Pedro Ladeira/Folhapress"Falta respeito do deputado Rodrigo Maia, que se julga o imperador, e é apenas presidente da Câmara"

‘O balcão está de pé’

O senador Álvaro Dias critica a relação do governo Bolsonaro com os outros poderes e diz que a CPI da Lava Toga é crucial para arejar os tribunais
18.09.20

Há mais de três anos, o Senado aprovou uma proposta de emenda à Constituição que praticamente extingue o foro privilegiado. O texto reduz de 55 mil para cinco o total de autoridades beneficiadas pelo direito de serem processadas no Supremo Tribunal Federal, algo que há tempos é sinônimo de impunidade no Brasil. O texto passou por todas as comissões e está pronto para ser votada no plenário da Câmara dos Deputados, mas por ora dormita na gaveta de Rodrigo Maia. Álvaro Dias, o autor da proposta, conta minuciosamente o tempo transcorrido desde o último andamento. “Faz exatos 1.196 dias”, dizia ele na última segunda-feira. Recentemente, juntamente com colegas do grupo Muda Senado, o senador do Podemos assinou um manifesto para cobrar que Maia leve o tema a plenário – a pandemia é uma das justificativas para adiar o debate, mas pressões que vêm dos três Poderes têm contribuído para a decisão de postergar indefinidamente a votação. “Falta respeito do deputado Rodrigo Maia, que se julga o imperador, mas é apenas presidente da Câmara. É um projeto da maior importância”, afirma o senador.

Nesta entrevista a Crusoé, Álvaro Dias defende ainda a votação de outra PEC, a da Segunda Instância, e a abertura da CPI da Lava Toga, que para ele seria importante para modernizar as engrenagens do Poder Judiciário e mudar, por exemplo, a forma de escolha de ministros de tribunais superiores. “Sugiro a substituição da intervenção política pela meritocracia.” O senador diz que a comissão poderia ser um bom lugar para se investigar suspeitas como as que a Lava Jato reuniu sobre o ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, conforme mostrou a última edição de Crusoé. Sobre o clima de acordão reinante em Brasília, o parlamentar paranaense, que chegou a disputar o Palácio do Planalto em 2018, critica Jair Bolsonaro. “O que se pregou é que teríamos uma relação republicana entre os poderes, mas os velhos hábitos e as práticas antigas sobrevivem com muita força. O balcão está de pé”, dispara.

A PEC do fim do foro privilegiado, de sua autoria, foi aprovada pelo Senado em 2017 e, desde então, está na Câmara. O que falta para que o texto seja votado?
Em primeiro lugar, falta respeito do deputado Rodrigo Maia, que se julga o imperador, e é apenas presidente da Câmara. O projeto foi aprovado pelo Senado faz exatos 1.196 dias. É um projeto da maior importância. A matéria foi alvo de debate no próprio Supremo. O Legislativo não cumpriu seu papel até este momento. O desrespeito é mais deplorável ainda com relação à sociedade, já que mais de 90% dos brasileiros desejam o fim do foro privilegiado. Mais do que isso, desejam o fim dos privilégios das autoridades e esse é o maior deles, o mais emblemático. Não existe em nenhum lugar do mundo nada que se aproxime desse privilégio concedido a mais de 55 mil autoridades no Brasil. Não podemos responsabilizar partidos, deputados. Só nos cabe responsabilizar o presidente da Câmara. Nesse sistema presidencialista que vigora no Congresso, o presidente da Câmara tem total autonomia para deliberar, para pautar ou não pautar.

De onde vêm as resistências contrárias ao fim do foro?
O Antagonista revelou recentemente que a pressão para não pautar vem do Judiciário. Isso chega a ser inacreditável. É o Judiciário abraçado ao retrocesso na legislação do país. A existência do foro é um atraso, uma vez que o mundo todo evolui em matéria da legislação e o fim do foro seria um salto civilizatório. Seria um passo decisivo rumo a uma nova Justiça no país, com o cumprimento do artigo 5º da Constituição, onde está escrito que somos todos iguais perante a lei.

