Pedro Ladeira/Folhapress

Flávio, o presidente honorário

O poder do filho 01 de Jair Bolsonaro, que, investigado, tem sido incumbido pelo pai de tocar negociações importantes de bastidores
09.10.20

Vereador há duas décadas, Carlos Bolsonaro despontou como o primeiro entre os filhos do presidente da República a se aventurar no cenário eleitoral, mas foi Flávio Bolsonaro quem se tornou a versão mais política do clã. Após 16 anos como deputado estadual do Rio, o 01 da prole do presidente desembarcou na capital federal em 2019 para cumprir o mandato de senador e, em pouco tempo, assumiu um segundo papel: o de emissário do Palácio do Planalto. Pelo crivo dele, passam nomes que almejam chegar aos mais altos cargos do Judiciário e do Executivo, pedidos de liberação de emendas parlamentares, sugestões e reclamações. Flávio virou uma espécie de “presidente honorário”. Se não é o mandatário de fato e de direito, ele é quem recebe do presidente as missões mais delicadas, das quais poucos podem se incumbir. Nos gabinetes e em outros recantos de Brasília, o 01 age e fala em nome do 01 do país.

São inúmeros os episódios que atestam a influência de Flávio Bolsonaro. O mais recente deles foi a indicação do desembargador piauiense Kassio Marques para a vaga de Celso de Mello no Supremo Tribunal Federal, que se concretizou na última sexta-feira, 2, apesar dos protestos da estridente ala ideológica do governo e da decepção de militares. A Bolsonaro, Flávio argumentou que o desembargador deveria ser designado ao posto por ser novo, discreto, próximo à família e bem articulado no meio jurídico.

A opção de Jair Bolsonaro por um nome ligado a Flávio para o Judiciário não foi inédita. Como mostrou Crusoé em setembro, o presidente designou Vitor Marcelo Aranha, terceiro colocado na lista tríplice, para integrar o Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro. Antes de chegar à corte, o magistrado recém-empossado trabalhou como professor no curso preparatório de direito do senador. Há dois anos, Vitor havia concorrido à presidência da seccional fluminense da Ordem dos Advogados do Brasil, com o apoio expresso do 01, mas foi derrotado.

Claro que as indicações de apadrinhados para ocupar postos chave do Judiciário embutem a intenção de Flávio de ficar como credor em praças onde ele poderá cobrar a fatura mais adiante. Por exemplo, a própria participação de Flávio na escolha de Kassio Marques, que ainda depende da chancela do Senado para ser oficializado ministro, pode lhe gerar dividendos políticos. No Supremo, Kassio deve atuar em julgamentos que envolvem justamente o filho 01 do presidente.

Adriano Machado/CrusoéAdriano Machado/CrusoéCom Alcolumbre, em conversa ao pé do ouvido: o 01 fala pelo Planalto
Designado por Bolsonaro, Flávio também apareceu nos negócios entre Frederick Wassef e um alto executivo da Triunfo, uma das sócias da concessionária de Viracopos. Ele estava na casa do ex-advogado da família Bolsonaro em novembro de 2019, quando as tratativas estavam em fase inicial. Wassef foi contratado por 5 milhões de reais para prestar “consultoria jurídica e estratégica” à empresa, que travava uma disputa com o governo desde 2012 para reequilibrar o valor do contrato, alegando que só recebeu 20% da área prevista e sofreu com a redução de 80% na tarifa de carga, sua principal fonte de receita. Três meses após o acerto, a companhia fechou um acordo com a Agência Nacional de Aviação Civil, a Anac, para devolver a concessão para nova licitação, mediante o pagamento de indenização. O decreto autorizando o processo foi assinado por Bolsonaro em julho deste ano.

Na articulação política, Flávio demonstra outra faceta desenvolta.O senador tem se aproximado até mesmo de Felipe Santa Cruz, desafeto público do pai. Dias atrás, o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil chegou a enviar ao senador uma mensagem com elogios à indicação de Kassio Marques ao Supremo. A resposta foi com bandeirinhas do Brasil. O gesto surpreendeu pela dureza dos embates pretéritos entre Santa Cruz e o clã bolsonarista. Há pouco mais de um ano, em uma das discussões mais duras, o presidente da República afirmou que “um dia” contaria ao advogado como o pai dele, o jurista Fernando Augusto de Santa Cruz Oliveira, desapareceu na ditadura militar. Mas do mesmo modo que se curvou ao Centrão, a setores do STF e ao establishment que sempre jurou combater, Bolsonaro não teria constrangimentos em estender bandeira branca ao presidente da OAB. Em nome da conveniência política, o escalado para fazer o meio de campo que antecede a conciliação entre ambos foi Flávio.

