Adriano Machado/Crusoé

A desilusão de um ex-aliado

O senador que era fiel apoiador de Jair Bolsonaro se diz frustrado com o presidente e revela pressões e detalhes de uma proposta milionária em emendas para votar com o governo
24.07.20

Há 14 anos na vida pública, o senador Major Olimpio, do PSL paulista, nunca foi de medir as palavras. Nesse aspecto, ele lembra o presidente Jair Bolsonaro, de quem já foi aliado de primeiríssima hora. Se, em nome da sobrevivência, Bolsonaro mudou, aderindo ao pragmatismo político e fechando a boca para evitar atritos com o Congresso e o STF, Olimpio também mudou. De lado. Hoje, ele se diz completamente decepcionado com o presidente que ajudou a eleger.

O senador afirma que “rompimento de ordem pessoal” ocorreu por ele ter sido pressionado pelo presidente a retirar sua assinatura da CPI da Lava Toga, a não ir adiante com pedidos de impeachment de ministros do STF e a defender o filho 01, Flávio Bolsonaro, na arena do Senado. “Eu acreditava que o Flávio era o filho problema e o Bolsonaro estava protegendo o filho. Hoje, eu não tenho mais essa ilusão. Na minha visão, ele era um gerente financeiro de uma holding familiar”, afirmou Olimpio nesta entrevista a Crusoé. De acordo com o parlamentar, graças ao novo estilo Bolsonaro de operar, o que se observa em plena luz do dia no Congresso é um desavergonhado toma-lá-dá-cá, o que só tem contribuído para aumentar sua desilusão com o governo. “Não tem esse negócio de Centrão, não. Ali, estão entregando (cargos) para quem quiser e quem votar. É o toma-lá-dá-cá da pior forma possível”, disse.

Major Olímpio também detalha uma abordagem nada republicana de uma pessoa autorizada a falar em nome do governo. “Me mostraram a planilha. Disseram: ‘Olha, não tem problema nenhum, é só colocar aí. Teve o toma lá? Tá aqui! O dá cá vem depois”, contou. Segundo o parlamentar, a oferta aos senadores era de 30 milhões de reais em emendas. Dinheiro da Saúde e que deveria ter sido usado para combater o avanço da Covid-19 no país, diz. Depois de ele perguntar para onde iria a verba, o interlocutor escalado pelo governo respondeu: “Isso aí vai para as suas bases. Onde indicar, vamos pagar em 30 dias”. Eis os principais trechos da entrevista:

O que decepciona o sr. no Senado?
O Senado é o responsável pela eventual apuração de condutas do STF, da PGR, pela instalação de uma CPI como a da Lava Toga. Para mim é frustrante não ver nenhuma dessas coisas acontecer pela própria realidade da interpretação do regimento interno do Senado, que acaba colocando nas mãos do presidente, unicamente, a decisão sobre dar encaminhamento de um requerimento desses feitos por qualquer cidadão ou por qualquer senador. Eu mesmo já entrei com pedido de impeachment do Dias Toffoli, presidente do STF. Foi engavetado. Temos lá 28 pedidos diferentes engavetados, que não serão encaminhados jamais. Isso acaba gerando impunidade, omissão do Senado.

O que achou de a Polícia Federal ter sido barrada na porta do Senado para cumprir um mandado de apreensão no gabinete do senador José Serra?
Com a atual legislação, ele (Davi Alcolumbre) agiu corretamente e preservou a instituição. Por que eu estou dizendo isso? Está lá na Câmara e o Senado já votou o fim do foro privilegiado, ou do foro especial. Enquanto estamos com a atual legislação, o juiz de primeira instância ou de primeiro grau, que é o caso, determinar buscas dentro do Senado seria, em tese, impróprio. Eu defendo que a legislação seja mudada, mas com a atual sou obrigado a defender a atitude do presidente do Senado, que preservou o Senado, e buscou no STF essa interpretação. Mas ela só existe porque não se mudou a legislação. A população está gritando o tempo todo. Faz quase dois anos que o Senado já votou o fim do foro privilegiado e está dormitando na Câmara, não há interesse da Câmara, nem interesse do governo Bolsonaro de votar o fim desse foro. O próprio filho (do presidente) foi buscar foro especial por nove ou dez vezes, agora para se safar de procedimentos que são apurados no Rio.

