RuyGoiaba

2020 é o Ano do Bode na Sala

04.09.20

Vocês se lembram do horóscopo chinês, aquele dos bichos correspondentes a cada ano? Curiosamente, ele parece ter saído de moda no Ocidente ao mesmo tempo que comer morcego —sem ferver o bicho direito— entrou na moda naquela civilização milenar. Mas esse horóscopo pode ter algo de premonitório: breve consulta ao Google mostra que 2020 é o Ano do Rato, e morcegos nada mais são que uns ratões com asas (desculpem, zoólogos).

Enquanto seguimos nas redes sociais fazendo o nosso Diário do Ano da Peste sem o talento de um Daniel Defoe, penso comigo que o certo mesmo seria consagrar este 2020 como o Ano do Bode —na sala. Conto a história, alegadamente de origem judaica, para quem não a conhece: um homem vai ao rabino se queixar de que está muito difícil morar com a mulher, os três filhos e a sogra em uma casa pequena. Brigas, barulho, confusão, desconforto etc.

O rabino responde “coloque um bode na sua sala” —e o cidadão, mesmo espantado com as instruções, obedece. Tempos depois, o homem volta reclamando de que a vida dele se tornou um inferno: o bode cheira mal, suja toda a sala, destrói coisas. “Pode tirar o bicho da sala”, responde o rabino. Dias depois, o sujeito retorna todo feliz dizendo que a vida dele —exatamente igual à que ele levava antes de instalar o bode na sala— agora é o paraíso na Terra.

A pandemia da Covid-19 é esse Bode na Sala Cósmico, com todo mundo morrendo de saudades daquela vidinha besta que levávamos antes de sermos obrigados a nos isolar por causa do novo coronavírus. Com a diferença de que o bode ainda está fedendo na nossa sala, e só poderemos nos livrar dele quando enfim houver uma vacina —essa mesma que o Bode na Sala Brasileiro, aquele animal que hoje ocupa o Palácio do Planalto, diz que “não é obrigatória”, embora tenha assinado uma lei obrigando. (Viver no Bananão hoje é ter que lidar com um REBANHO de bodes na sala, sem a perspectiva imediata de expulsá-los.)

Enquanto isso não acontece, pondero questões de relevância fundamental para a humanidade, como o comprimento indecente do meu cabelo, que acabou de completar seis meses sem barbeiro. Estou entre pedir cidadania argentina argumentando com meus mullets ou fazer um rabo de cavalo, comprar uma Harley-Davidson e sair arrepiando pela estrada ao som de “Born to Be Wild”. Acho que virar argentino é mais barato e, sobretudo, bem menos deprimente que atravessar a crise de meia-idade me transformando no Coroa da Harley.

Pior é o caso dos meus amigos com filhos, alguns dos quais se converteram em seriíssimos candidatos ao Troféu Herodes. Nada como a convivência forçada para desmontar mitos como o do “amor filial” e fazer a gente sentir aquele gostinho de Revolução Industrial, com muito mais pessoas fazendo home office e, por isso mesmo, dormindo no trabalho. Só espero que 2020, este Ano do Bode na Sala, de fato acabe um dia —mas nem disso tenho muita certeza. Vai que a desgraça é tamanha que decidem anular 2021 e fazer 2020 Parte 2, a Missão.

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A GOIABICE DA SEMANA

Mais uma vez, muito bons candidatos nesta semana, mas acho que o destaque vai para o pessoal das redes sociais —em especial os de esquerda— muito indignadinho com as 500 pilas cobradas por Gabriela Prioli, a comentarista da CNN, pelo curso on-line que ela chamou de “Manual da Política Racional” (leia o livro “Universo em Desencanto” —ops, desculpem, essa é a Cultura Racional).

A comentarista está 100% no direito dela: paga quem quer, ninguém é obrigado a ensinar de graça e, certamente, há cursos muito piores à venda por aí, pelos quais as pessoas também dão dinheiro (todo dia um malandro e um otário saem de casa etc.). Mas, pelo visto, o pessoal não se deu nem sequer ao trabalho de visitar o Instagram da moça, repleto de posts publicitários de marcas como Samsung, Natura e Tiffany & Co. Webcelebrity —ou influencer, como Gabriela Publioli— é isso aí: hoje, todo mundo pode ser o Milton Neves de si mesmo e até vender coisas mais chiques que os colchões Copel e os fios e cabos Reiplás.

Reprodução/redes sociaisReprodução/redes sociaisGabriela, a Prioli, não aceita que interessados em seu curso paguem a Posterioli

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