Gabriel Cabral/Folhapress"A agenda do presidente Bolsonaro é a sua reeleição. A pauta liberal e da responsabilidade fiscal é apenas da atual equipe econômica"

‘Precisamos manter nossa coerência’

O fundador do Partido Novo comemora a decisão de expulsar o ministro Ricardo Salles e diz que, para manter a polarização, Bolsonaro pode colocar a perder o plano liberal de Paulo Guedes
08.05.20

O coronavírus ainda não havia chegado ao Brasil quando João Amoêdo decidiu lançar mão do Skype para reunir a bancada do Novo em uma conferência e comunicar aos deputados a sua renúncia à presidência do partido, em uma tarde de quinta-feira. A decisão, tomada na véspera, surpreendeu os correligionários no início de março, mas tinha como principal objetivo criar um antídoto para críticas que ele já vinha sofrendo de alguns parlamentares e que, a seu ver, ameaçam a imagem da legenda. Após dez anos à frente da agremiação, quatro e meio como presidente do diretório nacional, Amoêdo já estava sendo chamado de “dono” do Novo, um rótulo que minava a maior bandeira do partido, a da coerência – a legenda nasceu em 2011, para combater as velhas práticas políticas, incluindo o caciquismo partidário.

Aos 57 anos, o empresário carioca passou o bastão ao também empresário Eduardo Ribeiro e conquistou, assim, mais liberdade para fazer críticas públicas que antes procurava dosar para que sua voz não fosse confundida com a posição oficial do partido. O quadro político atual escancarou as divergências. Nesta entrevista a Crusoé, Amoêdo é categórico na defesa da saída de Jair Bolsonaro do cargo, seja pela renúncia ou pela via do impeachment, enquanto a bancada do partido em Brasília ainda não vê crime de responsabilidade nas ações do presidente. “O comando da nação por alguém despreparado, irresponsável e que desrespeita os princípios básicos da gestão pública é muito mais doloroso e custoso para o brasileiro do que o impeachment”, afirma.

Para Amoêdo, Bolsonaro tem criado polêmicas diárias no Planalto apenas para alimentar a polarização e aglutinar apoio suficiente, a fim de tentar chegar ao segundo turno das eleições em 2022. Crítico das demissões dos ex-ministros Luiz Henrique Mandetta, da Saúde, e Sergio Moro, da Justiça e Segurança Pública, o fundador do Novo acredita que o presidente é capaz de abrir mão do que restou da agenda liberal defendida pela equipe econômica pensando em seu próprio futuro. O empresário elogiou a decisão do Novo de expulsar de seus quadros o ministro Ricardo Salles, que reagiu dizendo que entre Bolsonaro e Amoêdo, prefere Bolsonaro. Confira os principais trechos da entrevista.

O Novo acertou ao expulsar o ministro Ricardo Salles nesta semana?
Não sei os motivos da decisão do comitê de ética porque o processo estava sob sigilo e os dirigentes do partido não participam, mas confio e apoio a decisão. O que eu estranhei foi o fato de ele ter dado publicidade a isso e não ter entrado com recurso no diretório nacional, o que está previsto no estatuto. Ou seja, ele queria sair do partido? Depois ele escreveu: “Entre Bolsonaro e Amoêdo, fico com Bolsonaro”. Uma postura imatura, vinda de um ministro de estado. As acusações que ele faz ao partido e a mim, de que o Novo não deixa as pessoas terem posicionamento, de que eu sou o dono do partido, não encontram respaldo na realidade. Ele está no grupo dos ministros ideológicos, que gostam de criar polêmicas. O Novo nunca considerou que tinha um ministro. Essa decisão é importante para a imagem do partido, para mantermos nossa coerência.

A atuação dele como ministro desgastou o partido?
Nossa preocupação, no primeiro momento, era deixar claro que, diferentemente do que a gente estava acostumado a ver no passado e é muito tradicional na política, em que os partidos indicam os ministros, não houve indicação do Novo no caso de Ricardo Salles. O partido não tinha nenhuma participação nas pautas que ele fez e ele não era um representante do partido no ministério do governo Bolsonaro. Nossa preocupação sempre foi com a construção da marca, com a coerência. Em alguns casos, a atitude do ministro poderia estar trazendo uma associação indevida. Com o passar do tempo, essa questão foi ficando mais clara, de que não há nenhuma ingerência do partido no ministério.

