RuyGoiaba

Há vantagem evolutiva em ser otário?

17.07.20

“Todo dia saem de casa um malandro e um otário: quando os dois se encontram, alguém faz negócio”, diz a sabedoria popular, essa contradição em termos. Nesse caso, a frase está certíssima, mas desatualizada. Hoje o otário não precisa sair de casa para ser enganado — aliás, com coronavírus por aí tudo, nem é bom que saia, a não ser que seja MUITO otário. Graças à internet, pode ser enganado em casa mesmo, no conforto do lar, e até pedir delivery de engano entregue na porta. O resultado — perder dinheiro — ainda é o mesmo.

Há exemplos disso todo dia, mas um dos mais exemplares (o pleonasmo é 100% proposital) foi o “golpe dos bitcoins” que aconteceu no Twitter nesta quarta-feira, 15. Resumindo a história para quem não leu, as contas verificadas (ou seja, oficiais) de várias personalidades — Bill Gates, Elon Musk, Barack Obama, Joe Biden e Kanye West, entre outras — foram hackeadas e reproduziram a mesma mensagem básica: a personalidade X estava se sentindo “generosa” e, diante da pandemia da Covid-19, queria “retribuir” o apoio da comunidade.

“Dobro qualquer pagamento BTC [com bitcoin] enviado para o meu endereço BTC na próxima hora”, prosseguiam os tuítes. “Você envia US$ 1.000, eu envio de volta US$ 2.000! Somente pelos próximos 30 minutos.” É possível que pessoas tenham lido esse anúncio de DINHEIRO FÁCIL sem desconfiar, nem por um minuto, que talvez houvesse algo errado com as contas oficiais dessa turma? Sim. É tão possível que, de acordo com o New York Times, elas doaram mais de US$ 100 mil aos golpistas antes que o Twitter se desse conta do que estava acontecendo e tomasse alguma providência contra os cibermalandros.

Mesmo considerando que grandes calamidades públicas predispõem as pessoas a serem mais generosas — e, por isso mesmo, a caírem mais facilmente na conversa de golpistas —, a propensão da gente a acreditar, mesmo entre os alegadamente mais céticos de nós, é um negócio impressionante. Acreditamos em “notícias” de WhatsApp que coincidentemente dizem aquilo mesmo que queremos ler, em remédios milagrosos, na curiosíssima noção de que você não fica doente de Covid-19 se não fizer o exame e até em discurso de político brasileiro, a ponto de torcer por alguns como se fossem times de futebol.

Gostaria muito de um dia saber de algum biólogo evolucionista, esse pessoal que veste a camisa do Darwin Futebol Clube, se há alguma vantagem evolutiva — contrária a todo o senso comum — em sermos otários. Pelo visto, a seleção natural está escalando seus jogadores ainda pior que o Dunga ao escalar a seleção brasileira: continuamos por aí sendo miseravelmente enganados, ajudando a espécie a se reproduzir e colocando no mundo mais pessoinhas otárias, que por sua vez também ficarão à mercê de malandros predadores. Aquela coisa de “melhorar o pool genético da humanidade” parece só acontecer em casos como o do padre dos balões, o grande campeão brasileiro dos Darwin Awards, que provavelmente já não se reproduziria de qualquer jeito.

O que me obriga a admitir: no fundo, todos nós somos o padre dos balões, voando por aí pendurados em bexigas de festa e sem GPS, geralmente na direção errada. Talvez com um tantinho mais de sorte — mas nem sempre.

***

A GOIABICE DA SEMANA

A reportagem de André Spigariol saiu na Crusoé da semana passada, mas vale o registro aqui: nosso glorioso governo federal acreditou no golpe do “e-mail do príncipe nigeriano” e mandou técnicos do Ministério da Economia analisarem uma proposta de doação de US$ 500 bilhões. Houve pedidos de tradução, um mês de idas e vindas entre o Planalto e o ministério e, por fim, uma nota técnica para dizer basicamente “isso é fraude, sua besta” de um modo mais educadinho.

O bolsonarismo no poder continua sendo um forte indício de que, no Bananão, nem a seleção natural está funcionando como deveria.

Marcos Muniz/FlickrMarcos Muniz/Flickr“Ô, Guedes! Recebi uma proposta aqui que vai resolver nossos problemas, talquei?”

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