O pesadelo vai continuar
No dia 1º de janeiro de 2019, o presidente a ser eleito em outubro próximo deverá fazer o circuito protocolar da posse, do desfile em Rolls Royce pela Esplanada dos Ministérios ao juramento e, finalmente, o discurso no parlatório do Palácio do Planalto. O cenário nebuloso não permite apostar, por ora, em quem será o protagonista do dia, mas é certo que, qualquer que seja ele, são imensas as chances de sua base parlamentar no Congresso ser integrada pelo chamado Centrão, um amontoado de partidos repletos de políticos enrolados em escândalos de corrupção. Após quase cinco anos de Operação Lava Jato, a megainvestigação que desnudou um dos maiores esquemas de desvio de dinheiro público do planeta, era de se esperar que as descobertas resultassem em algumas mudanças de comportamento por parte das excelências. Puro engano. Nos últimos dias, os principais candidatos à Presidência da República promoveram uma corrida ensandecida em busca do apoio de um legítimo representante do que há de pior na política nacional. Dono do PR, um dos principais partidos do tal Centrão, Valdemar Costa Neto virou a noiva predileta de praticamente todos os presidenciáveis com chances de ganhar as eleições. Independentemente da coloração partidária, de Jair Bolsonaro aos petistas do entorno de Lula, de Geraldo Alckmin a Ciro Gomes, eles se movimentaram freneticamente para tê-lo como aliado. Trata-se de um sinal eloquente de que, mesmo com a propalada onda anticorrupção trazida pela Lava Jato, os padrões de negociação da política brasileira não mudarão tão cedo.
Valdemar Costa Neto é conhecido por seu faro político. Sabe jogar o jogo do fisiologismo. Como os maiores partidos do Centrão, incluindo o igualmente notório PP e o Solidariedade de Paulinho da Força, decidiram que caminhariam juntos na campanha (uma forma de se fortalecerem e, assim, cobrarem um preço mais alto dos pretendentes), ele virou um dos mais importantes personagens da negociação. Condenado no mensalão e amplamente citado nas investigações do petrolão, Valdemar, até há pouco preso em regime domiciliar, passou a atrair a atenção — e também as ofertas — dos presidenciáveis. Assim, os destinos do Brasil passaram a ser traçados em sua confortável sala na sede do PR, encarapitada no alto de um dos mais conhecidos centros comerciais de Brasília. O endereço virou ponto de romaria para petistas, tucanos e bolsonaristas. A explicação para as conversas terem ocorrido na sede do PR guardam relação com a condição de Valdemar: publicamente um pária, mas um ás dos bastidores. Por ser um rosto conhecido e associado a escândalos, Valdemar não gosta de circular por restaurantes ou pelos conhecidos salões do poder — e pela mesma razão os políticos não gostam de ser vistos com ele. Daí a necessidade de que as tratativas ocorram, necessariamente, em seu bunker. Mais um péssimo sinal.
Paralelamente, o PT vislumbrava uma reedição da dobradinha que levou Lula ao poder nas eleições de 2002. Naquele ano, o empresário José Alencar, dono da Coteminas, uma gigante do setor têxtil, foi o vice do petista. Hoje, seu filho Josué Gomes é filiado ao PR e tratado como prata da casa nas negociações. Da cadeia, Lula deu aval para que o PT negociasse uma nova parceria com Valdemar. Coube ao ex-governador Jaques Wagner a tarefa de procurá-lo na sala da região central de Brasília. Na conversa, Wagner chegou a dizer que, com o impedimento de Lula de se candidatar, o próprio Josué poderia encabeçar a chapa, com um petista como vice. Os olhos de Valdemar brilharam. Logo na sequência ele ligou para Josué para dar a notícia. O PR poderia ter um de seus integrantes na cadeira mais importante do Planalto. Mas não demorou para que a ficha começasse a cair. Bastaram algumas reuniões para que Valdemar se desse conta de que os petistas jamais aceitariam não ter a cabeça de chapa. O recado transmitido por Jaques Wagner foi reiterado por outro visitante ilustre: Gilberto Carvalho, ex-chefe de gabinete de Lula. Se a dobradinha desse certo, os envolvidos também teriam de comprometer-se a garantir uma anistia para tirar o chefe petista da prisão, a despeito do custo político da medida. Valdemar disse que até toparia o acordo, desde que o PT formalizasse a proposta de o PR encabeçar a chapa em um documento com a assinatura de seus principais dirigentes. Seria uma forma de garantir o cumprimento da promessa. O temor era óbvio: confiar na palavra de Jaques Wagner e de Gilberto Carvalho e, depois, em sua convenção, o PT não chancelar o acerto. O documento, claro, nunca chegou. E Valdemar, o homem mais cortejado da República, seguiu adiante em suas negociações.
