Diego Nigro/JC Imagem/FolhapressAs reviravoltas da política: não será surpresa se Bolsonaro e Luciano Bivar voltarem a ser companheiros de partido

Meia volta, volver

De olho no milionário fundo eleitoral, o presidente da República pavimenta seu retorno ao PSL, partido com o qual rompeu há menos de um ano
21.08.20

O brasileiro é acostumado aos vaivéns da política. A ponto de transformar em chavão aquela frase atribuída ao político mineiro Magalhães Pinto de que “política é como nuvem, você olha e ela está de um jeito, olha de novo e já mudou”. Mas a velocidade com que as coisas são ditas e desditas, feitas e desfeitas na atual temporada da política nacional nem as nuvens mais fugazes são capazes de acompanhar. É o caso do flerte pós-divórcio de Bolsonaro com o PSL. Desde que brigas internas implodiram o partido no fim do ano passado, os conflitos se agravaram e ganharam ares de guerra civil. Por isso, poucos ousariam imaginar que menos de um ano depois de deixar a legenda acusando seu presidente, Luciano Bivar, de estar “queimado para caramba”, Bolsonaro passaria a trabalhar nos bastidores para reatar com a ex-sigla.

É exatamente o que acontece agora. Para não ficar feio na foto, pois realmente seria constrangedor que Bivar e Bolsonaro ressurgissem como melhores amigos trocando afagos diante dos holofotes, o escalado para negociar o reenlace foi o vice-presidente da legenda, Antônio Rueda. O novo casamento ainda não foi registrado em cartório, mas o pragmatismo e, sobretudo, os interesses eleitorais podem falar mais alto, pavimentando um possível retorno ao altar.

Além de Rueda, preparam a valsa da reconciliação com PSL o deputado federal Felipe Francischini, ex-presidente da CCJ da Câmara, e o senador Flávio Bolsonaro, filho 01 do presidente, atualmente no Republicanos. Bivar, por ora, diz resistir ao acordo, sobretudo por pressões familiares. Seus aliados contam que o desquite com Bolsonaro afetou de forma brutal a família Bivar, que até hoje ainda não teria conseguido digerir os ataques pessoais duríssimos desferidos pelo chefe do Planalto e seus filhos.

Os parentes do presidente nacional do PSL atribuem a Bolsonaro a responsabilidade pela operação deflagrada pela PF em outubro do ano passado, que cumpriu mandados na casa de Bivar, em Pernambuco. Emissários, no entanto, já atuam nos bastidores para desanuviar o ambiente. Para quem acompanha de perto as articulações, hoje haveria menos nuvens pesadas no caminho do que há uma semana. Há quem diga no partido que, para conservar os altos volumes de recursos dos fundos partidário e eleitoral do PSL depois de 2022, Bivar já teria admitido a interlocutores uma reconciliação.

As conversas são comandadas por Rueda a partir de seu escritório, no Lago Sul de Brasília. O negócio do pernambucano funciona em uma casa compartilhada com o advogado Otávio Noronha, seu amigo e filho do presidente do Superior Tribunal de Justiça, João Otávio de Noronha, responsável pelo habeas corpus que soltou Fabrício Queiroz. A residência com um altíssimo muro marrom de ferro garante a discrição necessária para as tratativas.

Adriano Machado/CriusoéAdriano Machado/CriusoéFelipe Francischini é um dos articuladores da volta de Bolsonaro ao PSL
Em jogo na possível nova aliança estão recursos públicos dos fundos partidário e eleitoral. Neste ano, o PSL terá 200 milhões de reais do fundão para a campanha municipal. O montante, o segundo maior entre os partidos, é fruto da atuação de Bolsonaro como padrinho eleitoral de candidatos em 2018. Isso porque a divisão dos recursos leva em conta a quantidade de representantes eleitos para a Câmara. Se perder deputados, a bolada vai minguar a partir de 2022.

