ReproduçãoNos tempos áureos, com o PT no governo, Cortegoso andava de Porsche conversível. Agora, empresas ligadas a ele voltaram a faturar com dinheiro do fundo partidário

A volta do garçom do PT

Carlos Cortegoso, o ex-garçom algumas vezes pilhado em escândalos petistas, reaparece no mesmo figurino: ligado a empresas obscuras que recebem milhões do partido
24.07.20

Uma das bandeiras históricas do PT é, justamente, produzir bandeiras. Ao longo de décadas, o partido de Lula torrou milhões de reais para aparelhar a sua militância com acessórios como as conhecidas flâmulas vermelhas com a estrela símbolo da legenda. Era uma forma de fazer dinheiro. O volume de recursos gastos com a confecção de materiais de campanha por empresas de parceiros antigos de negócios, principalmente em ano eleitoral, levantou suspeita sobre os contratos milionários celebrados pela sigla nos últimos anos. Emissão de notas frias e pagamentos feitos por fora por fornecedores do governo petista, muitos réus confessos, são alguns dos indícios de que as gráficas contratadas pelo PT funcionaram como peça-chave na engrenagem de corrupção do partido. Esperava-se que o cerco da Lava Jato sustaria o esquema. Mas, ao que tudo indica, isso não aconteceu.

Um levantamento feito por Crusoé na prestação de contas do diretório nacional do PT, entregue no mês passado ao Tribunal Superior Eleitoral, constatou que o partido presidido por Gleisi Hoffmann gastou 4,48 milhões de reais com três empresas que produzem materiais como bandeiras e camisetas e organizam eventos. Todas elas estão registradas no nome de um irmão do empresário Carlos Roberto Cortegoso, que ganhou o apelido de “garçom de Lula” por ter trabalhado em um restaurante em São Bernardo do Campo, berço político do líder petista, na década de 1980. Cortegoso era o dono oculto das gráficas contratadas pelo PT até 2014 – uma delas estava registrada no nome da filha e de um motorista dele. Só naquele ano, ele recebeu 24 milhões de reais da campanha de Dilma Rousseff. Foi o segundo maior fornecedor do partido, atrás apenas do marqueteiro João Santana.

Em 2016, a Focal, antiga gráfica de Cortegoso, foi alvo de uma operação da Polícia Federal, no inquérito aberto no TSE que investigava fraudes na campanha petista e que poderia resultar na cassação da chapa Dilma-Temer. O pedido foi negado pela corte no ano seguinte, quando o ex-presidente Michel Temer já havia assumido o comando do país com apoio do PSDB, autor da ação. Dados da quebra de sigilo fiscal do empresário já haviam detectado uma movimentação 69 vezes maior do que o rendimento declarado por ele à Receita Federal. Hoje, Cortegoso é réu em um processo criminal decorrente da Operação Custo Brasil, na qual é acusado de receber 309 mil reais de propina no esquema envolvendo a gestão de crédito consignado no Ministério do Planejamento, na gestão de Paulo Bernardo, ex-marido de Gleisi Hoffmann. Em depoimento à Justiça, o “garçom de Lula” admitiu ter recebido o dinheiro, mas disse que era um pagamento feito por fora pelo PT para saldar uma dívida de campanha.

ReproduçãoReproduçãoA KM 17 é registrada no mesmo conjunto onde funciona a loja oficial do PT
O nome de Cortegoso aparece vinculado a escândalos petistas desde o mensalão. Em 2006, ele figurou na lista de recebedores de dinheiro do esquema operado pelo publicitário Marcos Valério: 400 mil reais que teriam sido desviados de contratos públicos para pagar material de campanha do PT. Pouco tempo depois, se envolveu em transações imobiliárias suspeitas ao comprar sete propriedades do pecuarista José Carlos Bumlai, amigo de Lula, pelo valor de 2 milhões de reais. As aquisições teriam sido feitas para ajudar parceiros do ex-presidente por meio de uma operação de lavagem de dinheiro.

