FelipeMoura Brasil

O ‘conservador’ da impunidade

09.10.20

É bem mais desafiador dizer verdades publicamente quando não é popular dizê-las.

Agora que Jair Bolsonaro confessou ter acabado com a Lava Jato; que Renan Calheiros o aplaudiu pelo “desmonte desse sistema”, citando etapas do processo, como a transferência do Coaf ao Banco Central e a nomeação de Augusto Aras à PGR; que o presidente da República abraçou Dias Toffoli e comeu pizza na casa do homem do PT no STF para celebrar a indicação de mais um antilavajatista ao Supremo (Kassio Marques); e que chegaram aos primeiros lugares dos trend topics as hashtags #DeixaOToffoliTeLeitar, #BolsonaroTraidor, #DerreteBolsonaro, #JairCalheirosBolsonaro e#BolsonaroCriaturaDoPântano, qualquer oportunista dos grupos de marketing do bolsonarismo pode juntar frases de efeito no teleprompter e posar de comentarista independente, afetando preocupação antes de voltar a passar pano.

De dezembro de 2018, quando veio à tona a movimentação bancária atípica de Fabrício Queiroz, até o “jogo do Palmeiras” alegadamente assistido por Bolsonaro, Toffoli e Davi Alcolumbre, já que Aras e o advogado Kakay alegaram ter saído mais cedo do convescote de sábado, o buraco era muito mais embaixo. Nem os 2,7 milhões de reais em dinheiro vivo usados por Flávio Bolsonaro, segundo o MP do Rio, nem a notícia da Crusoé sobre os 89 mil reais depositados por Queiroz e sua mulher na conta de Michelle diminuíram os ataques mentirosos bolsonaristas contra quem apontou criticamente, entre outras, cada etapa citada elogiosamente por Renan – o senador do velho establishment que chegou a ser alvo de 18 inquéritos ao mesmo tempo.

No século 18, aliás, tampouco era popular fazer determinados alertas necessários.

O irlandês Edmund Burke (1729-1797), pai do conservadorismo, “anteviu a Revolução Americana e foi incapaz de evitar sua chegada. Vaticinou que a Irlanda seguiria o rumo da América do Norte, caso não fossem feitas reformas imediatamente – e assim fez a Irlanda. Profetizou que a Revolução Francesa despedaçaria a Europa, pedaço a pedaço, até ser subjugada pela força e por um mestre – e isso também veio a acontecer. O otimismo presunçoso do Iluminismo não o infectou”, escreveu Russell Kirk na biografia intelectual Redescobrindo um Gênio, de 1967. “Porque a corrupção e o fanatismo assaltam nossa era tão dolorosamente quanto na época de Burke, a ressonância de sua voz ainda pode ser ouvida”, completou o autor conservador americano.

Em suas Reflexões sobre a Revolução em França, o próprio Burke usou a expressão “multidão suína” para “denotar as classes irracionais e incultas”, como explicou o professor britânico James T. Boulton (1924-2013), “os elementos irresponsáveis da sociedade cuja falta de envolvimento ao sustentar a herança cultural os levaria a destruí-la”. No Brasil assaltado pela corrupção e pelo fanatismo (com guilhotina virtual), a “multidão suína” que ainda confia na família Bolsonaro passou a ser chamada na internet de “gado” mesmo. A irracionalidade e a incultura dessas classes é alimentada pelas emissoras de rádio e TV financiadas ou controladas pelo governo.

Em artigo recente, publicado no portal do Instituto para o Diálogo Estratégico (ISD, na sigla em inglês), sediado em Londres, Garvan Walshe descreveu a instrumentalização da imprensa pelos nacionais-populistas que também chegaram ao poder na Europa:

Na Hungria e na Polônia, eles transformaram emissoras públicas independentes em porta-vozes do governo. Na Itália, programas críticos foram retirados do ar (…). Mas eles não pararam na TV pública. Na Hungria, onde o processo é mais avançado, a esmagadora maioria dos meios de comunicação privados também segue a linha do governo, embora a mídia independente, para descontentamento dele, continue a atrair audiências fortes. (…) A Polônia também mantém fortes jornais e TV independentes, mas os últimos são de propriedade estrangeira, e porta-vozes do partido Lei e Justiça de vez em quando sugerem repolonizar a imprensa.

A tomada do controle da mídia tem uma função dupla. Obviamente, muda o conteúdo que as pessoas recebem, eliminando a cobertura hostil e promovendo material pró-populista e pró-governo. Um segundo efeito é mais insidioso. Ela elimina opções de carreira para jornalistas de mentalidade independente. Com efeito ainda maior do que as mudanças nos mercados de mídia, reduz a mão de obra disponível para investigar a corrupção, cobrar responsabilidades do governo e cobrir outros temas de interesse público. Esta é apenas uma área em que governos nacionais-populistas usam o poder econômico do estado como empregador para consolidar o controle político.”

Até a EBC, estatal que Jair Bolsonaro prometeu privatizar, foi mantida, empregando o ex-diretor da TV do sogro do ministro da Propaganda. O presidente radical do Centrão, que trocou o populismo reacionário desgovernado de 2019 pelo populismo bolsolulista de 2020 com apoios comprados, depende de esmolas, escambos e microfones de aluguel promovendo material pró-populista e pró-governo para acobertar “a frente ampla pela impunidade” (título de artigo de 11 meses atrás nesta coluna) que Luiz Fux tenta conter como presidente do STF, movendo ações penais das turmas para o plenário da Corte.

No Twitter, o berrante já perdeu a força.

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