Já os bolsonaristas querem retomar os postos de comando na sigla para voltar a usufruir das benesses do fundo partidário. Quando estava no comando do PSL do Rio de Janeiro, o senador Flávio Bolsonaro empregou ou contratou aliados, entre eles o advogado Victor Granado Alves, que recebeu 500 mil reais do PSL, enquanto também prestou serviços – os mais variados possíveis – a Flávio. Victor é investigado no inquérito que apura suposto vazamento de informações da investigação do caso Queiroz. Valdenice de Oliveira, a Val Meliga, irmã de milicianos e ex-assessora de Flávio, foi tesoureira e chegou ao posto de presidente do diretório municipal do PSL na cidade do Rio. Parentes dela também receberam dinheiro de campanhas do PSL em 2018.

Se conseguissem viabilizar a Aliança pelo Brasil, Jair Bolsonaro, seus filhos e correligionários teriam que voltar ao passado de campanhas baratas e baseadas majoritariamente nas redes sociais. Com uma diferença: de 2018 para cá, o presidente perdeu parte da militância. O risco dessa escolha faz com que Bolsonaro recorra a uma opção mais concreta, dotada de menos riscos, e, sobretudo, mais fornida de dinheiro público.

Os padrinhos do novo casamento elencam outros fatores favoráveis ao entendimento. O retorno à sigla pela qual se elegeu garantiria a Bolsonaro, além de cargos na direção, postos estratégicos nos diretórios estaduais. Dessa forma, o presidente começaria desde já a reforçar sua base nos estados e municípios, o que o faria chegar em 2022 com uma máquina eleitoral mais robusta. A filiação ao PSL ainda teria reflexos na articulação do governo na Câmara. Apesar da boa relação de alguns deputados com Jair Bolsonaro e de votos favoráveis a pautas econômicas do governo, oficialmente o partido adota uma postura de independência em relação ao Planalto. O cenário mudaria assim que a ficha de filiação de Bolsonaro ao PSL fosse novamente assinada. A aproximação asseguraria a fidelidade do partido também às chamadas “pautas de costume”, como as de armamento, Escola sem Partido e proibição ao aborto.

As conversas entre Bolsonaro e o PSL envolvem ainda a revogação da punição que proibiu a participação de 12 deputados bolsonaristas filiados à sigla em comissões. Com o fim da sanção, esses parlamentares poderiam voltar a integrar os colegiados dos quais o partido participa. Por causa da robusta bancada na Câmara, o PSL terá, ainda, um dos maiores tempos no horário eleitoral de rádio e TV. Aliados do presidente consideram que, apesar do grande alcance nas redes sociais, o horário eleitoral será importante para ele, que, pela primeira vez, terá de se dividir entre a divulgação de realizações, explicações de falhas e promessas para um próximo mandato.

Reprodução/YoutubeReprodução/YoutubeRecuo: Joice Hasselmann já admite a volta de Bolsonaro ao PSL
Ainda há, porém, obstáculos no caminho da reconciliação. Os maiores opositores ao regresso de Bolsonaro ao PSL são o deputado federal Júnior Bozzella e o senador Major Olímpio – os dois se tornaram críticos ácidos ao governo e ao bolsonarismo e podem ser retaliados, caso os aliados do presidente da República retomem o comando da sigla.

“Não acredito na possibilidade de reconciliação. O Bolsonaro saiu achincalhando completamente o PSL e implodiu todas as pontes. Como presidente de um grande partido, o Bivar conversou com o Bolsonaro, isso é da democracia, mas não tem nada a ver com perdoar”, garante o senador Major Olímpio, aliado de primeira hora de Luciano Bivar e recém-alçado ao posto de arquirrival do presidente da República. “O que existe é um punhado de moscas varejeiras em torno do Planalto. Deputados que ajudaram a eleger o Bolsonaro, mas que ficaram fora do toma lá, dá cá, e agora querem uma boquinha, cargos e emendas. Esse pragmatismo é uma tremenda falta de brio e de vergonha na cara”, critica Olímpio.

