ReproduçãoA primeira-ministra Jacinda Ardern tem sido elogiada nas redes e fora delas

O exemplo neozelandês

O bom desempenho da primeira-ministra Jacinda Ardern na gestão da pandemia tem algo a nos ensinar: como é ser governado por bons políticos
14.08.20

A Nova Zelândia passou 102 dias sem registrar casos novos de coronavírus. Com 5 milhões de habitantes e banhado pelo Oceano Pacífico, o país foi um dos mais bem-sucedidos no combate à pandemia, com 22 mortos em mais de seis meses. Cerca de 1.500 infectados se recuperaram. Mas o ânimo diminuiu um pouco nesta semana. Na terça, 11, a primeira-ministra, Jacinda Ardern, de 40 anos, participou de uma entrevista coletiva transmitida ao vivo pelo Facebook para responder a perguntas de jornalistas. De sua casa, ela depois publicou outro vídeo, resumindo os principais tópicos. O país tinha registrado quatro novos casos em Auckland e era preciso lidar com o ressurgimento da doença.

A mobilização da Nova Zelândia após a notícia de meros quatro casos revela o abismo que separa esse país do Brasil, que tem registrado mil mortes por dia e já passou dos 100 mil óbitos. Em uma situação bem menos dramática, a primeira-ministra anunciou bloqueios nas estradas que ligam Auckland a outras cidades. As pessoas contaminadas foram isoladas em um edifício público e o governo passou a identificar os que entraram em contato com elas e os lugares por onde passaram. As superfícies dos seus locais de trabalho foram desinfectadas. Testes gratuitos para a população passaram a ser oferecidos em catorze pontos na cidade. Cinco milhões de máscaras foram distribuídas. Em dois dias, o número de profissionais em uma central telefônica para responder dúvidas aumentou de 600 para 870.

Enquanto Jacinda anunciava as medidas, era possível avistar papéis cortados em formato de coração, com desenhos infantis, pregados em uma estante. Sua filha, de 2 anos, nasceu quando ela já estava no cargo. O despojamento e a naturalidade ao falar são parte de seu sucesso em se aproximar a população. “Eu sei quanto é frustrante estar nesta situação. Sinto exatamente a mesma coisa. Mas meu trabalho é fazer o possível para que a gente saia dessa situação o mais rápido possível”, disse ela. Entre os 11 mil comentários ao seu vídeo, é fácil atestar que as pessoas se identificam com ela e agradecem o cuidado. “Obrigado por nos manter informados com tanta clareza e regularidade. Nós apreciamos seu trabalho. Por favor, tome conta de você”, escreveu uma senhora. Ao se referir à população, a primeira-ministra fala em time, “o time de 5 milhões”. É uma maneira de dizer que as atitudes individuais importam e que todos fazem parte da solução. Os neozelandeses, por sua vez, têm correspondido e seguido as orientações.

ReproduçãoReproduçãoEstradas bloqueadas em Auckland: ação para conter o efeito-rebote
Na medida do possível, Jacinda tem buscado evidências científicas para tomar decisões. No início de fevereiro, a Nova Zelândia tornou-se um dos primeiros países a suspender voos da China. “Foi uma decisão difícil porque quase ninguém mais tinha feito isso, mas seus assessores científicos recomendaram a medida por razões de saúde pública. Olhando para trás, foi a escolha certa”, diz o cientista político Van Jackson, professor da Universidade Victoria. A orientação para o uso de máscaras, no entanto,  só aconteceu esta semana.

Outro traço de destaque em Jacinda Ardern é a sua capacidade de negociação. Ao liderar uma coalizão, ela precisa fazer acordos a todo momento com os líderes dos outros dois partidos. Esse comportamento conciliador tem sido a regra na política neozelandesa desde 1996, uma vez que nenhuma das siglas tem obtido maioria no parlamento. Assim, todos os políticos acabam sendo empurrados para o diálogo. “Ela em nada se parece com uma pessoa agressiva e está sempre buscando o consenso”, diz o analista neozelandês Grant Duncan, da Universidade Massey, que conhece Jacinda pessoalmente.

A falta de uma maioria entre os parlamentares, contudo, não resulta em compra de apoio ou no conhecido toma lá dá cá. Embora o Partido Trabalhista, de Jacinda, tenha sido acusado de irregularidades no financiamento da campanha para as eleições de 2017 (dois empresários fizeram doações adquirindo um quadro em um leilão, sem revelar suas identidades), não há negociações legislativas espúrias e as verbas públicas chegam fielmente aos seus destinos. No ranking da Transparência Internacional que mede a percepção da corrupção, a Nova Zelândia está na liderança, empatada com a Dinamarca (o Brasil está em 106º lugar, em um total de 198 países).

O sucesso em lidar com a pandemia elevou a popularidade de Jacinda Ardern para 63%. Nas eleições parlamentares marcada para 19 de setembro, estima-se que o seu partido vá conquistar 77 das 120 cadeiras. Neste momento em que a pandemia tem submetido governantes do mundo inteiro a um duro teste, seria uma conquista digna de nota.

Os comentários não representam a opinião do site. A responsabilidade é do autor da mensagem. Em respeito a todos os leitores, não são publicados comentários que contenham palavras ou conteúdos ofensivos.

500
Mais notícias
Assine agora
TOPO