Eduardo Anizelli/ FolhapressQueiroz, de boné azul, cercado por policiais: MP aponta conexão dele com milicianos

As provas contra Queiroz

Um farto material em poder do Ministério Público revela a tentativa de atrapalhar a investigação e aponta para ligação com milicianos e para um plano de fuga que contaria com a participação de Adriano da Nóbrega, ex-policial que morreria meses depois durante um confronto na Bahia. Crusoé teve acesso à íntegra do pedido em que os promotores listam os motivos para prender o ex-assessor de Flávio Bolsonaro
19.06.20

No pedido de prisão de Fabrício Queiroz, os promotores do Ministério Público do Rio de Janeiro afirmam que o ex-assessor de Flávio Bolsonaro tinha “um plano de fuga organizado para toda a família” e “contaria com a atuação do então foragido Adriano Magalhães da Costa Nóbrega”.

O ex-capitão da Polícia Militar Adriano da Nóbrega é o miliciano que estava foragido e foi morto pela polícia durante um cerco na Bahia, em fevereiro. A ex-mulher e a mãe dele trabalharam no gabinete de Flávio Bolsonaro, o filho 01 do presidente da República, e também são investigadas no esquema de rachid que deu origem à Operação Anjo, deflagrada nesta quinta-feira, 18. Conforme mostrou Crusoé, o ex-advogado de Adriano da Nóbrega assumiu a defesa de Queiroz.

Na peça enviada à Justiça, à qual Crusoé teve acesso, os promotores mencionam um possível envolvimento do ex-assessor de Flávio Bolsonaro com milicianos do Itanhangá, na região da Barra da Tijuca, no Rio, para formatar um plano de fuga para toda a sua família. Esse plano, afirmam, contaria com a participação de Capitão Adriano, o miliciano que viria a morrer três meses depois em confronto com a polícia.

Diz o Ministério Público no pedido que levou à ordem de prisão de Fabrício Queiroz: “Conforme será demonstrado ao longo da presente peça, a análise do material apreendido demonstrou que os ora requeridos embaraçaram o regular andamento da investigação, com dinâmica estruturada, que envolveu atos de adulteração de provas, informações falsas nos autos, sonegação de endereços e paradeiros de investigados, além de possível envolvimento de FABRÍCIO QUEIROZ com milicianos do Itanhangá e um plano de fuga organizado para toda a família do operador financeiro que contaria com a atuação do então foragido ADRIANO MAGALHÃES DA COSTA NÓBREGA”.

Segundo o MP-RJ, as tratativas para o plano de fuga contaram com a participação de Luís Gustavo Botto Maia, advogado de Flávio Bolsonaro que, pouco antes, teria conversado com Frederick Wassef, também defensor do filho do presidente e dono da casa onde Queiroz foi encontrado nesta quinta-feira pelos investigadores.

Os promotores esmiúçam os indícios que os levaram a suspeitar da armação. Eles se baseiam em mensagens descobertas em aparelhos de telefone celular apreendidos durante a investigação. “Amiga o que vc acha de vir aqui amanhã? Pessoalmente terça feira a gente resolve tudo. Vc não achas (sic)?”, escreveu Raimunda Magalhães, mãe de Adriano da Nóbrega, à mulher de Queiroz, Márcia Oliveira de Aguiar, no dia 30 de novembro de 2019.

Márcia encaminhou as mensagens a Queiroz, informando que iria ao encontro da mãe e da mulher de Adriano na cidade de Astolfo Dutra, em Minas Gerais. A ideia era que, em seguida, a mulher de Adriano levasse pessoalmente a ele uma misteriosa “proposta”, ou um “recado”. “A esposa do amigo vai estar com a mãe dele terça feira, aí ela vai falar com o amigo sobre o recado. Depois que ela falar com o amigo ela vai entrar em contato comigo”, escreveu Márcia a Queiroz, naquele mesmo 30 de novembro.

Já no dia seguinte à mensagem, 1º de dezembro, a mulher de Queiroz chegou à cidade mineira, localizada a pouco mais de 100 quilômetros de Juiz de Fora, em uma região não muito distante da divisa com o Rio, para encontrar a mãe e a mulher de Adriano. De lá, ela mandou uma foto para Queiroz, que demonstrou preocupação em não deixar rastros do encontro. Ele pede: “Apaga sua localização”.