O show de horrores
A começar por Valdemar Costa Neto, os baluartes do fisiologismo na política nacional têm sido assediados pelos principais presidenciáveis, da esquerda à direita
Ainda havia outros dois interessados: Geraldo Alckmin e Ciro Gomes. O candidato do PDT sonhou alto com o apoio de Valdemar e do Centrão como forma de aliviar o temor que os setores produtivo e financeiro têm dele em razão das suas ideias extravagantes para a economia. Valdemar pensou e pensou. Mas foi o próprio Ciro quem fez sua cabeça. O dono do PR, na verdade, nunca gostou do pedetista. Em conversas recentes, disse que Ciro, no Planalto, repetiria Dilma Rousseff com seus arroubos de autoritarismo e arrogância. Ainda assim, fez as contas e chegou a considerar a possibilidade. Quando a negociação ainda estava em curso, Ciro soltou a língua contra uma promotora de São Paulo e, em seguida, se encheu de razão e enviou uma carta à Boeing pedindo que a empresa americana paralisasse as negociações para a compra da Embraer. Para Valdemar, que gosta de operar no silêncio, foram dois péssimos agouros. A avaliação foi de que seria questão de tempo para o próprio Ciro matar a sua candidatura, como já ocorreu no passado. Valdemar, de novo, pôs a fila para andar.
Restou, entre os pretendentes, Geraldo Alckmin. Valdemar costuma dizer que gosta do tucano, com quem mantém uma fraterna relação de longa data. Ao menos até agora, Alckmin parece ser o noivo escolhido. Nesta quinta-feira, o Centrão, com Valdemar à frente, fez saber que na próxima semana anunciará oficialmente o apoio ao ex-governador de São Paulo. Na véspera, o acerto começou a ser costurado por Marconi Perillo, coordenador da campanha de Alckmin. Em um jantar na casa do também enrolado Ciro Nogueira, do PP, o martelo seria batido. Como contrapartida ao apoio, o Centrão fica com o direito de indicar como vice de Alckmin o empresário Josué Alencar. Sim, caro leitor: no mercadão da política brasileira, o homem cujo nome estava dias antes na mesa de negociação como o parceiro dileto da chapa do PT virou o vice do candidato do PSDB. Horas depois do convescote noturno, um café da manhã na casa do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM), outro líder honorário do Centrão, selou a parceria. No fim do dia, com a decisão supostamente tomada, os chefões do grupo viajaram a São Paulo para conversar pessoalmente com Alckmin. “Eles virão conosco. Só ficaram de anunciar oficialmente na semana que vem para poderem conversar com as bases nos estados”, disse o tesoureiro nacional do PSDB, deputado Silvio Torres. O acerto ainda precisa ser formalizado nas convenções partidárias. Isso significa que o casamento, para se efetivar, ainda depende do papel passado – em se tratando da natureza dos envolvidos, nunca é demais esperar até o ultimíssimo momento.
Eleito seis vezes para deputado federal, Valdemar não completou o último mandato justamente por ter sido flagrado entre os mensaleiros de Lula. Para não ser cassado, renunciou. Era 2012. Ele decidiu não disputar eleições e, mais tarde, até se desfiliou formalmente do PR — pois é, o homem que manda e desmanda no partido nem filiado é. O ex-deputado não faz nenhuma questão de esconder sua condição de dono da legenda. Prova disso é a sua sala de estado-maior na sede nacional. Assim como o bruxo Voldemort, o grande vilão da cultuada série de J.K. Rowling, Valdemar parece gozar do dom da imortalidade – ao menos na política. Após cair no ostracismo por causa do mensalão, ele conseguiu retomar o protagonismo por dois motivos. Primeiro, por ser o mais experiente dos líderes do Centrão. Segundo, por inspirar confiança nos presidenciáveis – o ex-deputado é tido como um bom cumpridor de acordos.
Na equação da fisiologia, os partidos do Centrão exigem boas coligações regionais para elegerem o maior número possível de deputados federais. É esse número que vai estabelecer as fatias a que terão direito nos fundos partidário e eleitoral, além do tempo de TV nos próximos quatro anos. Uma bancada grande faz o partido ter direito a mais dinheiro público e a um tempo na propaganda eleitoral considerável o suficiente para que volte a ser cortejado nas próximas eleições — é assim que o sistema se retroalimenta. A outra fatura envolve justamente a distribuição de cargos, em especial aqueles que incluem polpudos orçamentos. As razões disso os brasileiros conhecem bem. Mas os presidenciáveis, como se vê, não parecem muito preocupados. É um país de Valdemortes.
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