DivulgaçãoMilitares em obra na BR-163, no Pará: se fosse uma empreiteira, o Exército estaria em segundo lugar no ranking de novos contratos

As novas campeãs

Depois do petrolão, que escanteou as grandes empreiteiras do país, o Exército e uma construtora com passado heterodoxo lideram os novos contratos de obras do governo federal
14.08.20

A presença militar na BR-135 virou rotina nas proximidades de São Luís, capital do Maranhão. Desde maio, homens fardados povoam a única via de acesso ao Porto do Itaqui, por onde escoa boa parte da exportação agrícola do centro-oeste brasileiro. Em vez de tanques e fuzis, os soldados pilotam tratores e usam pás para tapar buracos e, assim, evitar acidentes. Ação semelhante se repete em outros onze trechos de rodovias federais onde os batalhões de engenharia e construção do Exército foram convocados para a missão de pavimentar símbolos do desenvolvimentismo nacional. Com 235 milhões de reais em obras assinadas pela gestão de Jair Bolsonaro, a corporação já se tornou a segunda “empreiteira” mais contratada pelo atual governo.

A ascensão do Exército nas obras federais de infraestrutura está relacionada não somente à preferência do presidente pelo braço militar onde serviu por 15 anos antes de ingressar na política, mas também com a derrocada do cartel de grandes empreiteiras que dividiam os lotes rodoviários nos governos petistas e que foram apeadas pela Lava Jato. A BR-135 é um exemplo que une as duas pontas. O trecho de 16,3 quilômetros assumido há três meses pelos militares por meio de um convênio de 42 milhões com o Departamento Nacional de Infraestrutura e Transporte, o Dnit, fazia parte de um contrato de 354 milhões de reais assinado em 2012 com a construtora Serveng Civilsan pelo governo Dilma Rousseff. Uma obra que, no fim, consumiu mais de 500 milhões de reais e ficou inacabada.

Em março do ano passado, o ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, caminhou por um trecho da rodovia, que deveria ter sido duplicado até 2014. Além de abandonada, a obra exibia sinais de baixa qualidade, como o esfarelamento do asfalto. O ministro decidiu rescindir o contrato com a Serveng, que não apresentava mais condições de concluir o projeto, após ser acusada de integrar o megaesquema de corrupção, com evidências múltiplas, como pagamentos de propina ao senador Renan Calheiros, do MDB, com dinheiro desviado da Petrobras. O ministério, então, dividiu a conclusão do serviço em lotes. Um deles ficou com o 3º Batalhão de Engenharia do Exército, com sede no Piauí, que deve demorar mais dois anos para concluir seu trecho. “Já estamos mobilizando para atacar em várias frentes na BR-135/MA. Em algumas, contaremos com o Exército”, tuitou o ministro no início de junho.

Militar da reserva, Tarcísio recorreu ao Exército para promover adequações em estradas em mais quatro ocasiões desde que assumiu a pasta no governo Bolsonaro, em janeiro de 2019. Com o discurso afinado com o do presidente, ele começou a gestão destacando a atuação dos fardados no asfaltamento de um trecho da BR-163, no Pará, que a corporação assumiu em 2017, ainda no governo Michel Temer, depois de a obra ficar anos paralisada. O maior “contrato” do ministério com o Exército em andamento foi fechado em dezembro de 2018, quando Tarcísio, que já havia dirigido o DNIT após a “faxina ética” do governo Dilma, já tinha sido anunciado como ministro por Bolsonaro e comandava a transição na pasta. A duplicação da BR-116, na região próxima à fronteira com o Uruguai, deve ser concluída em 2022, ao custo de 207 milhões de reais.

Adriano Machado/CrusoéAdriano Machado/CrusoéTarcísio e Bolsonaro: as investigações do petrolão redefiniram o mercado de obras
Os BECs, como são chamados os batalhões de engenharia do Exército, surgiram na década de 1950 para executar obras militares e de infraestrutura regional em terras longínquas, onde construtoras privadas não se interessavam em atuar. A primeira delas foi uma ponte em Caicó, no Rio Grande do Norte, a 280 km da capital Natal. Hoje, os batalhões de engenharia do Exército detêm a segunda maior carteira de obras contratadas pelo governo Bolsonaro, ficando atrás apenas da construtora Meirelles Mascarenhas. Com 298 milhões de reais em novos contratos, a pequena empreiteira aberta no fim dos anos 1990, no Pará, também atua em obras rodoviárias em áreas afastadas do país, principalmente no norte do país. Os últimos três contratos assinados com o Dnit, em maio, envolvem obras de duplicação e recapeamento de rodovias federais no Amazonas, estado governado por Wilson Lima, do PSC, aliado do presidente Bolsonaro.

O próprio sócio da empreiteira, o empresário Ainesten Mascarenhas, não esconde sua veia bolsonarista nas redes sociais, compartilhando vídeos de blogueiros e parlamentares aliados do presidente que foram alvos dos inquéritos que investigam os atos antidemocráticos e as supostas fake news e ameaças contra ministros do Supremo Tribunal Federal, ambos conduzidos por Alexandre de Moraes. Assim como os batalhões do Exército, a construtora Meirelles Mascarenhas é um antigo executor de obras do governo federal, mas emergiu ao topo do ranking com a queda das grandes empreiteiras na teia da Lava Jato. Em 2015, por exemplo, a Justiça chegou a embargar uma obra tocada pela empresa no Amazonas, após uma ação do Ministério Público Federal e do Ibama, que alegaram danos ambientais causados pelo empreendimento.

A soma dos valores contratados com a construtora do Pará e o grupamento militar em um ano e meio de governo Bolsonaro é inferior ao que foi pago em único contrato com a Camargo Corrêa celebrado em 2011 no governo Dilma, para obras na transposição do Rio São Francisco. Hoje, nenhuma das gigantes tem novos contratos de obras com o governo federal, de um total de 4 bilhões de reais aplicados em mais cerca de 1.300 projetos. A ausência das chamadas empreiteiras da Lava Jato na atual carteira de obras do governo não significa, porém, que não existam contratos sob suspeita. Segunda empresa mais contratada na gestão Bolsonaro, com 202 milhões em negócios, a LCM Construção e Comércio foi alvo de uma operação da Polícia Federal em julho do ano passado, por suspeita de fraude nas medições de pavimentação feitas pelo DNIT em Rondônia. A operação chegou a prender funcionários do órgão federal e funcionários da construtora mineira.

Mesmo após a ação policial, o departamento de transportes assinou dois contratos sem licitação com a LCM na atual gestão, para realizar obras emergenciais no Maranhão e no Espírito Santo. Somando os valores pagos por contratos fechados pelo governo Bolsonaro com os negócios celebrados nas gestões anteriores, a empreiteira mineira já recebeu mais de 740 milhões do governo desde 2019, segundo dados do Portal da Transparência, o que faz dela a empresa líder em repasses de dinheiro para obras federais. Segundo a PF, só a operação deflagrada no ano passado conseguiu evitar que 12 milhões de reais fossem desviados dos cofres federais. O caso ilustra bem a necessidade de vigilância permanente sobre as obras públicas, mesmo quando, lá na ponta, estão empreiteiras pouco conhecidas, com contratos até modestos se comparados aos das gigantes de outros tempos.

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