Isac Nóbrega/PRCiro Nogueira, do PP, precisa ter jogo de cintura para agradar a Bolsonaro e a seus desafetos nos estados

Aliados dos dois lados

Partidos do Centrão, como o PL, o PP e o PSD, capricham no malabarismo retórico para se aproximar de Bolsonaro enquanto mantêm laços estreitos com os maiores adversários políticos do Planalto
22.05.20

O contraste entre as realidades nacional e regional sempre foi uma marca da política brasileira. Essa discrepância normalmente é escancarada durante as eleições casadas para presidente e governador, quando, não raro, partidos que não se toleram no plano estadual se abraçam no palanque nacional. A chegada de Jair Bolsonaro ao poder não alterou o quadro. Apenas somou-se ao cenário um elemento adicional, fruto do modo peculiar do presidente de fazer política. Pela lógica bolsonarista, segundo a qual ou você concorda integralmente com Bolsonaro ou está automaticamente do outro lado da trincheira, quem quer se aliar ao presidente no plano federal jamais pode defender teses de um desafeto do governo na esfera estadual. Isso tem gerado problemas para legendas que, embora negociem com o Palácio do Planalto, também compõem a base de sustentação dos governadores de São Paulo, João Doria, e do Rio, Wilson Witzel, inimigos declarados do presidente da República. Para conseguir agradar a gregos e troianos, sem ao mesmo tempo contrariar ninguém, siglas do Centrão, como o Republicanos, o PP, o PL e o PSD, têm se dedicado, nos últimos tempos, a um verdadeiro malabarismo retórico. 

No dia 24 de abril, o deputado Marcos Pereira divulgou uma nota pública pedindo “trégua”. No texto, o presidente nacional do Republicanos, o antigo PRB, condenava o clima de “conflagração” política no enfrentamento da pandemia do novo coronavírus e clamava por união, fazendo um duplo aceno calculado. Primeiro, a governadores e prefeitos, dizendo que não se podia “menosprezar os efeitos da doença” e que “estamos diante de um inimigo invisível muito poderoso que não escolhe classe social e coloração partidária para atacar”. Logo em seguida, as palavras alinhavam-se mais ao discurso do presidente da República: “Também não podemos desprezar o agravamento da situação econômica das famílias e do país devido à adoção de medidas de restrição social em boa parte dos estados e das cidades brasileiras”. A ginástica verbal tem razão política. Ao mesmo tempo que busca espaço no governo e apoio de Jair Bolsonaro para assumir o comando da Câmara dos Deputados no ano que vem, Marcos Pereira, que agora abriga em seu partido os filhos 01 e 02 do presidente — o senador Flávio Bolsonaro e o vereador Carlos Bolsonaro —, não quer perder a boquinha que já conquistou nas gestões dos atuais adversários do presidente nos estados.

Em São Paulo, por exemplo, o Republicanos comanda a Secretaria de Esportes do governo de João Doria, do PSDB. O titular da pasta é o secretário Aildo Rodrigues, que administra um orçamento de 216 milhões de reais. O partido tem um espaço ainda maior na administração do também tucano Bruno Covas, que tentará a reeleição para prefeito da capital paulista neste ano. Comanda a Habitação, dona de um caixa de 452 milhões de reais, e o Serviço Funerário, que é um monopólio na cidade. Por causa da pandemia, o órgão que administra as agências funerárias estatais e os 22 cemitérios da cidade recebeu um incremento de 21% no orçamento, passando de 186 milhões de reais para 225 milhões de reais, dos quais mais da metade já foi empenhada. Quase todos os dirigentes do Serviço Funerário são filiados ao Republicanos, incluindo o superintendente Thiago Dias, que assumiu em junho de 2018 por indicação de Marcos Pereira. À época, o então PRB havia acabado de anunciar seu apoio à candidatura de Doria para o governo do estado e ao tucano Geraldo Alckmin na corrida presidencial. No Rio, governado por Witzel, a quem Bolsonaro não quer ver nem pintado de ouro, o Republicanos também já garantiu o seu quinhão: é atribuída ao partido a indicação da presidente da Ceasa no estado. 

Agência BrasilAgência BrasilDois senhores: Marcos Pereira se equilibra entre João Doria e Bolsonaro
Além de se cercar de todos os cuidados para não desagradar aos aliados donos de pendores ideológicos distintos, o bispo licenciado da Igreja Universal e primeiro vice-presidente do Congresso ainda precisa acender vela para o líder de sua igreja, Edir Macedo, que tem adotado um discurso radical contra as ações de combate à Covid-19. O equilíbrio entre várias canoas não é algo novo na trajetória política do cacique do Republicanos. Antes mesmo do impeachment de Dilma Rousseff, a quem dava apoio, Marcos Pereira já flertava com o vice que assumiria logo em seguida. Um mês antes da votação da abertura do processo de impeachment na Câmara, em março de 2016, após anos apoiando os governos petistas em troca de cargos, o então PRB abandonou Dilma, entregando o Ministério do Esporte, que ocupava na ocasião. No dia 13 de maio, um dia depois de Dilma ser afastada, Pereira foi nomeado ministro da Indústria e Comércio Exterior pelo presidente recém-empossado Michel Temer.