Ao contrário da bancada do Novo em Brasília, o sr. tem defendido a renúncia ou o impeachment do presidente Jair Bolsonaro. Por quê?
Passei a fazer isso a partir de 23 de março, quando ficou claro para mim que temos um presidente sem equilíbrio e responsabilidade para administrar o país e que tem como agenda prioritária sua reeleição. Os exemplos são diários. Bolsonaro minimizou uma crise na saúde que já provocou mais de 8 mil mortes, teve um péssimo comportamento ao contrariar as recomendações da OMS e do Ministério da Saúde quanto a aglomerações, não demonstra solidariedade com as famílias que perderam seus entes, participa de manifestações que pedem a volta do AI-5 e da intervenção militar, promove um sistema de troca de cargos no Congresso com lideranças com histórico de corrupção, flerta com um plano econômico, o Pró-Brasil, que é contrário ao defendido pelo seu ministro da Economia e oposto ao que pregou na campanha eleitoral, promove um ambiente de confronto com as instituições, com a imprensa, com boa parte dos governadores e entre os brasileiros, dispensa ministros sem qualquer justificativa técnica, enquanto mantém outros apenas pelo aspecto ideológico, provoca a demissão do ministro responsável pelo combate à corrupção, para tentar interferir na Polícia Federal.

Como Bolsonaro já demonstrou que não irá renunciar, o sr. acha que o país tem condições de realizar um processo de impeachment neste momento?
Um processo de impeachment é sempre desgastante e obviamente precisa atender as condições legais. Mas o comando da nação por alguém despreparado, irresponsável e que desrespeita os princípios básicos da gestão pública é muito mais doloroso e custoso para o brasileiro do que o impeachment, especialmente com todos os desafios do quadro atual.

Qual a sua avaliação sobre as demissões dos ex-ministros Luiz Henrique Mandetta e Sergio Moro?
Ambas foram ruins para o país, tanto na forma quanto no conteúdo. Um processo de fritura dos ministros e saídas conturbadas sem nenhuma justificativa técnica para as referidas demissões. O resultado foi mais instabilidade e, até o momento, nenhum ganho de eficiência.

O sr. ainda vê alguma pauta da agenda liberal defendida pelo Novo dentro do governo Bolsonaro?
A agenda do presidente Bolsonaro é a sua reeleição. A pauta liberal e da responsabilidade fiscal é apenas da atual equipe econômica e poderá ser descartada pelo governo na busca de atalhos para a reeleição. Aliás, já há alguns indícios nessa linha, como a elaboração do Plano Pró-Brasil e a recente aprovação de ajuda aos estados e municípios com a redução expressiva de contrapartidas, que foi apoiada pelo líder do governo na Câmara.

Diante do atual cenário político, qual conselho daria ao ministro Paulo Guedes?
Persevere e não se afaste dos seus princípios.

O sr. estimularia o ministro a deixar o governo?
Não. Apenas se ele perdesse a gestão da política econômica.

Gabriel Cabral/FolhapressGabriel Cabral/Folhapress“Mantida essa condução (do governo), teremos resultados muito ruins na saúde, na economia e, consequentemente, no campo social”
Em março, o sr. renunciou à presidência do Novo, surpreendendo aliados. Por que decidiu sair antes do fim do mandato, em 2023?
Saí do partido por três razões principais. Depois de quase dez anos dedicados à concepção, registro e estruturação do Novo, gostaria de ter mais tempo livre para outras atividades. O Novo tem uma equipe de dirigentes partidários totalmente alinhada com os valores da instituição e apta a comandar o partido. Por último, considerei importante dar o exemplo de que as lideranças não devem se perpetuar à frente da organização. O crescimento do número de filiados do partido, o maior entre todas as legendas, é o melhor parâmetro para avaliação da sua condução.

Como tem visto a atuação do partido desde então?
Muito positiva. Em Minas Gerais, o governador Romeu Zema tem deixado de lado as polêmicas e dedicado seu tempo integralmente ao gerenciamento da crise do coronavírus. No nível federal, nossos mandatários têm votado pelo apoio a ações temporárias de ajuda aos mais prejudicados e defendido a responsabilidade fiscal. O partido tem se posicionado a favor das instituições, do diálogo e das investigações que envolvem o presidente da República.