Como enxerga a atuação de grupos de interesse privado junto a senadores? O sr. se incomoda com isso?
Acho que nós temos que fazer a regularização. Tem projetos que já estão bem avançados. Tem que aprovar e regularizar o lobby, como vários países fazem. Nos Estados Unidos, o cara te dá um cartão de lobby, por exemplo. Seria mais transparente do que as situações de bastidores que quando ganham a opinião pública são só nos casos de escândalos. Tem que coibir aqueles que estão usando a condição e muitas vezes o mandato para manipular, favorecer. Mas as pessoas levarem ao Congresso seus legítimos interesses, como sindicatos de trabalhadores, sindicatos patronais, entidades representativas, é normal. Como casa do povo, tem que ser ali mesmo a caixa de ressonância onde vai se discutir. Defendo a transparência total disso.

O sr. se frustrou com o presidente Jair Bolsonaro porque ele atrapalhou seus planos de concorrer a governo de São Paulo?
Eu nunca escondi de ninguém que meu desejo era disputar o governo de São Paulo, mas fiquei frustrado, desiludido, decepcionado com o Bolsonaro, como pessoa, em relação ao que aconteceu comigo. Tivemos um rompimento de ordem pessoal justamente por ele me pressionar para tirar assinatura da CPI da Lava Toga, para retirar pedidos de impeachment contra ministros do STF, para defender o filho. É lógico que eu não tinha a menor força para disputar com o presidente. Fui sendo arrebentado, e continuo sendo, por seus grupos mais radicais, o gabinete do ódio que constantemente me ataca exatamente porque eu quero distância desses crimes, como corrupção, desvio de dinheiro. Rachadinha é crime, sim, por mais que se tente dizer que não. Hoje, eu tenho uma visão clara que eu não tinha. Eu acreditava que o Flávio era o filho problema e o Bolsonaro estava protegendo o filho. Hoje, eu não tenho mais essa ilusão. Na minha visão, ele era um gerente financeiro de uma holding familiar. Essas coisas me decepcionaram demais. Então, eu acabei desistindo de planos futuros. Eu pretendo terminar meu tempo de mandato, se tiver saúde, em 2026, e parar na atividade política.

A desistência se deve à desilusão com o presidente?
Eu fui atacado demais por esses grupos bolsonaristas, normalmente com fakes, ataques à honra, à família, coisas que são bárbaras. Melhor enfrentar o criminoso nas ruas de arma na mão do que esses criminosos atrás de um computador, a grande maioria paga com dinheiro público, usando gabinetes de parlamentares, ou financiados por empresários que têm seus interesses satisfeitos pelo governo, o que é uma podridão sem tamanho. Eu acabei, por consequência, sendo atacado também pelos próprios policiais, no caso os PMs de SP, que são o meu nascedouro na história de luta, defendendo a Polícia Militar e seus integrantes. Acabei sendo atacado como se eu fosse o pior dos seres humanos. Um lixo, como dizem esses grupos. Isso me magoou demais, a ponto de falar: “Eu vou prosseguir numa luta em que estou por causa de quem está me atacando? Estou alimentando meu carrasco”. Quando eu me desiludi com ele (Bolsonaro), perdi a última esperança. Eu não tenho mais ambições nem ânimo para disputar um cargo executivo. Para mim, chega.

Simon Plestenjak/UOL/FolhapressSimon Plestenjak/UOL/Folhapress“Na minha visão, ele (Flávio) era um gerente financeiro de uma holding familiar”
Quando apoiava o governo, o sr. chegou a presenciar a atividade do tal gabinete do ódio?
Não cheguei a presenciar fisicamente a atuação dessas pessoas. Mas há pessoas ligadas ao presidente que são funcionários identificados, tiveram páginas derrubadas pelo Facebook. Há investigações que correm no STF em dois inquéritos. Um deles eu não acho próprio porque o Alexandre de Moraes faz o papel de delegado, promotor e juiz, mas conteúdos que estão identificados ali demonstram uma organização. Usam dinheiro público, funcionários públicos, têm sua multiplicação com parlamentares nos estados. Eu não tenho dúvida de que é uma organização criminosa e o cérebro dela ou mentor é o Carlos Bolsonaro, filho do presidente, e ali tem funcionários nomeados em todos os níveis com acesso ao presidente e que passam o tempo todo atacando pessoas ou instituições como atividade remunerada pelo poder público.

O governo tentou uma reaproximação com o PSL. As investidas continuam?
Não tem esse negócio de Centrão, não. Ali, estão entregando para quem quiser e quem votar. É o toma-lá-dá-cá da pior forma possível. E eu vejo alguns parlamentares dentro do PSL que ficam igual a cadelinha no cio cercando mesmo o presidente e o palácio, que vão se reaproximar, dar uma de amiguinho de novo. Estão correndo atrás de carguinho, sim. Eu não aceito isso. O presidente, que saiu do partido, saiu batendo, chamando o partido de corrupto, que não prestava contas. Todas mentiras que foram buzinadas pelo próprio presidente, por seus filhos. A ideia era se apoderar do partido mesmo por causa de dinheiro do partido para advogados.

