Adriano Machado/CrusoéO plenário do TSE: a corte virou mais um foco de preocupação para Bolsonaro

O fator TSE

Por que os processos eleitorais que buscam a cassação da chapa Bolsonaro-Mourão ainda podem virar um grande problema para o presidente e o vice
05.06.20

Há cerca de um mês, o presidente Jair Bolsonaro decidiu rasgar uma cara promessa de campanha e entregar portentosas fatias do governo à ala fisiológica do Congresso, para garantir uma espécie de seguro contra o impeachment. Mas todo o desgaste político causado pelo cavalo de pau ideológico pode ter sido em vão. Bolsonaro continua na berlinda e o temor do mandato abreviado voltou com força, agora no front eleitoral, em razão da ofensiva deflagrada pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, sobre as redes bolsonaristas.

Ao todo, a chapa de Bolsonaro e do vice Hamilton Mourão é alvo de oito pedidos de cassação no Tribunal Superior Eleitoral, mas apenas quatro, de fato, ameaçam o presidente. São as ações de investigação judicial eleitoral, as chamadas Aijes, movidas pelas coligações dos candidatos derrotados Fernando Haddad, do PT, e Ciro Gomes, do PDT, por abuso de poder econômico e uso indevido de meios de comunicação. Com pequenas variações, elas questionam um suposto esquema de disparos de mensagens em massa via WhatsApp na campanha, com notícias falsas contra adversários e financiamento de empresas, o que é vedado por lei.

As ações estavam praticamente paradas no gabinete do corregedor-geral eleitoral, Og Fernandes, até a semana passada, quando Alexandre de Moraes novamente lançou mão do “inquérito do fim do mundo”, o mesmo que censurou Crusoé e O Antagonista em abril do ano passado. Em uma decisão rumorosa, Moraes determinou que a Polícia Federal cumprisse 29 mandados de busca e apreensão em endereços de apoiadores de Bolsonaro, fechando o cerco à milícia digital que ataca opositores do presidente nas redes.

A operação da PF, que levou computadores e celulares de blogueiros, políticos e empresários bolsonaristas, provocou uma grita generalizada na militância e uma reação enérgica do presidente. Mas foi um detalhe no despacho do ministro do Supremo que levantou, entre auxiliares de Bolsonaro no Palácio do Planalto, a suspeita de que o inquérito inconstitucional pode servir a uma articulação do “establishment” para cassar a chapa presidencial no TSE. Trata-se da quebra de sigilo bancário e fiscal de quatro empresários bolsonaristas entre julho de 2018 e abril de 2020 — ou seja, período que abarca a campanha que elegeu Bolsonaro.

Abdias Pinheiro/ASCOM/TSEAbdias Pinheiro/ASCOM/TSEBarroso, agora presidente do TSE, dá posse a Moraes na corte por vídeo
Entre os alvos que terão as contas devassadas, está Luciano Hang. Dono da rede de lojas de departamento Havan e ferrenho defensor do presidente, Hang também é réu nas ações eleitorais que pedem a cassação da chapa de Bolsonaro. Ou seja, ele é um dos elos entre as duas frentes de investigação. O empresário catarinense é acusado de financiar o impulsionamento de conteúdos pró-Bolsonaro no Facebook com recursos não declarados à Justiça Eleitoral e de usar sua empresa para bancar disparos ilegais via WhatsApp contra o petista Haddad, em 2018. Ele nega. Tanto o PT quanto o PDT pediram a quebra de sigilo de Hang na investigação eleitoral, mas os pleitos não haviam sido atendidos.

Na semana passada, em seu inquérito, Moraes resolveu a questão numa canetada. Sustentou que, “aparentemente”, toda a estrutura usada para disseminar notícias falsas e ofensas aos ministros do STF “está sendo financiada por um grupo de empresários” do qual Hang faz parte. Apesar de dizer que há “indícios” da participação do grupo como financiador da rede de fake news, o ministro não menciona nenhum em sua decisão de 32 páginas. Para aliados de Bolsonaro, outro ponto que revela o interesse de fundo da medida é que Moraes quebrou o sigilo a partir de julho de 2018, mas todos os posts considerados ofensivos citados no despacho foram publicados a partir de 2019.

