Um aliado exemplar
No último dia 8, a Polícia Federal bateu à porta da residência do deputado federal Sebastião Oliveira, do PL, em Brasília. Surpreendido logo cedo por um mandado de busca e apreensão da Operação Outline, que investiga desvios de recursos em obras da BR- 101 em Pernambuco, ele não estava sozinho. Além de um motorista de seu gabinete, tinha a companhia do engenheiro Fernando Marcondes de Araújo Leão, que se apresentou aos agentes como “primo” do parlamentar. O grau de parentesco, se confirmado, poderia adicionar mais um elemento à complexa teia de interesses descoberta pela PF. Mas não, não é a família que os une.
A Fernando pode ser atribuído outro termo típico da cadeia familiar, mas que na política é usado para designar uma pessoa que é indicada ou chancelada por uma autoridade – em geral dotada de mais peso político – para assumir um posto no governo: o de “afilhado”. A aliança com o padrinho havia sido selada dois dias antes da batida policial à casa do parlamentar do PL. Graças à indicação de Sebastião Oliveira, Fernando Leão passou a chefiar o Departamento Nacional de Obras Contra as Secas, Dnocs, um órgão de orçamento bilionário e conhecido como um escoadouro de dinheiro público, que entrou na mesa de negociações do presidente Jair Bolsonaro com o Centrão por espaços no governo em troca de apoio no Congresso.
Sebastião Oliveira é sobrinho de Inocêncio Oliveira, ex-PFL e PL, que presidiu a Câmara dos Deputados nos governos Fernando Collor e Itamar Franco (biênio de 92/93) e era conhecido como “o rei do baixo clero”, numa época em que Eduardo Cunha, o pai do Centrão, embora já aprontasse das suas na Telerj no Rio, ainda era uma miragem política. Por representar parlamentares de pouca expressão, mas bem numerosos, Inocêncio se notabilizou por sempre ocupar cargos de direção na Câmara e carimbar indicações para todo e qualquer governo, de quem ele era, invariavelmente, aliado de primeiríssima hora. Foi alvo de acusações de corrupção, mas acabou condenado mesmo em 2006 por submeter trabalhadores de sua fazenda no Maranhão a maus tratos. Sebastião Oliveira poderia ter evitado flertar com os malfeitos, mas resolveu trilhar pela mesma rota – um caminho que, na política, é sempre pedregoso.
Como o aliado está de malas prontas para ingressar no Avante, Arthur Lira, hoje no PP, conta com Sebastião Oliveira para atrair ao seu grupo político parlamentares de sua futura legenda. No toma lá da cá, o toma lá veio primeiro: Arthur Lira comprou briga dentro do PP, para conceder a Oliveira o privilégio da indicação para o almejado comando do Dnocs. Alvo da Operação Outline dois dias depois da nomeação do afilhado Fernando Leão, o novo aliado do Planalto ainda tem muito a explicar. Os desvios ocorreram entre 2016 e 2018 – à época, Oliveira era secretário de Transportes do governo Paulo Câmara, do PSB. De acordo com as investigações, a empreiteira contratada para a obra fazia repasses a empresas fantasmas.
Na operação, os policiais descobriram que outros afilhados do deputado, também investigados por participação no esquema, se encaixavam à perfeição no conhecido modelo que liga as nomeações negociadas em Brasília com a roubalheira de dinheiro público lá na ponta: ao mesmo tempo em que assinavam as ordens de pagamento no órgão onde tinham cargos de chefia, ostentavam um padrão de vida incompatível com o salário que ganhavam. Em um telefonema interceptado pelos investigadores, uma das participantes da trama parecia adivinhar que estava em apuros ao manifestar preocupação com as altas faturas de cartão de crédito. “Do jeito que estão fazendo, vai todo mundo para Curitiba”, disse, em referência à primeira sede da Operação Lava Jato.
A procuradora da República Silvia Regina Pontes Lopes, que conduz a Operação Outline, ficou surpresa com a presença de Fernando Leão, novo chefe do Dnocs, no dia da busca e apreensão na casa de Sebastião Oliveira, e cobrou esclarecimentos dos ministros da Casa Civil, Braga Netto, e da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, que, pelo lado do governo, endossaram a nomeação.
Ela argumenta que, em tese, as nomeações deveriam observar o caráter técnico, e não pessoal. Ressalta ainda o tamanho do orçamento previsto para 2020 no Dnocs – 998 milhões de reais – e lembra que o Tribunal de Contas da União chegou a apontar, em 2018, que o órgão é um dos que apresentam maior risco de corrupção no país. Coincidência ou não, os escândalos no órgão remontam a 1993, época em que uma CPI chegou a ser instaurada no Congresso para investigar perfurações de poços nas propriedades de Inocêncio Oliveira, o tio ilustre do Sebastião do Centrão. É difícil crer que a história, agora, não se repetirá.
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