RuyGoiaba

O Brasil em uma casca de noz

25.09.20

Quando o físico Stephen Hawking lançou seu livro The Universe in a Nutshell —algo como “o Universo resumido” em português—, os responsáveis pela edição brasileira acharam por bem traduzir literalmente o título, como “O Universo numa Casca de Noz”. Vá lá, fazia sentido: a capa original da obra mostrava justamente um Universo dentro da casca de uma noz, e a ligação do título com a citação de “Hamlet” feita pelo físico ficava mais clara (“Eu poderia estar recluso numa casca de noz e me considerar rei do espaço infinito”).

Quatro histórias da semana que passou são, para mim, o que os jovens das redes sociais chamariam hoje de “suquinho concentrado de Brasil”. São o Bananão numa casca de noz — tanto porque resumem o que é ser brasileiro nestes tempos como porque o Brasil da pandemia tem sido essa coisa apertada, sufocante e difícil de abrir como uma noz particularmente dura. (A solução óbvia é trocar o quebra-nozes por uma marreta gigante e pulverizar o país de uma vez, jogar fora o bebê com a água do banho, devolver tudo para os índios e pegar os espelhinhos de volta. Mas vocês não me levam a sério mesmo, paciência.)

Vamos, então, à brasilidade in a nutshell:

– Aglomera, meu amor, aglomera

“Vamos fazer uma reunião para discutir a volta das torcidas aos estádios?”, perguntam os dirigentes do futebol brasileiro. “Opa, vamos. Que saudade da torcida enchendo os estádios! Passou da hora de voltarem.” “E onde vai ser a reunião?” “Ah, melhor por videoconferência. Com essa pandemia aí, não convém arriscar.” E depois ainda fazem piada com os patrícios do Cristiano Ronaldo.

(Os cartolas pelo menos podiam disfarçar um pouquinho o fato de não estarem nem aí para a torcida se aglomerando e morrendo de Covid-19. E, pior ainda, morrendo para ver essas peladas sórdidas que são as partidas do Brasileirão.)

– Me dá um dinheiro aí

A chamada “ala ideológica” de apoio ao governo Bolsonaro — esse eufemismo para se referir aos olavetes — anda em polvorosa nas redes nos últimos dias, vendo comunistas embaixo da cama ainda mais que o habitual. O ministro da Educação, por exemplo, é comunista porque recebeu Tabata Amaral em seu gabinete. O ministro da Saúde também é comunista porque reeditou a portaria sobre o aborto legal. Até o próprio Mito, segundo o Guru da Virgínia, tem servido de fachada direitista para um governo que é o quê? Isso mesmo, comunistaço, naquele esquema melancia (“verde e amarelo por fora e vermelho por dentro”).

Seria mais honesto se essa turma só dissesse “me dá um dinheiro aí pra eu continuar a apoiar vocês”, mas já sabemos que honestidade não paga as contas deles. Quem mandou chegar agora e querer sentar na janelinha do Centrão?

– A inteligência militar em ação

Foi uma semana muito ilustrativa do que vai por dentro das mentes privilegiadas dos mais altos escalões das Forças Armadas brazucas. Tivemos o general Mourão descobrindo que os dados sobre as queimadas são públicos, o general Heleno ameaçando retaliar países que boicotarem o Brasil (vou fazer minha parte NÃO comprando um Porsche zero. Toma essa, Alemanha!) e o general Ramos louvando os poderes do presidente de fazer chover logo depois de visitar Mato Grosso — Jair Bolsonaro, esse mix de Paulo Coelho e Cacique Cobra Coral.

Ainda bem que a inteligência militar brasileira geralmente é empregada em pintar meio-fio e passar cal no tronco de árvores. Se um dia a Guiana resolver invadir o Bananão, estaremos mais lascados que a tropa do Sargento Pincel.

– A “brasilidade positiva”

Logo depois de mais um bestialógico de Bolsonaro na Assembleia-Geral da ONU, voltou a circular nas redes o vídeo de Gilberto Gil tocando “Toda Menina Baiana” em 2003 nas Nações Unidas, acompanhado pela percussão de Kofi Annan (raro momento em que o cargo de secretário-geral da ONU mostrou alguma utilidade). O vídeo era acompanhado de comentários na linha “é isso que nós somos”.

Lamento informar à turma da “brasilidade positiva” que nós, o Brasil, também somos Bolsonaro passando vergonha perante o mundo — afinal, não foi de extraterrestres que ele recebeu mais de 57 milhões de votos. Milícia, rachadinha e outras bossas são nossas coisas, são coisas nossas. Ignorância, burrice, brutalidade, incompetência, Amazônia e Pantanal queimando, fanatismo religioso e político, Centrão, corrupçãozinha, corrupçãozona, linchamentos virtuais e reais: tudo coisa nossa. Ah-ah-ah-ah, que Deus deu, ô-ô-ô, que Deus dá.

(Já dizia aquela sábia comunidade do finado Orkut: se o Ben e o Mao existem, você pode escolher. O pessoal insiste no caminho do Mao, agora aguente.)

***

A GOIABICE DA SEMANA

A melhor cena da última semana, sem dúvida nenhuma, foi Paulo Guedes sendo “escoltado” para fora de uma entrevista coletiva por Ricardo Barros e por Luiz Eduardo Ramos antes que corresse o risco de dizer alguma coisa inconveniente. E ainda dizendo aos repórteres “agora tem articulação política!” antes de ser interrompido de novo pelo general Ramos (“vamos trabalhar”). Na próxima, acho que vão deixar de cerimônia e levar logo o ministro na camisa de força.

“Já ficou bastante aqui fora, ministro. Hora de voltar para a cela acolchoada.”
 

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