Desenvoltura ainda maior para orbitar entre a esquerda, o centro e a direita, sempre de olho em cargos e influência, tem Gilberto Kassab, o presidente nacional do PSD. A polarização acentuada na pandemia em nada abalou a capacidade de o ex-ministro de Dilma e de Temer de colocar seus tentáculos no poder. Desde janeiro de 2019, Kassab é secretário licenciado da Casa Civil do governo Doria. Embora tenha cada vez menos ingerência na máquina estadual, deixou um aliado em seu lugar, o eterno interino Antonio Carlos Rizeque Malufe, além de uma leva de assessores. À frente da Empresa Metropolitana de Águas e Energia, Kassab pôs Ronaldo Camargo, e só perdeu espaço na prefeitura de Bruno Covas porque lançou de maneira o ex-secretário Andrea Matarazzo como adversário do tucano na disputa municipal. Nos últimos meses, Kassab tem sido um dos principais aliados de Bolsonaro no esforço para cooptar o Centrão e garantir uma base de apoio no Congresso capaz de blindá-lo de um possível processo de impeachment. Como em Brasília não há almoço grátis, ele pleiteia em troca a presidência da Fundação Nacional de Saúde, a Funasa. Em recente artigo sobre o coronavírus, Kassab também se equilibrou para evitar implodir pontes com o presidente. Ao mesmo tempo que disse não ser crível que, ao impor medidas restritivas de circulação, os países estejam errados, enquanto só o Brasil estaria certo, “efetivando medidas na contramão”, ele afirmou não ser possível desvincular a doença de uma possível crise econômica num discurso semelhante ao adotado por Bolsonaro. No mesmo texto, Kassab fala do apoio do partido ao auxílio emergencial de 600 reais liberado pelo governo. “Uma crise desse tamanho demanda diálogo exaustivo e criatividade”, encerrou de maneira olímpica o ex-ministro.

No Rio de Janeiro, a legenda de Gilberto Kassab é uma das principais agremiações contempladas por Wilson Witzel. As nomeações no estado são coordenadas pelo deputado federal Hugo Leal, que esteve com o presidente da República no Palácio do Planalto, no último dia 13 de maio. A Leal, por exemplo, é atribuída a indicação do presidente do Departamento Estadual de Estradas de Rodagem, o DER. O prestígio do deputado federal se deve a sua proximidade com o vice-governador do estado, Cláudio Castro, que já foi seu assessor especial na Câmara dos Deputados. 

Pedro Ladeira/FolhapressPedro Ladeira/FolhapressRindo à toa: Valdemar aderiu ao governo e já ganhou um naco do FNDE
Quem também já tratou de se acomodar nas esferas nacional e estadual, a despeito do notório antagonismo entre elas, é o PP de Ciro Nogueira. Nesta semana, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, recebeu o chefe de gabinete do senador, Marcelo Lopes da Ponte, para uma conversa prévia antes de ele assumir o comando do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, o FNDE, que tem um orçamento de 54 bilhões de reais. No governo Doria em São Paulo, o partido tem como representante o secretário de Transportes Metropolitanos, Alexandre Baldy, responsável por um caixa de 8,1 bilhões de reais. No Rio de Witzel, o PP comanda a Secretaria Estadual da Agricultura, com Marcelo Queiroz. A indicação é atribuída ao deputado federal Christino Aureo, que já comandou a pasta durante o governo de Sérgio Cabral. Ciro Nogueira, pessoalmente, tem defendido as políticas de isolamento, mas já dispõe de um forte – embora trágico – argumento caso Bolsonaro venha lhe cobrar que se  alinhe com sua tese de flexibilização da quarentena: o senador perdeu um primo para a Covid-19.

A exemplo do PP, o PL do ex-deputado Valdemar Costa Neto, condenado no mensalão, também conseguiu um naco do estratégico FNDE. A diretoria de Ações Educacionais do órgão ficará com o chefe de gabinete da liderança do partido na Câmara, Garigham Amarante Pinto. Trata-se de um velho soldado de Valdemar. O todo-poderoso do PL não se importa em servir a dois senhores. Em São Paulo, o partido controla a secretaria municipal do Meio Ambiente com um indicado de Antonio Carlos Rodrigues, que foi ministro dos Transportes no governo Dilma. Para não entrar em bola dividida, Valdemar evita falar em pandemia. Nos últimos dias, com seu espaço no FNDE mais do que garantido, o velho mensaleiro simplesmente submergiu. Político escaldado, preferiu mergulhar a boiar em águas revoltas.

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