Tomaz Silva/Agencia Brasil

Flagrados, mas candidatos

Quem são os políticos que, mesmo citados em delações e incluídos em planilhas de empreiteiras, vão disputar as eleições deste ano
10.09.20

Poucas horas depois de os agentes do Ministério Público do Rio de Janeiro deixarem seu apartamento na zona sul carioca, na manhã da terça-feira, 8, o ex-prefeito Eduardo Paes, do DEM, foi ao Twitter esbravejar contra a operação que também o tornou réu pelo suposto recebimento de 10,8 milhões de reais de caixa dois da Odebrecht, em 2012, quando ele se reelegeu. “Mais uma vez, digo para vocês: não foi apresentada nenhuma nova acusação contra mim, zero. As reportagens são absolutamente idênticas ao que foi reportado três anos atrás”, esbravejou Paes, que tenta reassumir a prefeitura do Rio nas eleições de novembro e cujo codinome nas planilhas da empreiteira é “nervosinho”.

Em um ponto a réplica de Paes não erra. As acusações, de fato, são antigas. Vieram à tona em 2017, no bojo da delação da Odebrecht. Mas a denúncia aceita no mês passado pela Justiça Eleitoral vai além dos meros depoimentos dos executivos da empreiteira, como ele sugere. Registros de entregas de dinheiro vivo feitos pelo doleiro da Odebrecht e delações de um ex-secretário e do próprio marqueteiro de campanha de Paes são algumas das novas provas dos repasses ilícitos que o ex-prefeito prefere ignorar.

Eduardo Paes é apenas um dos políticos que, embora mencionados em delações e incluídos em planilhas de empreiteiras, tentarão triunfar nas urnas este ano – fazendo figa para que a população esqueça o que eles fizeram no verão passado. O elenco dos candidatos delatados não escolhe ideologias nem matizes partidários. Vai do DEM ao PCdoB, passando, é claro, pelo sempre encrencado PT e pelos não menos enrolados PTB, PSDB, PSB, PSD, PDT, Progressistas, Podemos e Republicanos – deste último partido, faz parte do rol de aspirantes a renovar o mandato nas urnas o prefeito do Rio, Marcelo Crivella.

Nesta quinta-feira, 10, dois dias após a operação contra Eduardo Paes, Crivella – o mesmo que Paes acusou de estar sendo beneficiado com a ação contra ele – recebeu a visita dos investigadores na prefeitura e no condomínio onde mora. O MP apura a existência de um “QG da propina” dentro da Riotur, empresa municipal de turismo, que foi delatado pelo doleiro Sergio Mizhay. Entre os alvos da operação está Mauro Macedo, tesoureiro das campanhas de Crivella que teria operado outros esquemas para o bispo licenciado da Igreja Universal, como o recebimento de cerca de 3 milhões de reais da Fetranspor, a federação das empresas de ônibus, nas eleições de 2016 e 2010.

Curiosamente, as entregas de dinheiro vivo ao tesoureiro de Crivella há dez anos, quando ele se reelegeu senador, foram feitas pela mesma transportadora de valores que entregou os malotes da Odebrecht ao marqueteiro de Eduardo Paes, em 2012. Além da delação do ex-presidente da Fetranspor, Lélis Teixeira, as transações foram confirmadas em depoimento por um funcionário do doleiro Álvaro Novis, operador dos pagamentos ilícitos tanto da Odebrecht quanto da Fetranspor.

Ainda no Rio, delações sobre pagamentos de propina e caixa dois assombram as candidaturas da petista Benedita da Silva e da ex-deputada Cristiane Brasil, do PTB, filha de Roberto Jefferson. Em São Paulo, três dos principais pré-candidatos a prefeito da capital também figuram em planilhas de propina ou foram acusados em delação premiada. O deputado Celso Russomanno, do Republicanos, e o ex-governador Márcio França, do PSB, foram acusados de receber caixa dois da Odebrecht em 2010. Na eleição ao governo do estado, há dois anos, o governador João Doria chegou a explorar o codinome atribuído a França pela empreiteira, “Paris”, em peças de propaganda exibidas no horário eleitoral. Já o petista Jilmar Tatto figura nas delações do ex-ministro Antonio Palocci e de Nestor Cerveró, ex-diretor da Petrobras, como beneficiário de caixa dois de 500 mil reais na eleição de 2010.