O PSL agora questiona os pagamentos a advogados ligados ao clã, mas antes do racha não existia uma certa leniência com esses contratos?
Se havia leniência, eu não sabia. Fiquei sabendo posteriormente desse tipo de contrato em que o advogado não prestava serviços e só fazia a expedição de notas fiscais. São condutas criminosas. Se houve condescendência em algum momento, foi uma condescendência criminosa, porque o dinheiro é público. É fundo partidário, e o dinheiro é público. Aqui em São Paulo há uma ação em curso contra a Karina Kufa (advogada do presidente) e o Eduardo Bolsonaro, que era o presidente (do diretório estadual) porque ela não prestou serviços e teve contratos. O Flávio, no Rio, pagou 540 mil em 13 meses para um cara que era até do gabinete dele e não tem serviços prestados.

O sr. vê semelhanças do governo Bolsonaro com os governos petistas em relação a essas práticas?
Ganhamos a eleição com discurso de combate à corrupção. Esse discurso foi totalmente anulado no governo Bolsonaro depois que o Sergio Moro começou a ser esvaziado como ministro. Primeiro houve a retirada do Coaf das mãos do Moro, depois a sanção do pacote anticrime. Foram solapados os conteúdos defendidos pelo Moro, foram alterados requisitos para prisão preventiva, a lei de delações, veio a instituição do juiz de garantias. Tudo com a sanção do presidente. Ainda teve a retirada de dirigentes da PF. Não precisa fazer um inquérito par ver o óbvio. Em 15 de agosto de 2019, eu tive uma reunião com Bolsonaro no gabinete dele e ele me disse que queria tirar o cara do Rio. Para que era, eu não sei. Mas ele me disse: “Eu vou tirar”. O Moro era uma cintura de aço. Ele não aceita nada. É lógico que nos governos do PT eu vi se institucionalizar a sacanagem. O aparelhamento era total. Agora, está se fazendo o mesmo. Por que alguém quer o Fundo Nacional de Desenvolvimento Escolar? Porque tem 58 bilhões de reais por ano, mais do que o orçamento da maioria dos estados brasileiros. Por que se quer a direção da Funasa? O Departamento de Desenvolvimento de Obras contra a Secas? Estão indo ao filé mignon, onde é possível ter margem de ganhos. E o resultado é horrível para o país. Pode dizer: estamos um ano e pouco sem escândalos aparentes de governos. Mas a senha que está sendo dada é da permissividade e não do controle.

O sr. se arrepende de ter apoiado Bolsonaro nas eleições?
Não posso dizer que estou arrependido. Estou por demais entristecido com tudo o que aconteceu e o que eu vejo. Até torço todos os dias para que se alinhem, que o governo termine, mas o nosso discurso ficou muito distante da realidade. Então, eu acreditava mesmo, devo minha eleição ao Jair Bolsonaro, e ele cobra isso o tempo todo. Sou agradecido e devo, sim, a eleição. Mas trabalhei para merecer, fiz a chapa sozinho em São Paulo, porque meu partido estava impedido de funcionar pela Justiça Eleitoral, organizei e, após o atentado contra o presidente, trabalhei mais de 20 horas por dia fazendo a campanha no estado. Eu era o azarão com sete segundos de tempo de TV, sem dinheiro, sem usar fundo de financiamento de campanha. Fiz na certeza de que precisava ajudar a eleger o Jair Bolsonaro, e não porque eu queria me eleger. Se tivesse que fazer tudo de novo, faria. Mas se eu soubesse de condutas que eu sei do presidente hoje, talvez nem aceitasse ter migrado de partido para acompanhá-lo. Disso eu não sabia.