E qual seria a saída diante da resistência de setores do Judiciário? Realizar antes a CPI da Lava Toga?
Não há por que condicionar uma coisa à outra. Temos que fazer a leitura correta do que é a prioridade para o país e para a sociedade. Não há nenhuma dúvida de que hoje, em uma relação de prioridades dos brasileiros com relação à atuação do Congresso, esse projeto e a PEC da Segunda Instância são os mais aguardados. E a prisão após condenação em segunda instância agora cabe ao Congresso, já que o Supremo voltou atrás em uma jurisprudência que avançava.

Na semana passada, Crusoé mostrou detalhes de uma investigação sobre o relacionamento do ministro Dias Toffoli, do Supremo, com empreiteiras, como a Odebrecht. Como fica a CPI da Lava Toga diante de casos como esse?
Tudo está em compasso de espera até o retorno à normalidade das atividades do Congresso. Esse sistema remoto de votação tem limitações para avanços dessa natureza. O que se defendia antes era uma CPI que abordaria questões pontuais do campo da investigação e trataria de propor alternativas de reforma do Judiciário, especialmente no que se refere ao modelo de escolha de ministros de tribunais superiores. Uma CPI seria um bom palco para esse debate.

Eduardo Anizelli/FolhapressEduardo Anizelli/Folhapress“As eleições, que eram vistas como uma grande esperança, acabaram se constituindo em caminhos de atraso”
O sr. é favorável à CPI?
Sim. Creio que seria algo positivo. Se há denúncias, elas devem ser esclarecidas. Obviamente, o ideal é que a investigação se faça por intermédio do Ministério Público. Uma CPI tem como finalidade central convocar o Ministério Público para a instauração de procedimentos de investigação quando há denúncias. Nesse aspecto, a CPI seria importante, além da questão propositiva. Seria o lugar adequado. Outras CPIs foram fundamentais para propor mudanças na legislação.

Como deveria ser a escolha de ministros de tribunais superiores?
O modelo de escolha de ministros de tribunais superiores seria certamente peça importante da parte propositiva da CPI. Eu defendo a substituição da intervenção política pela meritocracia. A própria magistratura faria uma lista e caberia ao presidente da República encaminhar para sabatina no Senado. Defendo ainda a fixação de mandatos, a exemplo do que ocorre em outros países. Há sugestões de períodos de oito, dez anos, por exemplo, mas essa é uma questão a se discutir. No meu entendimento, é preciso colocar como critério essencial mérito, conhecimento e competência. Caberia aos próprios magistrados selecionar.

Como avalia os sucessivos ataques à Lava Jato?
O combate à corrupção no Brasil tem uma história escrita com avanços e recuos. Não é recente a existência de golpes contra a Operação Lava Jato. Acompanhamos há um bom tempo sucessivos ataques com objetivo de fragilizar a operação nos três poderes, com recuos, retrocessos, especialmente depois de 2019. As eleições, que eram vistas como uma grande esperança, acabaram se constituindo em caminhos de atraso. O combate à corrupção perdeu força. Até mesmo no período do presidente Michel Temer, com duas denúncias por corrupção apresentadas pela Procuradoria-Geral da República, com ele se defendendo da instauração de procedimentos de impeachment, as instituições agiam com autonomia plena, com independência absoluta, com uma força maior de sustentação à Operação Lava Jato. A fragilização desde a eleição se tornou visível, com alterações na área do Legislativo, como a Lei do Abuso de Autoridade, por exemplo, aprovada com o objetivo de limitar a capacidade de investigar, de denunciar e de julgar. O próprio interesse de avançar na legislação criminal foi corrompido. As dez medidas de combate à corrupção desapareceram. O Supremo, por seis votos a cinco, acabou com a prisão após condenação em segunda instância. São retrocessos imperdoáveis que ocorreram a partir de 2019, na esteira da eleição de 2018. Nós sabemos que há interesses daqueles que desejam a impunidade como regra.

O Congresso deve analisar em breve vetos ao pacote anticrime, que, se derrubados, podem fragilizar ainda mais o combate à corrupção.
A sessão que estava prevista para esta semana para deliberação sobre os vetos foi cancelada, com a justificativa da realização das convenções. Mais uma vez há adiamentos. Já tivemos vários. Nosso posicionamento é pela manutenção desses vetos do pacote. Nós aprovamos o texto no Senado, no final do ano passado, com o compromisso de que os vetos estariam assegurados. À época, não se respeitou o compromisso do veto ao juiz de garantias. O Podemos entrou com uma ação direta de inconstitucionalidade e conseguiu suspender a vigência. Agora, vamos trabalhar pela manutenção desses outros vetos, de pontos que realmente foram alterados por emendas aprovadas na Câmara dos Deputados. Os vetos restabelecem o projeto. Não na sua integralidade, mas reduzem o prejuízo.