A lista de delatados na eleição paulistana inclui ainda o ex-ministro Orlando Silva, candidato pelo PCdoB, que foi acusado de receber 3 milhões de reais da JBS em 2014. O PSDB paulista também não está escapa incólume. Embora não tenha sido envolvido pessoalmente em delações, o atual prefeito, Bruno Covas, do PSDB, foi indiretamente atingido pela chamada Lava Jato Eleitoral, com a denúncia oferecida contra o ex-governador Geraldo Alckmin, por suposto caixa dois de 11,3 milhões de reais da Odebrecht nas eleições de 2010 e 2014. Alckmin seria o coordenador da campanha de Covas, mas desistiu após virar réu por corrupção e lavagem de dinheiro em julho.

No interior do estado, a delação da empreiteira baiana também ameaça as reeleições de influentes líderes partidários, como o tucano Duarte Nogueira, em Ribeirão Preto, e o petista Edinho Silva, em Araraquara. Em São Bernardo do Campo, terra do ex-presidente Lula, o ex-ministro Luiz Marinho, do PT, tentará retomar a prefeitura que comandou por oito anos no auge da era petista com um enorme passivo político-policial: a acusação de recebimento de 12 milhões de reais de propina da OAS em troca de obras superfaturadas na cidade. Marinho aparece na delação da CCR, concessionária de rodovias, juntamente com o companheiro de partido Emídio de Souza, deputado estadual que tentará voltar à prefeitura de Osasco. Ele é acusado de receber caixa 2 para a campanha de Aloizio Mercadante ao governo do estado em 2010.

Como essas serão as primeiras eleições municipais após as megadelações feitas na Lava Jato, o impacto das acusações nos resultados das urnas locais só será testado agora. Em Belo Horizonte, a planilha da Odebrecht faz sombra aos dois principais nomes do campo da esquerda na disputa contra o atual prefeito Alexandre Kalil, do PSD, na capital mineira. Tanto o petista Nilmário Miranda quanto o deputado Júlio Delgado, pré-candidato pelo PSB, aparecem na relação de caixa 2 da empreiteira em 2010.

Já em Salvador, a acusação de recebimento de 250 mil reais em doações da Odebrecht para defender os interesses da empreiteira na tramitação de uma Medida Provisória no Congresso não inibiu o deputado João Carlos Bacelar de lançar sua candidatura à prefeitura de Salvador pelo Podemos. No páreo também está a ex-senadora Lídice da Mata, do PSB, suspeita de receber 200 mil da empreiteira baiana em sua eleição ao Senado em 2010. No Recife, é o ex-ministro Mendonça Filho, pré-candidato do DEM, que terá de explicar aos eleitores o pagamento de 100 mil reais que a UTC teria feito a ele há seis anos ou torcer para que o assunto tenha sido esquecido.

Jogar uma cortina de fumaça sobre o tema corrupção será mais complicado na capital paranaense, berço da Lava Jato. Lá, dois parlamentares que postulam a prefeitura foram citados em delações. O emedebista João Arruda foi acusado por um ex-superintendente do Ministério da Agricultura no Paraná de receber propina de frigoríficos da região durante a Operação Carne Fraca. Já o ex-prefeito Gustavo Fruet, do PDT, é um dos nomes listados por Benedicto Junior, ex-executivo da Odebrecht, como beneficiário de 200 mil reais de caixa 2 nas eleições de 2010 e 2012. Ainda no sul do país, a planilha do Departamento de Operações Estruturadas da empreiteira baiana expõe candidatas a prefeita de espectros políticos antagônicos. Em Florianópolis, Angela Amin, do Progressistas, e em Porto Alegre, Manuela D’Ávila, do PCdoB.

Com tantos candidatos suspeitos nas mais variadas modalidades e em diferentes proporções, não é de se espantar que algumas campanhas acabem por exaltar quem roubou em menor escala, numa versão provavelmente menos escrachada do que a protagonizada no último domingo, 6, por José Maria Monção, ex-prefeito da cidade de Cocal, no Piauí, preso duas vezes por desvio de recursos públicos. Em discurso acompanhado de gargalhada de Ciro Nogueira, líder do Centrão, Monção admitiu que roubou, só que menos do que atual prefeito e rival na disputa. “Não roubei o tanto que esse aí (sucessor) roubou não, está entendendo? Esse é descarado”, afirmou. Saímos do “rouba, mas faz” para o “rouba, mas menos”.

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