Casa BrancaO presidente americano está sete pontos percentuais atrás de Biden

Trump versus Trump

As debilidades de Joe Biden e o show de horrores do primeiro debate mostram que o não menos problemático Donald Trump está perdendo a eleição para si próprio
02.10.20

A trinta dias da eleição, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, precisa correr para reduzir a diferença de sete pontos percentuais que o separa do candidato democrata Joe Biden, à frente nas pesquisas. Para ter boas chances no Colégio Eleitoral, o órgão formado por delegados de vários estados que chancela quem será o próximo presidente, Trump também necessita melhorar sua posição entre os eleitores mais moderados que podem decidir a disputa em diversos estados-pêndulo. Outro objetivo deve ser o de melhorar sua posição entre as mulheres, as que mais reprovam as atitudes grosseiras do atual presidente.

No primeiro debate que ocorreu na terça, 29, Trump ignorou o fato de que está atrás nas pesquisas de opinião e precisa expandir sua base. Suas declarações empolgaram os eleitores mais fiéis, mas afastaram todos os demais. Indagado se condenaria a ação do grupo de supremacistas brancos Proud Boys, Trump se dirigiu diretamente a eles e pediu: “Recuem e aguardem”. Entre os membros desse grupo violento e com ideias misóginas, racistas, antissemitas e islamofóbicas, a fala foi comemorada como um momento histórico que impulsionou adesões. Mas a impostura caiu mal até entre republicanos do primeiro time, que pediram uma retratação. O líder da maioria republicana no Senado, Mitch McConnell, afirmou que é “inaceitável não condenar os supremacistas brancos”. Trump depois saiu dizendo que não conhecia o grupo, mas o estrago já tinha sido feito.

Outro comentário que incomodou os moderados e os congressistas republicanos foi sua frase sobre a lisura do processo eleitoral. “Isso vai ser uma fraude como nunca aconteceu”, disse o presidente. Trump já vinha dizendo reiteradamente que não confia na votação pelo correio e afirmou que cédulas estão sendo enviadas mesmo sem as pessoas pedirem, sem apresentar provas. Na noite da terça, 29, ele também voltou a dizer que a decisão sobre o vencedor da eleição iria parar na Suprema Corte, que teria de examinar as cédulas. “Podemos não saber o resultado por meses.”

DivulgaçãoDivulgaçãoNo primeiro debate, Donald Trump interrompeu Joe Biden 73 vezes
Na democracia mais consolidada do mundo, que em novembro escolherá seu 46º presidente em consultas que ocorreram sem interrupções, a insistência de um mandatário em colocar em dúvida o processo eleitoral é nefasta. O impacto mais direto até agora tem sido o de convencer republicanos a não votar pelo correio, prática que já começou em 30 dos 50 estados americanos. Para além disso, periga ser um tiro no pé: em meio à pandemia, com muita gente temendo sair de casa para votar em 3 de novembro, eleitores do próprio Trump podem deixar de enviar seus votos. “A retórica de Trump sobre o voto pelo correio está afetando o comportamento dos eleitores republicanos. No passado, eles eram os que mais adotavam essa modalidade. Desta vez, estão menos propensos a pedir as cédulas e enviá-las antes da eleição”, diz o cientista político Michael McDonald, que estuda o voto pelo correio na Universidade da Flórida.

Ao atuar sem freios e sem estratégia, Trump acabou levando os telespectadores a desligarem seus aparelhos antes do final do debate. Quando Biden falava de seu filho Beau, que lutou no Iraque e morreu com um tumor cerebral, Trump desviou o assunto para dizer que Hunter, outro filho de Biden, teve problemas com cocaína. Trump também disse que ele foi demitido de maneira desonrosa do Exército, o que não é verdade. O presidente ainda precisou dar explicações sobre as revelações do jornal The New York Times de que ele pagou apenas 750 dólares em impostos federais em 2016 e em 2017. Dos 15 anos anteriores à posse, ele só pagou impostos federais em dez. Para reduzir sua parcela a pagar, Trump declarou sua filha Ivanka como consultora, apesar de ela ter um cargo remunerado na sua empresa. Em resposta à reportagem, que, como de praxe, tachou de “fake news”, ele disse que pagou milhões em impostos, mas não apresentou documentos. Depois, Trump admitiu que fugia das taxas ao máximo. “Eu não quero pagar impostos. Antes de me tornar presidente, eu era um empresário do setor privado. Como qualquer pessoa do setor privado, a menos que você seja um estúpido, você trabalha em função das leis (fiscais)”, disse.

DivulgaçãoDivulgaçãoBiden em campanha: 94% dos americanos já decidiram em quem votar
Ao longo de uma hora e meia de debate, Trump interrompeu o seu adversário 73 vezes. Chamou Biden de “burro” e “fraco”. Ouviu de volta que é um “palhaço”, “mentiroso”, “racista” e “idiota” – a certa altura, teve até um “cala a boca” da parte do democrata. Os erros de Biden foram muitos. Ele se esquivou de dizer se pretende aumentar o número de juízes na Suprema Corte, não se mostrou decidido em relação a acabar com os protestos violentos e perdeu o raciocínio algumas vezes — com Trump fazendo o possível para que isso acontecesse. Propostas e ideias praticamente não foram discutidas.

Nas horas seguintes, os principais comentários sobre o debate giravam em torno do número de interrupções de Trump e da baixaria do bate-boca. Ante a repulsa generalizada, o presidente candidato à reeleição perdeu uma boa chance de conquistar os eleitores que estão lhe faltando num momento que os números indicam estabilidade. A aprovação de Trump, um forte indicador de quantos votos ele poderá ter, tem oscilado entre 41% e 45%. Segundo a última pesquisa da Universidade Quinnipiac, feita no final de setembro, 94% dos eleitores já decidiram em quem vão votar, o que reduz a possibilidade de surpresas nas próximas semanas. “Biden está à frente e joga parado. No debate, tudo o que tinha de fazer era não errar”, diz Carlos Gustavo Poggio, professor de relações internacionais na Faap. Diante de um oponente hesitante e sem o tino de outros figurões democratas que já estiveram do lado oposto do ringue, é incontornável a constatação de que Trump está perdendo para si mesmo.

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