Em 2 de dezembro, um novo diálogo entre Queiroz e a mulher traz para a trama Luís Gustavo Botto Maia, o advogado de Flávio Bolsonaro. Nessa parte da narrativa, os promotores levantam a suspeita de que estava em curso uma grande concertação – com participação de “Anjo”, o apelido que seria de Wassef, o advogado da família presidencial – para que o tal plano se concretizasse.
Botto Maia tinha acabado de se reunir com o próprio Queiroz e com Wassef em Atibaia e seguido, logo depois, para o encontro em Astolfo Dutra. “Anjo já foi?”, perguntou a mulher de Queiroz, na madrugada de 2 de dezembro. “Já”, respondeu o ex-assessor.

Trecho do pedido de prisão feito pelos promotores: mensagens reveladoras
Embora estivesse marcada para o dia 3, a reunião na pequena cidade de Minas só ocorreu na quarta-feira, 4, porque a mulher de Adriano da Nóbrega teve um “imprevisto”. Feita a reunião, a mulher de Queiroz voltou para o Rio e, dias depois, em 13 de dezembro, encontrou-se outra vez com a mãe do miliciano.

Nessa nova conversa, segundo o MP, Raimunda já estaria portando a resposta sobre a posição do miliciano em relação à tal proposta – provavelmente o plano de fuga, de acordo com o relato dos investigadores. Era um complexo leva-e-traz, com a participação das mulheres ligadas tanto a Queiroz quanto a Adriano, a dupla que se esgueirava para não cair no radar da polícia. Nesse vaivém, a mulher de Queiroz viajaria em seguida para São Paulo, para comunicá-lo pessoalmente da “resposta”. A viagem estava marcada para o dia 18 de dezembro. Só que houve um empecilho: naquela mesma data, ela foi alvo de um mandado de busca e apreensão na mesma investigação na qual era, ao menos até esta quinta-feira, considerada foragida.

O MP não explica por que o plano de fuga não teria sido levado adiante. Também não ficam claros os detalhes dos recados que transitaram entre Queiroz e Adriano. Os cuidados de ambos para não se expor, ao que tudo indica, funcionaram. Foi graças àquela ação de busca e apreensão realizada em meados de dezembro que os investigadores conseguiram ter acesso às trocas de mensagens. “Restou evidenciado nos autos o risco real de fuga da família do operador financeiro da organização criminosa”, dizem eles na peça enviada ao juiz Flávio Itabaiana, que ordenou a prisão do casal Queiroz.

Os promotores afirmam, textualmente, que “Anjo”, o apelido que depois se descobriu ser o de Wassef, foi o responsável por articular o plano para manter a família de Fabrício Queiroz escondida. “Fabrício de Queiroz e sua esposa Márcia Aguiar passaram a adotar uma complexa rotina de ocultação de seu paradeiro, articulada por alguém identificado como ‘Anjo’, que propôs ocultar toda a família do operador financeiro em São Paulo”, diz o texto. Procurado, Wassef não respondeu às tentativas de contato de Crusoé.

Para além da interação com Adriano Nóbrega – de quem, segundo o MP, Queiroz recebeu ao menos 400 mil reais –, o ex-assessor de Flávio Bolsonaro também é suspeito de exercer influência sobre um grupo de milicianos que atua na região onde o ex-policial militar morto pela polícia na Bahia era igualmente influente.

Um capítulo à parte do pedido de prisão levanta a suspeita da atuação do ex-assessor de Flávio Bolsonaro nas regiões de Itanhangá, onde mora a Raimunda Magalhães, a mãe de Adriano, de Rio das Pedras, onde a milícia dele atuava com mais força, e ainda na Tijuquinha, outra área dominada pelos grupos criminosos.

Um dos exemplos dessa influência é um diálogo, de dezembro de 2019, quando a mulher de Queiroz encaminha um áudio no qual um homem pedia a intervenção do ex-assessor de Flávio para “telefonar para milicianos em seu favor após ter sido ameaçado por ‘meninos’ do grupo que domina a região do Itanhangá, em razão de um desentendimento com um comerciante local”.