Na noite do mesmo dia em que a PF cumpriu as ordens de Alexandre de Moraes, os advogados do PT pediram ao ministro Og Fernandes juntar nas ações de cassação de Bolsonaro os “frutos das diligências” feitas no inquérito do STF. Og abriu prazo de três dias para Bolsonaro se manifestar, seguido pelo Ministério Público Eleitoral, antes de decidir a respeito. Qualquer que seja a decisão do colega, Moraes já deixou claro, nos bastidores, que pretende usar provas obtidas no seu inquérito nas ações que investigam a utilização de uma rede de notícias falsas nas eleições. Principal desafeto de Bolsonaro no Judiciário hoje, o ministro assumiu na última terça-feira, 2, uma cadeira titular no TSE, que pode vir a julgar a cassação do presidente.

Outro sinal nada alvissareiro para Bolsonaro foi a nomeação do delegado Disney Rosseti como chefe do setor de Segurança e Inteligência da corte eleitoral. Homem de confiança de Moraes desde o período em que foi superintendente da PF em São Paulo e Moraes era ministro da Justiça no governo Michel Temer, Rosseti tem motivos de sobra para estar zangado com Bolsonaro. O nome dele foi sugerido pelo ex-ministro Sergio Moro para ser o substituto do diretor-geral Maurício Valeixo, demitido pelo presidente. Bolsonaro, porém, não topou e, em vez de promover o então número 2 da PF, quis colocar o delegado Alexandre Ramagem no cargo, nomeação barrada por Moraes.

Abdias Pinheiro/ASCOM/TSEAbdias Pinheiro/ASCOM/TSEO governo teme as “cotoveladas” de Barroso e Luís Felipe Salomão no TSE
Já é consenso no TSE que as quatro ações relacionadas à acusação de disparo ilegal de WhatsApp são complexas e de tramitação mais cuidadosa. Embora caiba ao ministro Og Fernandes decidir sobre o compartilhamento de provas do inquérito eleitoral, os processos serão tocados pelo seu sucessor, o ministro Luís Felipe Salomão, também do Superior Tribunal de Justiça, já que o mandato de Og como corregedor-geral da Justiça Eleitoral termina no fim de agosto. A condução dessas ações de investigação é de competência exclusiva do corregedor.

Outra peça-chave nesse processo é o vice-procurador-geral Eleitoral, Renato Brill de Góes, a quem cabe despachar nas ações eleitorais em nome da Procuradoria-Geral da República. Ele assumiu o cargo em março deste ano e não quis antecipar sua opinião sobre o compartilhamento de provas. Indagado por Crusoé sobre a complexidade do caso, ele deu uma resposta enigmática. Disse que o debate no TSE “não tem nada de complexo, é bem simples”. A tendência é que o compartilhamento seja autorizado, mas o uso das provas em um eventual julgamento seja objeto de uma análise futura.

“É possível trazer prova emprestada de processos criminais ou de inquéritos para um processo eleitoral. A grande questão é se essas provas dizem respeito ao que está sendo investigado”, afirma a advogada eleitoral Marilda Silveira, diretora do Instituto Brasileiro de Direito Eleitoral. Ela explica que o debate sobre compartilhamento de provas “é corriqueiro” na Justiça Eleitoral. Essa, aliás, foi a grande discussão durante o julgamento do pedido de cassação da chapa de Dilma Rousseff e Michel Temer, em 2017.

Na época, o ministro Herman Benjamin pediu ao então juiz Sergio Moro o compartilhamento de informações dos processos da Lava Jato. As provas foram “emprestadas”, mas, por quatro votos a três, o TSE entendeu que elas não poderiam ser usadas para cassar a chapa. Com isso, Temer se livrou da cassação e pôde concluir o mandato. Naquele caso, a avaliação foi que as provas da Lava Jato tratavam de repasse de estatais a agentes públicos, enquanto os ilícitos denunciados na ação eleitoral movida pelo PSDB de Aécio Neves eram vagos e tratavam de suposto abuso de poder político e econômico na campanha de 2014.