O sr. se arrepende de ter votado em Jair Bolsonaro?
Sempre coloquei que era um voto contra o PT. Eu já tinha muitas dúvidas quanto à capacidade administrativa do governo Bolsonaro. Mas ele montou uma equipe muita boa na parte econômica. Paulo Guedes, Mansueto (Almeida, secretário do Tesouro). Tem um time muito alinhado. Minha crítica inicial sempre foi quanto à incapacidade do governo em definir prioridades, o que é fundamental, e ser um governo de diálogo, de evitar polêmica. E, nesse aspecto, ele está indo na direção contrária. Ele tem deixado as prioridades de lado. Foca em questões como carteirinha estudantil e multas de trânsito em vez das reformas administrativas, da reforma tributária. A área econômica ficou lutando sozinha. Outra coisa que me incomoda há tempos é o foco na reeleição. Essa criação diária de polêmica é estratégia para manutenção da sua base de apoiadores, seguidores. Criam-se pautas apenas para gerar conflito, o que não é bom para o Brasil. Ele (Bolsonaro) imagina estar juntando essa base para levá-lo ao segundo turno em 2022. O governo começou regular e já caminhava para um desempenho medíocre. Com toda a crise hoje e com o despreparo demonstrado pelo presidente para enfrentar esse cenário, sou ainda mais cético em relação à avaliação do governo. Mantida essa condução, teremos resultados muito ruins na saúde, na economia e, consequentemente, no campo social.

A decisão do governador Romeu Zema, do Novo, de dar aumento para policiais em meio a uma crise financeira no estado não arranha a imagem e o discurso do partido?
Entendo que não. Pelo contrário, mostrou que, obviamente, os mandatários, ao serem eleitos, eles têm liberdade, não tem como ser diferente. Eles assinam alguns compromissos, mas ficou claro que o Novo, como instituição, tem compromisso com as ideias e com os princípios. É sempre mais fácil falar de longe. No Novo, tem uma coisa interessante: a gente sempre separa a gestão pública da gestão partidária. Isso dá autonomia ao mandatário, por um lado, e ao partido por outro. Certamente ele teve lá suas pressões, tem toda uma engrenagem política, reformas a serem feitas, mas, na nossa avaliação, houve um erro, sim, quando ele fez a proposta de aumento na situação em que se encontrava o estado. Não foi à toa que soltamos uma nota pública criticando a medida e entramos com uma ação no Supremo, questionando uma inclusão que para nós não faz o menor sentido. Acho que são coisas que vão acontecer ao longo processo. Vai ter algum mandatário que vai errar, isso é natural, mas o partido vai estar sempre em cima e defendendo aquilo que se comprometeu a fazer.

Quais as ambições eleitorais do Novo para 2020?
O grande desafio do partido é o crescimento com qualidade. Na verdade, à medida que você vai evoluindo, a responsabilidade aumenta. Nós fizemos um processo onde havia algumas métricas para abrir diretório, ter voluntários, e processo seletivo para trazer candidatos a cargos majoritários. Então, ao final dessa história, nós lançaremos candidatos a prefeito e vereador em 35 cidades e devemos lançar somente para vereador em mais 14 cidades. Estaremos presentes em 49 municípios. A prioridade foi para municípios maiores, aproveitando que agora a gente tem a possibilidade de participar de debate de televisão. O desafio vai ser esse. Já fizemos encontro com esses candidatos para alinhar discurso, falar da instituição, o que pode ser feito e o que não pode. Todos os candidatos do Novo assumem compromisso de redução de despesa, de não aumentar impostos, de cortes de assessores e de privilégios. A nossa turma de deputados vai fazer uma economia de 150 milhões de reais ao longo do mandato, só com corte de assessor e privilégio.

Em São Paulo, há quem veja o Partido Novo como uma legenda auxiliar do “Novo PSDB”, liderado por Doria. É por aí?
Tenho achado até engraçado que o PSDB tem tentado colocar esse “novo” antes do nome. Agora é o “Novo PSDB”. Mas a gente não sabe o que significa esse novo deles. Isso tem acontecido agora nos partidos. Eles trocam de nome, mas as práticas continuam as mesmas. Quando começar a campanha vão ficar claras as diferenças de atuação entre o Novo e o PSDB. Essa associação não vai se mostrar real.

Como aumentar o potencial eleitoral do Novo neste momento de extrema polarização sem descambar para o populismo?
A principal forma de aumentar a nossa capilaridade é fazer mais do mesmo. Nós tivemos um crescimento de 150% no número de filiados no último ano, o maior crescimento proporcional entre todos os partidos, apesar de o Novo ser o único partido onde o filiado contribui com 30 reais por mês, dado que a gente não usa verba pública. Ou seja, crescemos num cenário em que nos outros partidos a filiação é gratuita e no Novo ela é paga. E a forma de crescer é manter a coerência. A gente quer crescimento sustentável. O crescimento onde você vem com populismo até acontece, mas não se sustenta.

