita jurisprudência de ocasião… Há 36 anos como jornalista e 58 como cidadão brasileiro, pedalo sem chegar a lugar nenhum. Pedalamos. Às vezes até parece que a coisa está andando, mas tudo não passa de movimento falso, assim como as paisagens que aparecem nas janelas dos carros em filmes. Tal é o meu cansaço de avô. Vou continuar pedalando porque essa moçada da Crusoé e do Antagonista é, felizmente, animada. Você também deveria ter orgulho dela, mesmo no seu cansaço de avô. Não precisa concordar com tudo que publicam, claro, mas reconheça a relevância do trabalho do pessoal. Não faça como o Google. Chegará o dia em que a bicicleta vai deixar de ser ergométrica.

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