FelipeMoura Brasil

O banditismo protegido

17.07.20

“O homem sábio, a quem de uma parte pesa a causa da saúde pública, e da outra as grandes despesas do Estado a promover, não se limita às ideias dos outros, e procura os dados para formar o seu juízo mais certo.”

Foi o que escreveu o português Manoel Vieira da Silva em “Reflexões”, de 1808, o primeiro texto médico publicado no Brasil. Formado na Universidade de Coimbra, Vieira da Silva foi encarregado por D. João VI de averiguar as causas próximas ou remotas das moléstias que então grassavam no Rio de Janeiro.

Jair Bolsonaro, ante uma pandemia, preferiu limitar-se às ideias negacionistas de Olavo de Carvalho, como “você não tem um único caso confirmado de morte por coronavírus” (22/3) e “no dia em que o Coronga vírus matar mais de setenta mil pessoas por ano, admitirei que ele é um problema tão grave quanto o banditismo protegido pelos críticos parlamentares, judiciais e jornalísticos do nosso presidente” (31/3).

O coronavírus, até meados de julho, já matou mais de 75 mil pessoas no Brasil, enquanto dois ministros da Saúde que eram médicos se recusaram a seguir o negacionismo presidencial; e o terceiro, o general Eduardo Pazuello, só esteve em reunião com Bolsonaro duas vezes, mesmo assim na presença de outros ministros, como informou O Antagonista. Nesse tempo, Bolsonaro preferiu resolver suas questões pessoais, como a prisão e a soltura de Fabrício Queiroz, seu amigo há 35 anos que centralizava a rachadinha no gabinete do filho 01, Flávio Bolsonaro, na Alerj.

Queiroz foi protegido por João Otávio de Noronha, o presidente do STJ que disputa uma vaga no STF e que havia negado, ele próprio, o benefício a presos provisórios, incluindo idosos e gestantes, mesmo com problemas de saúde e pandemia. Já Flávio, investigado por peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa, foi protegido com foro privilegiado retroativo pela 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e pediu ao STF que mantenha a blindagem antes criticada pela família Bolsonaro.

O conservador britânico Roger Scruton, ao elogiar o estadista e pai do conservadorismo Edmund Burke como “uma das figuras extraordinárias do século XVIII”, escreveu: “Não é provável que hoje um homem como este chegasse a ter um cargo político. O processo democrático prefere o superficial, o semianalfabeto e o aceitável ao culto e sábio.”

Para o diplomata e escritor José Oswaldo de Meira Penna, o conservador norte-americano é “um dos que, com maior ardor, sustenta a necessidade de uma postura pragmática na apreciação histórica e na análise objetiva dos acontecimentos contemporâneos”, em razão de Russel Kirk ter adotado a postura burkeana segundo a qual é necessário “ver as coisas” e “ver os homens”, ou seja, a realidade concreta, antes de tomar uma posição”, o que é um conselho “imprescindível aos estadistas prudentes e sábios que desejem formular grandes projetos políticos”. O princípio duradouro que Kirk viu na obra de Burke é que, para o estadista, a prudência é a virtude primária.

A sabedoria conservadora e a prudência de estadistas e médicos, sobretudo diante do desconhecido, porém, são o avesso do bolsonarismo, que, assim como o esquerdista moderno descrito por Scruton em “Pensadores da nova esquerda” (1985), “tem uma necessidade permanente de um inimigo. Seu sistema é o da destruição”.

Eu, Felipe, a despeito das tentativas boçais de Olavo de Carvalho de me associar a um ex-presidente do PT e a um blogueiro antibolsonarista preso, necessito apenas expor os dados da realidade para que cada leitor possa formar o seu juízo mais certo, sem o menor pudor em contrariar e incomodar passadores de pano de “corrupçãozinha” e demais cheerleaders de políticos superficiais e semianalfabetos.

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