Carlos Fernandodos santos lima

Façam suas apostas

26.06.20

Ainda estamos na primeira metade do mandato de Jair Bolsonaro e as apostas sobre a sua sucessão já estão sendo feitas. Os jogadores, como em uma disputa de pôquer, escondem firmemente suas cartas, pois ainda é cedo para iniciar qualquer campanha. Mas, sentindo cada vez mais a fraqueza da mão do presidente, que de franco favorito para a sucessão agora parece enfraquecido a ponto de não se ter certeza se chegará a 2022 ainda no cargo, a mesa já foi aberta. Pode ser cedo, mas o jogo já começou.

Alguns jogadores ainda nem se sentaram à mesa, esperando o momento propício para isso. Outros nem sequer se levantaram da rodada anterior. Neste último grupo, estão o próprio Bolsonaro e seus principais rivais à esquerda, Marina Silva, Ciro Gomes e Fernando Haddad. É certo que Haddad ainda não deixou de ser mero boneco ventríloquo de Lula e, por isso, de repente, pode ser substituído pelo dono de sua voz, mas o ex-presidente ainda precisa enfrentar uma batalha jurídica de resultado incerto, pois, nos termos da Lei da Ficha Limpa, está inelegível.

As potências partidárias do passado, no entanto, caminham hoje para a irrelevância. O PSDB já de algum tempo não tem qualquer significância eleitoral fora do seu feudo paulista. O PT, por sua vez, parece incapaz de sair da sombra de Lula, que se tornou um ativo tóxico por encarnar todos os crimes revelados da operação Lava Jato. Os demais outrora grandes partidos, PMDB e DEM, vão continuar com sua vocação adesista, preferindo juntar-se ao vencedor a realmente apostar em um candidato próprio. Da mesma forma acontece com os partidos do denominado Centrão, que só existem para criar dificuldades e tentar vender facilidades aos novos governantes.

A crise atual do bolsonarismo é severa. Mais que uma ideologia conservadora, ou melhor dizendo, olavista, existe um culto ao mito Bolsonaro. Este representaria, na visão maniqueísta desse agrupamento, uma volta a tempos supostamente idílicos dos governos militares. Seu passado militar, sua falta de educação e modos – vista aqui como autenticidade –, suas opiniões extremistas, tudo isso encanta uma parcela da população que deseja a autoridade pura e simples, o caudilhismo típico da América Latina.

Esse núcleo, entretanto, é pequeno. O restante dos apoiadores de Bolsonaro na última eleição, especialmente no segundo turno, eram pessoas preocupadas com os excessos dos 16 anos de governos petistas. Essa base de apoio não existe mais, pois a cada nova crise há um seu contínuo esfarelamento. Bolsonaro passa a ser visto cada vez como realmente é, um ex-militar indisciplinado, com opiniões formadas em rodas de bêbados de botequim, sem vocação para o trabalho sério e consistente e, principalmente, um representante de um extremismo de direita que é incompatível com a democracia.

Bolsonaro ainda tenta estancar a crise nominando inimigos. Sua única lógica política é a de se colocar contra um adversário real, como os governos do PT e especialmente Lula, ou imaginário, como o coronavírus. O problema é que esse tipo de abordagem funciona melhor quando se é oposição — mas quando se é governo, a população deseja mais respostas que apenas críticas. Apesar de tudo, os brasileiros esperam dos governantes resultados, o que o desgoverno Bolsonaro até agora foi incapaz de oferecer.

Como seu arsenal político é mínimo, Bolsonaro irá sangrar dia após dia até ser retirado do poder ou, pior, chegar ao fim de seu mandato. Pouco tem a fazer, pois as dificuldades econômicas não serão superadas a tempo da próxima eleição e sua capacidade de articular um governo de união nacional não existe simplesmente. Infelizmente para o Brasil, se não houver impeachment, teremos, como dizem os americanos, um pato manco na presidência, o que, depois de outros dois presidentes, Dilma e Temer, que se arrastaram durante seus mandatos, faz-nos pensar que os últimos 10 anos foram realmente perdidos.

