Flickr/Gage Skidmore

Guru em apuros

Steve Bannon, referência internacional do clã Bolsonaro em estratégia política, é detido nos Estados Unidos sob a acusação de desviar dinheiro de conservadores em benefício próprio
21.08.20

No início de 2017, Steve Bannon andava pelos corredores da Casa Branca com um envelope debaixo do braço cheio de decretos para o presidente Donald Trump assinar. Depois de ter contribuído para a campanha republicana em 2016, ele virou o estrategista da Casa Branca e orientou o governo em diversas medidas, como a que transferiu a embaixada americana em Israel para Jerusalém e a que barrou a entrada no território dos Estados Unidos de pessoas de alguns países de maioria muçulmana.

A aura de Bannon, contudo, esvaneceu-se ainda em 2017. Em agosto, ele foi saído da Casa Branca depois de implorar e chorar para ficar. Passou então a se dedicar a uma organização que acabara de fundar, a The Movement (O Movimento), para prestar consultoria a partidos nacionalistas e populistas de direita.

Na quinta-feira, 20, Bannon sofreu mais um revés. Quando estava em um iate de um bilionário chinês, ele foi detido por membros da guarda costeira, agentes de um serviço de investigação do Correio e da procuradoria dos Estados Unidos. Com outros três americanos, ele é acusado de conspiração para realizar fraudes e lavar dinheiro.

O caso remonta ao final de 2018, quando Bannon e um investidor, Andrew Badolato, foram chamados para ajudar em uma campanha de arrecadação de fundos pela internet. A meta era doar o dinheiro para o governo americano construir parte do muro na fronteira com o México. Vinte milhões de dólares foram levantados em pouco mais de uma semana. O site de crowfunding que tinha feito a campanha, porém, não sentiu segurança em repassar o dinheiro e disse que só faria isso para uma ONG legítima. Do contrário, a dinheirama seria devolvida aos seus doadores.

ReproduçãoReproduçãoBannon ao lado do 03: Eduardo é líder do The Movement na América do Sul
Nessa época, Bannon já tinha criado o The Movement e estava oferecendo seus serviços de consultoria a partidos em campanha para as eleições do Parlamento Europeu, que ocorreram em maio de 2019. Requisitado, ele ofereceu a ONG que já tinha criado para receber as doações. Os fundos passaram a ser transferidos para a ONG de Bannon.

Uma empresa foi criada, a Nós Vamos Construir o Muro, mas com um objetivo um pouco diferente: em vez de doar os valores ao governo, eles mesmos construiriam o muro, de forma privada. Ao consultar os possíveis doadores, incluindo aqueles que já tinham feito sua colaboração, os quatro organizadores asseguraram que o dinheiro seria todo investido na obra. Nenhum centavo ficaria para eles. “Eu fiz isso como voluntário”, disse Bannon em uma entrevista.

Os crimes ocorreram em seguida. Contrariando a promessa de não sacar o dinheiro dos doadores, mais de 25 milhões de dólares, os envolvidos montaram um esquema para embolsar a verba de maneira secreta. Ainda que algum dinheiro tenha sido gasto na construção do muro, a ONG de Bannon transferiu uma parte do valor de diferentes maneiras, alegando a prestação de serviços de comunicação. Para tanto, apresentaram ordens de pagamento e recibos falsos. Bannon, segundo a investigação, tinha o controle de tudo.

Entusiasta: assessor de Bolsonaro, o sorocabano Filipe Martins ganhou o apelido de “Sorocabannon”
Com os cerca de 350 mil dólares que recebeu em 2019 da ONG de Bannon e de outras empresas que também foram usadas no esquema, um dos envolvidos fez reformas em sua casa, comprou uma SUV de luxo, um carrinho de golfe, joias, fez cirurgias estéticas, pagou faturas do cartão de crédito e um barco, o Warfighter, usado em uma parada a favor de Trump no dia 4 de julho. Outra parte do dinheiro dos doadores foi gasta, entre outras coisas, com viagens, hotéis e produtos de consumo. Estima-se que Bannon ficou com 1 milhão de dólares.

Se forem condenados, Bannon e os outros três acusados podem pegar até 20 anos de prisão em cada uma das duas acusações. Ainda que o ex-estrategista venha a ser inocentado, o constrangimento deve afetar sua influência internacional, que já vinha em declínio. A hipótese de que ele tenha enganado centenas de milhares de americanos conservadores em benefício próprio pode atrapalhar sua ambição de arrebanhar mais adeptos.

No Brasil, Bannon ganhou projeção em 2018. Segundo Mischael Modrikamen, cofundador do Movement, Bannon deu conselhos para a equipe de Jair Bolsonaro na campanha presidencial. Em janeiro de 2019, quando o esquema de fraude e de lavagem de dinheiro na “Nós vamos construir o muro” estava sendo montado, Bannon visitou a casa de Olavo de Carvalho no estado americano da Virgínia. No mês seguinte, ele nomeou o deputado Eduardo Bolsonaro para ser líder do Movement na América do Sul. Em março, quando Jair Bolsonaro jantou na residência oficial do embaixador brasileiro, Sergio Amaral, Bannon esteve à mesa como convidado de honra. Sentou-se ao lado do presidente. O sorocabano Filipe Martins, assessor internacional de Jair Bolsonaro, articulou esses encontros e ganhou o apelido de Sorocabannon.

Nesta quinta-feira, conduzido a um tribunal de Manhattan, em Nova York, Bannon alegou inocência. Ele pagou uma fiança de 5 milhões de dólares e responderá ao processo em liberdade. Nas redes sociais, os bolsonaristas silenciaram sobre o assunto.

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