Edilson Rodrigues/Agência Senado

As chaves da urna

Depois de 2018, o combate à corrupção parece não ser mais algo tão crucial para o eleitor: fomos buscar os temas que devem definir as eleições municipais de novembro
28.08.20

O combate à corrupção, a defesa da segurança pública e o discurso da nova política dominaram o debate público nas eleições de 2018, impulsionaram a candidatura de Jair Bolsonaro à Presidência e levaram a uma renovação recorde, tanto no Congresso, quanto nas Assembleias Legislativas dos estados. Dois anos depois, os brasileiros voltam às urnas com novas prioridades. Para saber o que o eleitor de 2020 vai exigir de seus candidatos, Crusoé ouviu marqueteiros, especialistas em opinião pública, cientistas políticos e se debruçou sobre pesquisas para antecipar quais serão os temas prioritários da campanha municipal.

A bandeira da luta contra os desvios de recursos públicos, que triunfou na eleição federal, não foi e jamais será esquecida, apesar dos esforços cotidianos de setores do Ministério Público Federal e do Judiciário para enterrar a Lava Jato, mas deixou de ser o tema principal, em torno do qual orbitam todos os outros, como ocorreu em 2018. Algo semelhante acontece com a segurança pública: dificilmente será deixada de lado pelo eleitor num país como o Brasil, que ostenta índices alarmantes de violência, mas no pleito deste ano tende a não ser tão decisiva na hora da definição do voto.

“Apesar de as grandes cidades ainda serem massacradas pela violência, esse discurso está menos em voga”, diz Sérgio Denicoli, pós-doutor em comunicação e diretor da AP Exata, empresa de inteligência em comunicação digital. Desta vez, estarão no centro das discussões o combate à Covid-19 e a disputa de narrativa entre os gestores contrários e favoráveis ao isolamento social, assim como a geração de emprego e a assistência social, duas das questões que mais preocupam os cidadãos por causa da crise econômica sem precedentes.

Neste contexto político insólito, a eleição municipal de 2020 tende a se transformar em um grande referendo sobre a gestão dos atuais prefeitos. O comportamento dos gestores municipais durante a pandemia e os resultados obtidos na luta contra o vírus serão julgados pela população e o futuro daqueles que disputarão a reeleição depende da percepção dos eleitores sobre a eficiência das ações.

Reprodução/redes sociaisReprodução/redes sociaisA eleição municipal será um grande referendo sobre a atuação dos atuais prefeitos no combate ao coronavírus
“Aqueles que tiveram uma postura sólida na pandemia e que souberam comunicar as ações à população ganharão espaço bastante considerável”, afirma o especialista em marketing eleitoral Carlos Manhanelli, presidente da Associação Brasileira de Consultores Políticos. A concepção do que é uma boa gestão frente à pandemia, entretanto, também vai variar muito entre as cidades brasileiras. Há municípios em que acabar com o isolamento e reabrir a economia são atitudes que agradam à população. Já em outros locais, a defesa da quarentena ganhou mais espaço e apoio entre os eleitores. A percepção guarda relação com o perfil econômico do município. “Em áreas que dependem muito do comércio, por exemplo, uma postura anti-isolamento dos prefeitos tende a ser mais valorizada”, acrescenta Manhanelli.

Mas o eleitor não vai ficar apenas de olho no retrovisor, preocupado somente com aquilo que foi ou deixou de ser feito. A pandemia mudou a vida das pessoas, de forma geral, para pior. Então, a tendência é que o assunto também seja abordado a partir de um olhar voltado para um futuro em que a doença esteja mais sob controle, mas não necessariamente totalmente erradicada. Para quem está no cargo e almeja se reeleger, uma das armas tem sido tentar apostar no discurso otimista de que o pior da pandemia já passou.

Para adversários de prefeitos em exercício, as graves consequências deixadas à vista pela Covid-19, como a paralisia e o sucateamento de serviços públicos, serão exploradas como indicativos da incapacidade de gestão dos que hoje estão no poder e como demonstração de que, a partir da eleição, tudo precisará mudar para melhor para que a qualidade de vida das pessoas também melhore.

Em São Paulo, maior colégio eleitoral do país, a saúde já era o tema preferencial dos eleitores desde a campanha de 1988, quando a deputada Luiza Erundina foi eleita pelo PT depois de defender a bandeira da descentralização das unidades hospitalares. Em 2008, Gilberto Kassab, então candidato pelo DEM, explorou a multiplicação das AMAs, ambulatórios médicos regionais, e, em 2012, o petista Fernando Haddad apostou nas UPAs, as unidades de pronto atendimento.

