Carlos Fernandodos santos lima

Um impeachment necessário

29.05.20

Na última semana, quando o Plano Collor completou trinta anos de triste memória, o ex-presidente “impichado”, Fernando Collor, pediu desculpas pelo congelamento de todos os fundos bancários da população brasileira, medida que à época levou ao desespero e à ruína financeira muitos cidadãos. É claro que Collor, como todo político brasileiro, não admite seus erros, mas o tempo, senhor da razão, demonstrou que sua decisão se motivou apenas em voluntarismo rasteiro – disfarçando sua ignorância econômica – de que era preciso dar um “ippon” na inflação.

Collor de Mello foi nefasto para o Brasil, com consequências políticas que até hoje são sentidas. O fenômeno de sua eleição, um falso outsider com uma proposta antipolítica e criação artificial de um inimigo, naquele caso os “marajás”, tem paralelo com a eleição de Jair Bolsonaro. O atual presidente também se apresentou, da mesma forma desonesta, como uma pessoa fora da política tradicional, contra o ‘status quo’, escolhendo um inimigo fácil naquele momento como adversário: a corrupção dos governos de Lula e de Dilma.

Em ambos os casos, esse eleitor, que possui características semelhantes, conservador, preponderantemente masculino e mais idoso, optou por uma mensagem populista contra todos os erros da presidência anterior. Assim, o sentimento contra o governo de José Sarney e toda a hiperinflação do período elegeu Collor, bem como o sentimento contra os governos de Lula e de Dilma e toda corrupção descoberta pela Lava Jato elegeu Bolsonaro. Infelizmente para o Brasil, em ambos os casos, são dois políticos completamente desqualificados para o cargo.

Em comum, também tinham o mesmo adversário: Lula. Há trinta anos, Lula se apresentava como o novo, como aquele que finalmente traria ética para uma Nova República que já nascia velha. Lula era então um cabotino, papagaio do jargão da esquerda e completamente despreparado para ser presidente, mas a derrota impediu essa revelação. Contra Bolsonaro, usando de um boneco de ventríloquo (Fernando Haddad), Lula representava o velho, a corrupção da Nova República, aperfeiçoada e sistematizada por uma organização criminosa interna ao Partido dos Trabalhadores que desejava tomar o poder por 30 anos pela força do dinheiro ilícito.

O governo de Bolsonaro agora segue um script semelhante ao do (des)governo Collor. Assim como Collor, Jair Bolsonaro é apenas um balão, grande por fora, mas somente com ar dentro. Dessa maneira, destituído de conteúdo, Bolsonaro buscou num primeiro momento ganhar a legitimidade intelectual e ética que lhe faltava com a escolha de alguns pilares de moralidade e eficiência em seu gabinete. Para isso convenceu o juiz federal Sergio Moro, nacionalmente conhecido pela operação Lava Jato, a abandonar uma digna carreira como juiz federal para lhe dar suporte no Ministério da Justiça, bem como um insuspeito liberal, Paulo Guedes, para lhe garantir o apoio do empresariado ao seu governo.

Collor de Mello também se cercou de nomes de reconhecida capacidade, com a única diferença que, enquanto Bolsonaro vai ficando cada vez mais preso a um núcleo tragicômico de ministros, Collor foi trazendo para o ministério pessoas de qualificação técnica à medida que ia se enfraquecendo no governo. Assim, no último ano de governo Collor, tivemos Célio Borja, ministro aposentado do STF, como ministro da Justiça, Celso Lafer no Ministério das Relações Exteriores e Hélio Jaguaribe no Ministério da Ciência e Tecnologia.

Mesmo assim Collor caiu. E foi melhor para o Brasil, pois a ele se seguiu o melhor governo da Nova República, o do sempre esquecido e menosprezado Itamar Franco, político do simples, do queijo com goiabada, mas que não tentou comprar sua reeleição e foi ainda o principal responsável por termos adquirido a estabilidade da moeda ao bancar o Plano Real que lhe foi proposto por Fernando Henrique Cardoso, fazendo deste, inclusive, seu sucessor. Em termos econômicos, podemos dizer que nossa experiência pós-impeachment foi exitosa, não somente pelo exemplo do governo Itamar Franco, mas também pela própria estabilização financeira do governo de Michel Temer após as trapalhadas econômicas do governo Dilma Rousseff.

Bolsonaro caminha para o mesmo destino de Collor e Dilma. Bolsonaro deve ser “impichado”. Motivos abundam. Crimes de responsabilidade são evidentes. O impeachment é também resultado de um processo de degradação moral, econômica e política de um governo, e a presidência de Jair Bolsonaro preenche todas essas condições. As provas já existentes no inquérito do STF são claras na busca insana de Bolsonaro de intervir na Polícia Federal, especialmente na Superintendência do Rio de Janeiro. Mas não é só.

O todo da reunião ministerial do dia 22 de abril é ainda mais preocupante. Vemos um presidente, com suporte de seus ministros militares, apoiar uma retórica contra as instituições; sem qualquer pejo, dizer que estava intervindo na Polícia Federal para evitar f… sua família e amigos; falar em um serviço de inteligência particular e clandestino; e afirmar desejar armar a população para fazer frente àqueles que não pensam como ele — nesse caso, prefeitos e governadores. É preciso que investigações se aprofundem, pois, confirmado que esse é o plano de governo, estamos diante de uma tentativa chavista de aparelhamento do estado.

O que fica claro de tudo isso é que a democracia proposta pela Nova República fracassou em trazer estabilidade ao país. Em 30 anos, aprendemos muito pouco e nossa política se deteriorou. Estamos tornando o impeachment um mecanismo corriqueiro e necessário pela incapacidade do sistema político em buscar soluções que eliminem a verdadeira causa do problema.

Sem uma reforma política que diminua o número de partidos, traga democracia e transparência para essas agremiações, que diminua o custo das campanhas eleitorais, responsabilize efetivamente a violação da lei por candidatos e partidos, e impeça a indústria das fake news, pouco restará a fazer. Iremos cada vez mais ver crises e crises, tornando o impedimento uma espécie de recall sem a participação do povo. Mesmo assim, o impeachment de Bolsonaro é triste, mas necessário. Fora Bolsonaro!

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