Após caírem na teia da Lava Jato, as empresas de Cortegoso saíram de cena, mas os negócios com o PT continuaram. Desde dezembro de 2014, três empresas foram abertas pelo irmão dele, Paulo Cortegoso, para fornecer os mesmos serviços ao partido. Apesar disso, ainda é Carlos Cortegoso, conhecido como “Carlão”, quem cuida dos acertos políticos com o partido, pela longa amizade que tem com lideranças petistas, como o ex-tesoureiro João Vaccari Neto. A relação é tão próxima que uma das novas empresas dos Cortegoso, a KM 17 Projetos Visuais, está registrada no mesmo endereço da loja oficial do PT, no centro de São Paulo. A rua é a mesma do diretório do partido. Das três firmas criadas após o início da Lava Jato, a KM 17 foi a que mais recebeu dinheiro do partido no ano passado: 2,8 milhões de reais.

Quase metade dos repasses feitos pelo diretório nacional do PT a Cortegoso saiu da cota do fundo partidário destinada à promoção de política para as mulheres. Só um evento realizado em agosto do ano passado, em Natal, rendeu mais de meio milhão de reais ao empresário. Na ocasião, as três empresas foram contratadas para fornecer itens como copos de drinks, sacolas de tecido e camisetas. Em outros eventos, foram gastos 218 mil reais com a compra de lenços tipo echarpe para a militância feminina do partido. Também foram feitos pagamentos para a compra de leques e tatuagens. E para não fugir à regra, outros 455 mil reais foram gastos com a confecção das tradicionais bandeiras vermelhas.

Pedro Ladeira/FolhapressPedro Ladeira/FolhapressJoão Vaccari, ex-tesoureiro petista, é amigão do “garçom de Lula”
Os registros enviados ao TSE mostram ainda que o PT usou 562 mil reais do fundo partidário de 2019 para quitar dívidas de campanha de 2018 com as empresas de Cortegoso. Uma delas foi a de Fernando Haddad, derrotado por Jair Bolsonaro na corrida presidencial. Entre os serviços pagos pelo partido, mais uma vez, estavam as “históricas bandeiras” petistas, além de adesivos e da montagem de um evento nos Arcos da Lapa, no Rio de Janeiro, durante o segundo turno.

Apesar do histórico de irregularidades envolvendo fornecedores contratados pelos partidos e os próprios dirigentes contratantes, a fiscalização sobre as contas partidárias se resume, na imensa maioria dos casos, a análises contábeis sobre um enorme emaranhado de documentos juntados pelas legendas. Esquemas envolvendo conhecidos operadores continuam ocorrendo por meio de empresas em nome de laranjas, assim como contratações de firmas registradas no nome dos próprios dirigentes ou filiados, com dinheiro público. Há casos com valores superfaturados e notas frias. Sem uma apuração mais acurada e menos burocrática, não há punição sobre eventuais crimes e as próprias sanções aplicadas às legendas pelo Justiça Eleitoral, como devolução de recursos do fundo partidário e pagamento de multas, são tardias.

Somente em abril deste, por exemplo, o TSE votou e reprovou as contas do Partido Progressista de 2013. No ano anterior, a fiscalização sobre a legenda chegou a motivar uma investigação por suspeita de fraude, na qual um ex-coordenador teria recebido propina para fazer vista grossa sobre os desvios cometidos pela sigla. Apenas casos muito escandalosos, como a compra de um helicóptero com verba pública pelo ex-presidente do Pros, Eurípedes Júnior, costumam resultar em inquéritos policiais. Destituído do cargo, ele foi acusado de desviar 5 milhões de reais do fundo partidário para comprar pertences para sua família, como carros e aparelhos de ginástica, fato mostrado mostrado por Crusoé no início do ano. Com o incremento de dinheiro público para partidos políticos, após a proibição das doações empresariais a partir de 2016 (só de fundo eleitoral serão 2 bilhões de reais), um olhar com lupa sobre a destinação dos recursos torna-se ainda mais necessária. O “garçom de Lula” não iria gostar, evidentemente, mas é algo que pode fazer muito bem aos cofres públicos.

Com reportagem de Fabio Leite.

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