Adriano Machado/CrusoéAdriano Machado/Crusoé“Era uma armadilha para prender o rabo. Para que na hora em que eu falasse em toma-lá-dá-cá, pudessem dizer: ‘Você aceitou’”
Recentemente, o sr. denunciou uma abordagem pouco republicana do governo. Como foi?
Agora mesmo, denunciei 30 milhões de reais que foram dados para os senadores, em emendas. Quando falaram comigo, eu perguntei: “ É para todos os senadores?” E aí disseram que não. Respondi: “Então não aceito”. A abordagem partiu de alguém falando em nome do governo. Me mostraram a planilha. Disseram: “Olha, não tem problema nenhum, é só colocar aí. Isso a troco do quê? Teve o “toma lá”? Tá aqui! O “dá cá” vem depois”. Mas usar verba da Covid 19? O que me emputeceu verdadeiramente? Perguntei: “Para onde essa verba vai?” Responderam: “Isso aí vai para as suas bases. Onde indicar, vamos pagar em 30 dias”. Então, não é nem onde precisa para salvar vidas, seguindo critérios técnicos do Ministério da Saúde. É onde dá voto ou onde foi a campanha do senador e do deputado. Isso é podre! É a pior forma de toma-lá-dá-cá, que é com a vida de pessoas.

Quem era o interlocutor?
Era alguém que tem condição de falar pelo governo. Eu vou preservar o carteiro e estou falando do conteúdo da carta. E eu quero que alguém me desminta. E ninguém até agora me desmentiu. Ninguém. Eu quero que o cara me diga (que é mentira). O presidente, o Pazzuelo, quem ele quiser: “Isso não aconteceu, o oferecimento de 30 milhões de saúde para o Olímpio, para vários senadores e para os deputados”. Eu fiz questão de dizer “não” porque era uma armadilha para prender o rabo. Para que na hora em que eu falasse em toma-lá-dá-cá, pudessem dizer: “Você aceitou”.

Acredita que o presidente chega ao fim do mandato?
Hoje não há mobilização das ruas porque tem o isolamento social. Hoje, não tem clima. E não tem motivação política. O Bolsonaro eternamente vai nos ofender, vai atacar as instituições, ele cria um inimigo por dia, nós vamos votar o que o Brasil precisa e ele que se dane na dele e a gente na nossa. Esse já é voz corrente. Nem situação, nem oposição. Hoje, a oposição, de forma muito acomodada, não quer um processo de impeachment. De verdade, não quer. O Bolsonaro avalia que, fazendo o que fizer, chega em 2022 com 30%. É uma avaliação dele, do grupo dele e de vários analistas. Ele está no segundo turno. Já a esquerda, a oposição, pensa que se botar um poste para disputar, com a esquerda unida, também vai estar no segundo turno. Então, um já escolheu o adversário para o outro. Por que os dois lados saíram batendo de arrebentar no Sergio Moro quando ele saiu do governo? Porque o Sergio Moro pode representar aquele cara que vai jogar areia na farofa dos dois. Se ele entra na disputa, pode deixar ou o Bolsonaro fora da disputa ou deixar o PT e a esquerda fora do segundo turno. Então, os dois lados entenderam: tem que moer. Hoje, eu não vejo condição para um impeachment. Se ele ganha a reeleição? A minha avaliação é que não ganha.

E qual é a sua opinião sobre a forma como o governo vem conduzindo o combate à pandemia?
O pessoal dele (de Bolsonaro) vive atacando o mundo para continuar insistindo que é só dar cloroquina para o povo que não precisava ter isolamento, que está tudo perfeito. Eu acho particularmente que houve erros. Ele como presidente estimulando e comparecendo em manifestações públicas, e confundindo a população, e trocando dois ministros, mandando o laboratório do Exército produzir 2 milhões de cápsulas de cloroquina. É uma coisa entristecedora. Por outro lado, tem governadores aí que também quiseram fazer uma média, como o (Wilson) Witzel e o (João) Doria, e destruíram a economia principalmente no interior dos estados, o que vai gerar, depois da pandemia, o pandemônio da economia e, possivelmente, graves crises até de ordem social. Em mais alguns dias, a gente vai passar de 100 mil mortos. É uma catástrofe enorme de saúde pública, e não estou vendo medidas concretas para a restauração da economia. Em determinado momento as pessoas vão acordar e começar a cobrar as responsabilidades do presidente.

Em 2016, o senhor gritou “vergonha” em meio à posse do ex-presidente Lula durante o governo Dilma Rousseff. Esse grito está novamente na garganta?
Olha, algumas vezes. E não queria dizer que não pode acontecer. Já me senti envergonhado algumas vezes por condutas e ações do Bolsonaro ou do governo. Mas no momento em que eu sentir que possa ser necessário de novo, eu não tenho o menor preconceito de realizá-lo novamente, talvez com intensidade maior ainda.

Os comentários não representam a opinião do site. A responsabilidade é do autor da mensagem. Em respeito a todos os leitores, não são publicados comentários que contenham palavras ou conteúdos ofensivos.

500
Mais notícias
Assine agora
TOPO