No parlamento, discreto em frente às câmeras da TV Senado, com raros pronunciamentos em plenário, Flávio também se destaca nos bastidores da casa. Não raro, está rodeado de senadores do Centrão — seu partido, o Republicanos, é um dos principais elos do governo com a bancada evangélica e com o bloco fisiológico –, conversando em volume baixo ou mesmo ao pé de ouvido. Quando Jair Bolsonaro ainda não tinha uma base aliada sólida no Congresso, era Flávio quem transitava com maior facilidade entre os parlamentares anti-Lava Jato.

Apesar de compartilhar das bandeiras conservadoras do pai, como o armamentismo e a pauta antiaborto, o senador, avaliam colegas, mostra-se mais aberto ao diálogo com a oposição, assim como Davi Alcolumbre, que conseguiu obter apoio do PT e PDT à sua reeleição. “Quem é da oposição dificilmente consegue despachar diretamente com o governo”, comenta um senador das hostes oposicionistas, segundo o qual Flávio ajuda a fazer a ponte com o Planalto. Em meio ao arrocho fiscal provocado pela pandemia do novo coronavírus, dizem senadores e deputados, Flávio ajuda a liberar emendas, teoricamente usadas para custear obras e realizar investimentos em saúde e educação, por exemplo. Crusoé apurou que, recentemente, um parlamentar bolsonarista esteve com o ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, para tentar garantir o empenho de recursos para uma estrada no Maranhão, via Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba, Codevasf. Ouviu de Marinho, no entanto, que a verba estava contingenciada e, por isso, a forma mais fácil de conseguir a liberação seria por meio de Flávio.

Mateus Bonomi/Agif/FolhapressMateus Bonomi/Agif/FolhapressA família acima de tudo: a prioridade de Jair Bolsonaro é proteger o filho
Da mesma forma que acumula créditos no Judiciário ao atuar em favor de nomes designados para ocupar assentos estratégicos em tribunais superiores, o primogênito do presidente também acaba blindado no Congresso ao facilitar a liberação de recursos a parlamentares de todas as colorações partidárias. No Senado, a proposta de Randolfe Rodrigues de instalar uma CPI para investigar o esquema de rachid operado no gabinete de Flávio na Alerj jamais prosperou.

Além da assinatura de pelo menos 27 dos 81 senadores, para que a comissão de inquérito seja criada é necessária a aprovação do presidente da casa, Davi Alcolumbre, o que, a julgar pela sintonia fina entre Alcolumbre e Flávio nos últimos tempos, é algo praticamente impossível. Nos bastidores, Flávio é um dos articuladores do plano de reeleição de Alcolumbre. A presença do 01 em reuniões reservadas para tratar do tema é interpretada como a bênção do Planalto para que o presidente do Senado seja reconduzido ao cargo.

Fora do Salão Azul, o senador se empenha para recuperar o espaço político da família em sua base eleitoral, o Rio de Janeiro. Com Wilson Witzel fora de cena, ao menos por ora, a relação entre o clã Bolsonaro e o Palácio das Laranjeiras voltou a aparentar solidez. Logo que assumiu como governador interino fluminense, Cláudio Castro informou ter recebido uma ligação de Flávio, que, segundo ele, “se pôs à disposição para renovar o regime de recuperação fiscal do estado”. Cerca de duas semanas depois do afago nas redes sociais, Castro compareceu a uma homenagem do Corpo de Bombeiros a Flávio, na capital fluminense. No local, condecorou o senador com uma Medalha Mérito Avante Bombeiro.

A aproximação com o governo do Rio não poderia ocorrer em melhor hora. Na última quinta-feira, 1º, foram oficializadas as cinco candidaturas ao cargo de procurador-geral de Justiça, posto mais alto do Ministério Público estadual, responsável pela investigação do “rachid” na Alerj. Um dos concorrentes é o procurador Marcelo Rocha Monteiro, apoiador do Planalto. Nas redes sociais, ele exibe fotos ao lado de Flávio. A votação ocorrerá em 11 de dezembro. O substituto de Eduardo Gussem será nomeado pelo governador Cláudio Castro a partir de uma lista tríplice e começa a atuar no órgão em 2021.

Em meio ao protagonismo do 01, de aliados do Planalto a integrantes da oposição, todos são categóricos ao dizer que boa parte das decisões de Bolsonaro giram em torno das angústias, necessidades e opiniões de seu filho mais velho. Desde o início do governo, Bolsonaro se move quase que exclusivamente para salvar Flávio — e, consequentemente, ele próprio — do cadafalso. Foi para salvaguardar 01 e sobreviver politicamente, evitando o impeachment, que o presidente entregou o governo para o Centrão, escanteou os ideológicos que o elegeram, chutou Sergio Moro da Justiça, boicotou a Lava Jato – ou acabou com ela, segundo palavras dele próprio – e virou unha e carne dos presidentes de poderes que sempre criticou. Se a família paira sobre tudo, Flávio parece estar acima de todos.

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