A publicidade em torno das negociações entre Bolsonaro e o PSL, promovida pelo próprio presidente da República, causou instabilidade na sigla, a menos de três meses das eleições municipais. Em São Paulo, onde Joice Hassellmann é pré-candidata, bolsonaristas fizeram circular boatos de que poderiam lançar a deputada estadual Janaína Paschoal ou o federal Luiz Philippe de Orleans e Bragança em seu lugar – Janaína desmentiu a possibilidade de concorrer, mas o silêncio do “príncipe” soou revelador. Foi o suficiente para Hasselmann, que até então era contra a volta de Bolsonaro à legenda, mudar o discurso. Em entrevista na noite de quinta-feira, 20, a deputada disse querer o bem do presidente e se apresentou como “a melhor alternativa” para Bolsonaro apoiar na eleição paulistana. “Não vejo o presidente como persona non grata”, afirmou. No Rio de Janeiro, uma reviravolta de cenário poderia prejudicar o deputado estadual Rodrigo Amorim, que é da ala bivarista e lançou sua pré-candidatura à prefeitura. Entre os bolsonaristas, a intenção é cavar espaço numa vaga de vice de Marcelo Crivella.

Renato Alves/CrusoéRenato Alves/CrusoéO sonho de Bolsonaro de criar um partido parece ter ficado para trás
Com os novos planos, a Aliança pelo Brasil, o partido que Bolsonaro um dia sonhou criar, vai ficando cada vez mais para trás. Aos gritos de “mito”, “grande dia” e “o capitão chegou”, o presidente o presidente subiu no palanque da concorrida convenção de inauguração da Aliança, realizada em novembro do ano passado, em um hotel de Brasília. A promessa era criar uma legenda isenta de vícios da velha política, com a bandeira do conservadorismo, da defesa das armas e da família. “O primeiro passo para fundar este partido foi dado hoje, nos moldes do que a grande maioria da população sempre desejou. Mas não é para todo mundo, deixo bem claro”, alertou Bolsonaro, esforçando-se em apresentar sua futura legenda como uma agremiação diferente “de tudo isso que está aí”.

O marketing da sigla foi construído em torno da imagem de apolítico que ajudou a eleger Bolsonaro em 2018. Mas, nos últimos nove meses, o cenário em Brasília passou por uma transmutação: acuado por escândalos e pela ameaça do impeachment, o presidente da República abraçou de corpo e alma a velha política. Entregou a articulação do governo ao Centrão e a parlamentares enroladíssimos em denúncias de corrupção, loteou cargos em estatais, negociou emendas e vestiu a fantasia de coronel – metafórica e literalmente, a julgar por suas imagens com chapéu de cangaceiro sobre uma égua no Piauí.

Com Bolsonaro perfeitamente adaptado ao establishment, caiu por terra a necessidade de criar uma legenda pura, não convencional. Insistir no discurso de que os partidos são todos corrompidos e de que é preciso refundar a política com uma nova sigla desagradaria aos neoaliados, essenciais aos planos de reeleição. Como símbolo máximo de sua nova persona, o chefe do Planalto jogou a Aliança pelo Brasil e seus milhares de apoiadores numa zona cinzenta de incertezas. “Eu não posso investir 100% na Aliança, em que pese o esforço de muita gente. Eu tenho que olhar outros partidos e tenho recebido convites”, reconheceu Bolsonaro na semana passada.

Para além do cálculo eleitoral e político, o baixíssimo engajamento em torno da Aliança foi outro elemento que levou Jair Bolsonaro a se dissociar do partido em formação e a tentar reatar com o PSL – ele não quer ficar marcado pelo fracasso da empreitada. Em nove meses, a sigla tem apenas 19 mil assinaturas validadas pelo TSE, menos de 4% das 492 mil exigidas pela legislação eleitoral. A pandemia e o consequente fechamento dos cartórios eleitorais foram determinantes para o resultado pífio. Os voluntários também minguaram. Diante da ausência de comprometimento de uma militância orgânica, foi preciso contratar pessoas para irem às ruas coletar assinaturas ou para trabalhar no lançamento dos dados no sistema do TSE. Deu no que deu. Restou a alternativa PSL.

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