Adriano Machado/CrusoéAdriano Machado/Crusoé“Aqueles que se satisfazem com muito pouco podem comemorar. Aqueles que querem realmente mudanças estão inconformados”
Davi Alcolumbre trabalha para ser candidato à reeleição. Ele age corretamente?
Essa tentativa, por si só, depõe contra a instituição, não só desvalorizando o Senado, mas humilhando seus integrantes, como se fossem todos uns incapazes. A Constituição foi sábia ao estabelecer que a alternância é indispensável para evitar que alguém ou um grupo assuma o poder, valendo-se dele para sua perpetuação. A reinterpretação da Constituição pelo Supremo seria vergonhosa, deplorável, um escárnio. Representaria uma afronta aos objetivos essenciais da Constituição, que tem a alternância de poder em seu epicentro. A votação de uma emenda neste momento é um casuísmo escandaloso, que tem que ser repelido com todas as suas forças.

A senadora Rose de Freitas, à época ainda filiada ao seu partido, propôs uma PEC para permitir a reeleição dos presidentes da Câmara e do Senado.
Ela não é mais do Podemos. Foi expulsa do partido. Em um primeiro momento, houve uma suspensão por 90 dias, até que a expulsão tramitasse, cumprindo o processo legal. Ela se antecipou e saiu. De qualquer maneira, é uma proposta que tem que ser repelida.

Na sua avaliação, quais são as chances de a PEC prosperar?
A emenda tem que passar pela Câmara. Creio que lá haverá dificuldades maiores de aprovação, e é preciso quórum qualificado. Os instrumentos de poder que estão sendo utilizados dificultam a alternância. Por isso, é preciso que a legislação assegure o espaço da alternância, especialmente em um sistema presidencialista, já que a recondução é um sistema usado para dar vantagem a quem postula a reeleição.

O sr. pretende se candidatar à Presidência da República novamente em 2022?
O Podemos terá candidato a presidente. Isso é um compromisso inarredável. Nós só temos três anos de existência, mas quem se propõe a oferecer a alternativa de projeto de poder e de nação tem que ter nomes disponíveis. Eu, particularmente, não pretendo concorrer, mas asseguro que o partido terá um nome. Isso dependerá dos filiados. No momento adequado, tudo será resolvido da melhor forma.

Em 2022, o partido vai se contrapor ao governo Bolsonaro? De que forma?
Neste momento, o partido procura contribuir com o governo. Desde o início, anunciamos uma posição de independência e de colaboração com as mudanças prometidas durante a campanha. O objetivo do partido era contribuir para que houvesse uma ruptura com o sistema que foi tão combatido durante a campanha. Continuamos apoiando os projetos do governo que têm interesse público, mas com total liberdade de opinião crítica. Isso é essencial, é a alma da democracia. Não vamos de forma alguma abandonar esse campo da crítica construtiva. O objetivo prioritário do partido continua sendo contribuir para que as coisas deem certo. Nada de “quanto pior, melhor”. Isso não faz parte do nosso ambiente. O que desejamos é o melhor para o país.

O presidente Bolsonaro tem cumprido as promessas de campanha?
Os compromissos essenciais não foram respeitados. Não há reformas, a única que se completou foi a mal-ajambrada reforma da previdência. As outras não aconteceram. O pacote anticrime foi desidratado. Não posso comemorar. Acho que somente aqueles que se satisfazem com muito pouco podem comemorar. Aqueles que querem realmente mudanças estão inconformados. Os que se conformam não promovem mudanças e não escrevem a história. E eu, particularmente, não me conformo com os resultados depois de quase dois anos de gestão. Muito pouco foi realizado diante da expectativa gerada durante a campanha eleitoral. E, francamente, não foi para isso que se pregou mudança no país, principalmente quanto à relação entre poderes. O que se pregou foi que teríamos uma relação republicana entre os poderes, mas os velhos hábitos, as práticas antigas sobrevivem com muita força. O balcão está de pé. E isso obviamente não satisfaz aqueles que desejam mudança. Ainda há tempo, mas já desperdiçamos oportunidades.

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