RuyGoiaba

Parem de ressuscitar os malditos anos 80

10.09.20

A idealização de qualquer década geralmente guarda relação direta com o fato de que a pessoa que idealiza não viveu aquele período. Ou, se viveu, estava chapada demais para lembrar direito —em geral, é o que acontece com os boomers vivos nos anos 60 que até hoje acham aquela época uma maravilha.

No meu caso, isso acontece com os anos 80, aos quais sobrevivi —não sem sequelas, obviamente. No Brasil, passamos metade dessa década sob o general Figueiredo (“quem quiser que não abra eu prendo, arrebento”) e a outra metade sob os bigodes do poeta José Sarney: COMO é possível alguém achar que isso foi bom? Que saudade da inflação galopante e de esperar até três anos para receber telefone depois de comprar, hein? E de ouvir os cliques das maquininhas de remarcar preço no mercado, então? Fora aquela supernovidade que era a Aids.

O pior é que, ultimamente, resolveram ressuscitar pessoas e costumes oitentistas que são ainda piores do que as clássicas atrocidades de vestuário, como ombreiras e pochetes. E não são só as novas gerações, esses “garotinhos juvenis” que nasceram com internet; é gente que, assim como eu, estava viva e consciente (ou talvez nem tanto) naquela época e should know better. Este texto será uma tentativa de listar algumas coisinhas dos anos 80 que voltaram a bombar, naquilo que Cazuza —que hoje talvez ficasse feliz por ter morrido assim que aquela década acabou— chamava de “museu de grandes novidades”.

– Os fiscais do Bolsoney

Como se não bastasse o aumento dos preços do arroz lembrar a época em que o grande vilão da inflação no Brasil era o chuchu —não Geraldo Alckmin, a hortaliça mesmo—, ainda aparece Jair Bolsonaro pedindo “patriotismo” aos donos de supermercado. Ato contínuo, o Ministério da Justiça determina que mercados e produtores se expliquem sobre a alta de preços do produto. Só estão faltando os buttons de fiscal do Bolsoney e as lojas fechadas “em nome do povo brasileiro”. (A inflaçãozona também, mas logo esse governo aí dá um jeito.)

– Os dinossauros do rock nacional, esse celeiro de idiotas

Artista popular, em geral, é bem burrão quando se trata de dar palpite sobre qualquer coisa que não seja a própria arte, mas os brasileiros capricham —e, nesse grupo, têm especial destaque os “roqueiros dos anos 80”. Em vez de morrer, como Cazuza ou Renato Russo, ou se retirar para uma velhice digna no Parque dos Dinossauros, alguns deles continuam fazendo questão de dar OPINIÕES no Twitter, com toda a inteligência e sofisticação que se espera do pensamento deles. Já escrevi aqui sobre o glorioso Roger do Ultraje e, hoje, cito o não menos glorioso Leoni do Kid Abelha, que está na outra ponta da ferradura ideológica: recentemente, o compositor da imortal “tira essa bermuda que eu quero você sério” foi ao Twitter elogiar um neostalinista, na linha “veja bem, ele não é stalinista, só defende o Stálin quando os liberais fazem isso e aquilo”. Claro! Neonazistas também não são nazistas: eles só defendem Hitler quando alguém se esquece da “humilhação à Alemanha no Tratado de Versalhes”, ora.

(Para não dizerem que estou sendo injusto, registro aqui que sou fã incondicional da Paula Toller e da pandeirada que, dizem, ela deu no Leoni. Obra de arte.)

– O velho e bom comunismo soviético

Já falei, aqui em cima e em outra coluna, do fenômeno do stalinismo hipster nas redes sociais e não pretendo bater mais palmas para os malucos que falam a sério no “legado de Stálin”, ainda que essas palmas às vezes me ajudem a fechar uma coluna. Mas é espantoso que haja gente disposta a debater, fora de algum esquete antigo do Monty Python, o glorioso comunismo soviético, como se o Muro de Berlim não tivesse caído e a própria URSS não tivesse se desmilinguido sozinha há cerca de 30 anos. Em algum momento a Albânia de Enver Hoxha, farol do socialismo, voltará a ser hype —se bem que, no PC do B, nunca deixou de ser.

(Um amigo tem a teoria de que gostar desse tipo de coisa é como adolescente curtir black metal norueguês, aquele pessoal bacana que queimava igrejas e matava gente: é o gosto por “coisas extremas”, que tende a passar com a idade. O problema é quando os adultos chamam essa turma para a mesa deles, em vez de deixar trancada no quarto de castigo, sem internet e sem Toddy.)

– A volta aos anos 80 do século 15

Pois é: tem gente que não acha suficiente voltar à década de 80 do século 20 e quer ir ainda mais longe, de volta àqueles tempos idílicos anteriores à presença do colonizador europeu nas Américas. Aquela época de paz, harmonia e, uma vez ou outra, sacrifícios humanos com paulada no crânio e gente esfolada viva.

Descobri que há um movimento pela “alimentação decolonizada” —certamente, de gente tão paga-pau de americano que nem sabe escrever “descolonizada” em português. Ele pede que a gente REFLITA sobre o que está no nosso prato, incluindo café com leite, pão com manteiga (“nenhum desses alimentos é nativo de terras brasileiras”) e o próprio prato, utensílio introduzido por europeus. Afinal, os felizes e risonhos habitantes de Abya Yala, como a América Latina “era chamada por seus povos de origem”, usavam cumbucas e comiam com a mão.

O pior dessa história é a ofensa à minha dignidade de gordo: ai de quem ousar mexer com meu café com leite e meu pão com manteiga. Vá você aprender tupi-guarani e fazer fogueira na sua sala para cozinhar uma mandioca, ô cretino.

***

A GOIABICE DA SEMANA

Nesta semana, não há rival possível: o troféu TEM de ir para a bancada do PCdoB aprovando por unanimidade, em julho, aquela emenda concedendo às igrejas um perdão de dívidas tributárias que podem chegar a R$ 1 bilhão, coisinha pouca. Também não dá para não adaptar a frase atribuída ao Tim Maia: aqui no Bananão, prostituta se apaixona, traficante se vicia e comunista perdoa um bilhão de dívida das igrejas. Esse PC não tinha como ser mais do B.

PCdoBPCdoBJandira Feghali, do PC do B, é uma legítima comunopentecostal. Aleluia, camaradas!

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