Se há algo de bom em todo esse cenário é que as perspectivas eleitorais dos extremos ideológicos – e assim chamo o lulopetismo na extrema-esquerda, e o bolsonarismo na extrema-direita, parecem desta vez fadadas ao fracasso. No campo da esquerda possivelmente haverá uma aposta no nome de Ciro Gomes, que percebeu ser necessário se desvincular dos malfeitos de Lula e de ser visto como um acessório do PT, pois de outra forma, será, como aconteceu com ele próprio em 2018, e com Marina em 2014, atropelado pela máquina de fake news petista. Ciro Gomes, entretanto, terá enormes dificuldades de atrair o centro democrático se continuar com o mesmo estilo boquirroto de Bolsonaro. Ninguém parece querer substituir um capitão do Exército por um coronel do sertão.

No campo da centro-direita, surgem os nomes de Sergio Moro e João Amoêdo. Este último teve um desempenho bastante razoável na última eleição, trazendo um discurso liberal incomum na política brasileira. O seu partido Novo não padece dos excessos da direita cultural, mas precisa ser capaz de se afastar de Bolsonaro efetivamente. O seu único governador, Romeu Zema, de Minas Gerais, precisa mostrar competência na gestão estadual, o que não é fácil diante do descalabro financeiro daquele estado, bem como deixar de ser visto como um aliado do atual presidente.

O outro nome que ainda está para se sentar na mesa da disputa eleitoral é justamente o de Moro. O ex-juiz e ex-ministro é motivo de especial preocupação dos extremistas, pois desagrada tanto petistas, que o culpam pela derrocada do PT, quanto bolsonaristas, que o culpam pelo desmoronamento de Bolsonaro, bem como do fisiológico Centrão, que viu suas hostes devastadas pelas investigações da Lava Jato. Sua candidatura, por tudo, possui forte conotação centrista, apelando, de um lado, pelo retorno do combate à corrupção, e do outro, paras sua capacidade de estabelecer um diálogo político pragmático.

Sua candidatura enfrentará, contudo, enormes dificuldades, pois Moro nunca foi filiado a nenhum partido político, não possui estrutura alguma de apoio financeiro e torna-se crível a aliança de diversos setores políticos, inclusive do Centrão, contra ele. Vemos isso já no momento atual, quando um grupo de advogados, talvez ressentidos com sua condução na operação Lava Jato, tenta até mesmo o impedir de exercer a atividade de advogado, como se a Ordem dos Advogados do Brasil fosse um Country Club em que seus sócios pudessem lhe dar bola preta para impedir sua associação.

Os temores da sua candidatura foram claramente expressos por Carla Zambelli, porta-voz informal do governo Bolsonaro, que em entrevista à Jovem Pan sugeriu até mesmo a possível união de petistas e bolsonaristas contra sua candidatura. Certo é que os núcleos duros de nenhum dos dois extremos votariam em Moro, mas imaginar petistas apoiando Bolsonaro chega a ser hilário. Entretanto, como dizia Tocqueville, “em política, a comunhão de ódios é quase sempre a base das amizades”.

Como ainda é cedo, novos jogadores podem surgir, como o ex-ministro Luiz Henrique Mandetta ou o governador do Maranhão Flávio Dino. Qualquer nome fora dos extremos será bem-vindo. As eleições de 2022 precisam, para o bem do Brasil, trazer estabilidade sem sacrificar as necessárias mudanças que precisam ser implantadas. Não podemos continuar a nos arrastar como país, sendo colocados à margem da economia mundial e motivo de chacota dos jornais internacionais. Dilma, Temer e especialmente Bolsonaro, cada um à sua maneira, foram ao fundo do poço. Está na hora de mudarmos isso e a escolha fora do espectro extremista ou fisiológico será um enorme avanço.

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