Adriano Machado/CrusoéAdriano Machado/CrusoéPara evitar a cassação da chapa, Bolsonaro procura se aproximar do tribunal
O placar apertado há três anos mostra que se trata de um debate delicado. O TSE vai ter que avaliar, por exemplo, se as provas produzidas no inquérito de Alexandre de Moraes têm relação com os supostos ilícitos apontados pelo PT e pelo PDT. A ação apresentada pelos petistas tem escopo mais restrito e cita o uso de recursos privados para impulsionar mensagens enviadas a eleitores. A peça inicial do processo do PDT é mais ampla e menciona possíveis impulsionamentos também em redes sociais.

O uso do inquérito do fim do mundo nas ações eleitorais contra a chapa de Bolsonaro depende ainda de uma decisão do STF sobre a validade da investigação conduzida unilateralmente por Alexandre de Moraes. Em uma dura manifestação enviada ao Supremo nesta semana, o procurador-geral da República, Augusto Aras, pediu a suspensão do que chamou de “inquérito atípico”. Ele ressaltou que “compete ao Ministério Público dirigir a investigação criminal” e que “o sistema acusatório impõe profunda separação entre as funções de investigar/acusar e de julgar” – nem na instauração da investigação nem nas etapas posteriores houve participação da PGR.

A pedido do relator Edson Fachin, o presidente do STF, Dias Toffoli, pautou para a próxima quarta-feira, 10, o julgamento no plenário da corte do pedido de suspensão do inquérito. A tendência, segundo informações de bastidores, é que o tribunal autorize a continuidade das investigações com alguns ajustes, como dar maior transparência à apuração e exigir que Alexandre de Moraes se declare impedido de julgar uma eventual ação movida com base no inquérito conduzido por ele próprio. O objetivo é se vacinar contra novos ataques de Bolsonaro e dos bolsonaristas, que veem um golpe em curso contra o presidente no TSE, com a chancela do Supremo.

Na avaliação de aliados de Bolsonaro, uma cassação via impeachment seria hoje mais difícil porque o Centrão, grupo dominante no Congresso, está “neutralizado” com a distribuição de cargos no segundo e terceiro escalões do governo. A “jogada”, segundo eles, só eventualmente será concretizada em 2021, a partir de quando uma eventual cassação da chapa presidencial resultaria em eleições indiretas – nesse caso, o substituto do presidente seria escolhido pelos deputados federais e senadores, como determina o artigo 81 da Constituição. Se a vacância dos cargos de presidente e de vice ocorrer nos dois primeiros anos de mandato, uma nova eleição direta teria de ser realizada.

Em meio à escalada de ataques virtuais desferidos pelos bolsonaristas que encurralou no  inquérito do fim do mundo, Alexandre de Moraes tem recebido apoio de uma série de setores da sociedade e aproveitado eventos públicos para mandar recados. “Não há democracia sem Poder Judiciário forte. E não há Poder Judiciário forte sem um juiz independente, altivo e seguro”, disse ele na última quarta-feira, 3.

Há dez dias na presidência do TSE, o ministro Luís Roberto Barroso, que entoa desde sempre um discurso firme em defesa das instituições e contra arroubos autoritários, já demonstrou que dará celeridade às ações. Ele pautou para a próxima terça-feira, 9, o julgamento de duas ações que pedem a cassação da chapa de Bolsonaro pelo suposto envolvimento do presidente no ataque hacker a uma página de Facebook contrária ao então candidato em 2018. Embora sejam de baixíssimo risco político ao presidente — o relator Og Fernandes já se manifestou pela improcedência das ações por falta de provas –. essas ações especificamente servem como termômetro do clima no plenário. “O TSE tem tradição de imparcialidade. Aqui, ninguém é perseguido e ninguém é protegido, a gente faz o que é o certo”, afirmou Barroso em seu discurso de posse.

Com reportagem de Helena Mader

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