“Eles foram lá na Tijuquinha, né, os ‘caras que comanda aqui’ e foi falar que eu bati nele, isso e aquilo. Uma coisa que não aconteceu. Os ‘meninos’ me chamaram. Entendeu? Só que eu conheço eles, né. Conheço os ‘meninos’ tudo. Aí, poxa. Aí eu queria que se desse para ele ligar, se conhecer alguém daqui, Tijuquinha, Rio das Pedras, os ‘meninos’ que cuida daqui”, diz o interlocutor, que não chegou a ser identificado.

Segundo os promotores, apesar de demonstrar receio em fazer contato telefônico com os milicianos, por temer estar grampeado nas investigações sobre o rachid no gabinete, que já o cercavam, Queiroz se comprometeu a resolver a contenda e interceder pessoalmente junto aos criminosos quando estivesse no Rio.

Reprodução/redes sociaisReprodução/redes sociaisFlávio Bolsonaro com Queiroz: para o 01, operação serviu para atingir o pai
“Ô Márcia, avisa a ele que é impossível ligar pra alguém, entendeu? Isso aí vai, uma ligação dessa acontece de eu estar grampeado, vai querer me envolver em alguma coisa aí porque o pessoal daí vai estar tudo grampeado. Isso aí a gente, eu posso ir quando estiver aí pessoalmente…”, respondeu.

Os promotores também mencionam provas de como o dinheiro proveniente do rachid operado por Queiroz voltava para Flávio Bolsonaro. Uma minuciosa investigação, com dados das contas e imagens de agências bancárias, mostrou que Queiroz pagou boletos e contas do filho de Bolsonaro.

Os promotores concluem que Fabrício Queiroz pode ter quitado, com dinheiro vivo, até 116 boletos bancários de planos de saúde e despesas das escolas das filhas de Flávio Bolsonaro, que chegam à cifra de 261,6 mil reais. Em alguns casos, eles conseguiram recuperar imagens de Queiroz realizando os pagamentos e, também, as bobinas do caixa para conferir os boletos relacionados a cada transação.

Em outra frente, foi descoberto um repasse misterioso de dinheiro para a mulher de Queiroz pouco antes do pagamento tratamento médico pelo qual ele passou no Hospital Albert Einstein, na capital paulista. A origem dos recursos usados para pagar as despesas no hospital de luxo sempre gerou desconfiança entre os investigadores. Anotações encontradas durante as buscas realizadas em dezembro de 2019 na casa da família e recibos do estabelecimento mostram, segundo o MP, que a senhora Queiroz recebeu 174 mil reais de “origem desconhecida”.

Ao apontar as provas do rachid no antigo gabinete de Flávio, os promotores juntam provas de que Queiroz e Botto Maia, o advogado do filho 01 do presidente, juntamente com servidores da Assembleia do Rio, tentaram adulterar os registro de ponto para evitar a descoberta de funcionários fantasmas. Conversas de ex-assessores de Flávio mostram a existência de servidores que recebiam, não trabalhavam e devolviam parte do salário para Queiroz. Uma das servidoras admite diversas vezes, em conversas com o próprio pai, que era nomeada, mas não frequentava a Alerj. Para o namorado, ela chega a dizer que não podia assinar o ponto à distância e que, por isso, tinha que passar no “trabalho” só para marcar o registro.

As mensagens mostram ainda que, por intermédio de Queiroz, essa mesma funcionária teria sido chamada à Assembleia para assinar o ponto retroativamente quando já nem era mais funcionária. A estratégia foi combinada com um assessor da casa, que também foi alvo de um mandado de busca e apreensão. Quando chamada a depor pelo MP, ela voltou a pedir ajuda a Queiroz, que incumbiu o advogado Botto Maia, integrante da equipe de campanha de Flávio Bolsonaro, para socorrê-la. O advogado a orientou a não comparecer ao depoimento.

No mandado de prisão de Queiroz, o juiz Flávio Itabaiana fez questão de observar que ele deveria ir para Bangu e não para uma prisão militar. A explicação para a preocupação do magistrado está em uma caderneta da mulher do ex-assessor. As anotações traziam registros de policiais “amigos” que poderiam ajudá-lo caso um dia ele fosse preso e levado para o batalhão.

A gravidade das provas contra Queiroz indica que a temporada dele na prisão poderá ser bem longa. Para o desespero de quem, até agora, vinha tentando escondê-lo.

Com reportagem de Luiz Vassallo

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