Alan Santos/PRAlan Santos/PRBolsonaro deve deixar para participar da campanha no segundo turno, quando seu desempenho como cabo eleitoral será testado
O tucano João Doria, último prefeito eleito, em 2016, venceu no primeiro turno com a promessa de zerar a fila de consultas atendendo pacientes de madrugada em hospitais particulares, no programa batizado de Corujão. Neste ano, por causa da pandemia, a temática da saúde irá dominar ainda mais o debate nos municípios paulistas. Embora a geração de empregos seja uma política muito mais vinculada ao governo federal, o desemprego e a queda na renda das famílias em decorrência da crise econômica desencadeada pela pandemia também devem permear as campanhas e transformar-se numa das principais cobranças dos eleitores.

Além da economia e da saúde, hoje diretamente relacionadas à sensação de segurança e estabilidade do eleitorado, os marqueteiros apostam que a discussão sobre a volta às aulas e como recuperar o ano letivo praticamente perdido também surgirá com força nos debates e no horário eleitoral gratuito. “O eleitor, quando escolhe seu candidato a prefeito, é muito mais pragmático. Ele quer alguém que resolva os problemas da cidade”, diz o professor de marketing político da ESPM Marcelo Vitorino, responsável por campanhas majoritárias vitoriosas, como a de Marcelo Crivella, no Rio.

Algo que ainda não está muito claro nas pesquisas é a influência dos cabos eleitorais de expressão nacional na disputa municipal. Apesar de candidatos como Márcio França, do PSB, em São Paulo, terem se articulado para garantir o apoio do presidente Jair Bolsonaro, ainda pairam dúvidas, por exemplo, sobre capacidade de transferência de votos do chefe do Planalto. O recado emanado das urnas em 2019, durante as eleições suplementares realizadas em 51 municípios brasileiros que tiveram prefeitos com mandatos cassados pela Justiça Eleitoral, é a de que ter o presidente como cabo eleitoral não necessariamente é um bom negócio.

No ano passado, menos de 10% das disputas tiveram como eleitos integrantes do PSL, até então partido do presidente. Em Paulínia, no interior de São Paulo, por exemplo, o candidato bolsonarista ficou em quinto lugar na votação realizada em dezembro do ano passado. Esses resultados são indicativos de que a simples associação com o presidente e com suas bandeiras pode não ser suficiente para vencer uma eleição, ao contrário do que aconteceu em 2018, quando a bênção de Bolsonaro foi um fator decisivo para a desequilibrar as disputas em boa parte dos estados, como Rio de Janeiro e São Paulo.

A volta às aulas e a recuperação do ano letivo estarão nas discussões durante os debates eleitorais nas cidades
O que não irá alterar nas eleições de novembro é a importância do uso das redes sociais como ferramenta crucial para definição do voto. Muito pelo contrário. Em uma corrida eleitoral atípica, realizada durante a maior crise sanitária do século, o corpo a corpo nas ruas pode até virar motivo de constrangimento aos candidatos, o que dará espaço ainda maior às redes.

Em junho, a doutoranda em Comunicação pela Universidade de Brasília Maíra Moraes concluiu uma extensa pesquisa chamada “Perfil do Eleitor Conectado Brasileiro”. O levantamento consultou quase 4 mil eleitores nas cinco regiões do país e mostrou por quais meios e canais cada eleitor consome conteúdo e com que frequência. Indagados sobre como se informar melhor sobre os candidatos durante uma campanha eleitoral, 52% disseram consultar as redes sociais “todos os dias” com essa finalidade, e 34% afirmaram buscar informações em blogs ou sites de notícias também diariamente. Na mesma pesquisa, 38% responderam que nunca se basearam em veículos de mídia impressa na hora de decidir em quem votar e 22% afirmaram que usaram a TV para saber mais sobre seu candidato “poucas vezes na semana”.

Como os interesses e preocupações dos eleitores variam muito de acordo com a região ou com o bairro, as estratégias de marketing deverão focar em segmentação. A campanha vitoriosa de Donald Trump de 2016 e a do Brexit, no mesmo ano, tiveram investimentos expressivos em impulsionamento com microtargeting, técnica que usa dados e estratégia digital para atingir com precisão o público-alvo.

A partir do consenso sobre os temas que deverão prevalecer nos discursos dos candidatos, será preciso também preparar material específico para cada meio de comunicação. “Se tratarem a internet como a TV, colocando um conteúdo pasteurizado, enlatado, de repetição de marca, a internet vai ter pouca influência. Mas se os candidatos entenderem que o que vale é o conteúdo segmentado, muito focado no que as pessoas querem, a internet terá um peso maior que a TV e a rua”, avalia Marcelo Vitorino.

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