Gabriel Cabral/FolhapressGabriel Cabral/Folhapress“A criação diária de polêmica (por Bolsonaro) é estratégia para manutenção da sua base de apoiadores, seguidores”
O Novo abriu mão do fundo eleitoral na campanha, mas faz uso de uma parcela do fundo partidário.
O fundo eleitoral nós nem retiramos, deixamos no Tesouro. Agora, o fundo partidário nós utilizamos uma pequena parte, de 5%, que tem de ser utilizada para incentivo à participação feminina na política. E esse nós tentamos não utilizar, não gostamos, mas teríamos um problema na prestação de contas e teríamos multa se não utilizássemos.

O sr. diz que o Novo não busca puxadores de voto, mas tem um novo player na política bastante popular que é o Luciano Huck. Ele poderia se filiar ao Novo?
Hoje acho difícil. Não sei se ele compartilha das mesmas ideias que temos hoje no partido, de eficiência da máquina pública. É difícil saber ainda os pensamentos do Huck, qual o plano que ele imagina para o Brasil. No Novo temos sempre essa filosofia de não buscar um salvador da pátria, mas sim o princípio de ideias e valores.

O Huck tem se apresentado como um salvador da pátria?
Acho que ele se apresenta muito centrado na figura dele. Se eu estivesse no lugar dele e quisesse sair candidato, a primeira coisa que faria seria se juntar a uma instituição que dissesse quais são os caminhos que adotaria. Não sei muito quais são as ideias do Huck. Aliás, isso é uma coisa que tem me incomodado no Brasil. As pessoas têm trabalhado muito pensando em 2022, em projetos pessoais, a começar pelo presidente da República. E o país vai ficando de lado.

O sr. tem pretensão de disputar novamente a Presidência?
Isso é uma coisa que vou pensar mais lá na frente. Em 2018, era uma coisa que não tinha imaginado. A minha ideia era estar na gestão do partido, mas acabei saindo por uma necessidade, mas não tenho pensado sobre isso agora. A preocupação maior agora é com a atuação e o crescimento do partido, atração de bons quadros, e muito espírito crítico do que poderíamos estar fazendo melhor para o país. Nós sempre entendemos o partido como uma plataforma para trazer pessoas novas para a política, com melhores práticas para o Brasil, e não um instrumento de poder.

O que o sr. pensa dos movimentos de formação política patrocinados por empresários?
Os movimentos como formação política são ótimos, uma porta de entrada para preparar as pessoas, isso é excelente e deve ser apoiado. O que me incomoda é quando os movimentos, além disso, passam a se considerar bancadas. Não é esse o papel deles. As bancadas quem existem são as dos partidos. O trabalho desses movimentos deveria ser a formação. A partir do momento em que as pessoas formadas são eleitas, elas devem dedicação, fidelidade e respeito às regras do partido.

O sr. fez carreira em banco, e o setor apareceu nos últimos anos envolvido em diversos casos de corrupção. Como vê essas graves suspeitas?
Eu sempre trabalhei em bancos de investimentos. No BBA por muito tempo, depois em uma financeira que veio a ser comprada pelo Itaú. Depois, virei membro do conselho do Itaú-BBA. Acho que qualquer coisa que possa ter acontecido tem de ser investigada. Não tenho detalhe de alguma ação específica, de algum dirigente que tenha feito alguma coisa. Nós tivemos bancos condenados no caso do mensalão, por exemplo. Acho que a Justiça tem de ser feita. Esse é o principal ponto: a aplicação das leis, inclusive no combate à corrupção. Qualquer pessoa envolvida tem de pagar pelo que fez. Tem que identificar quem foram, se apenas as pessoas, se as instituições, e punir aquele que fez algo contra a lei.

Ficou a sensação de que a Lava Jato avançou bastante nos esquemas das empreiteiras, mas deixou a desejar nas suspeitas envolvendo o setor financeiro e o Judiciário. Acredita que a atuação dos investigadores sobre esses setores foi dificultada?
Eu não tenho como julgar isso porque estou afastado do conselho desde 2015 e da parte executiva há mais tempo. Agora me parece mais óbvio que os grandes esquemas estavam nas empreiteiras porque era ali o fornecimento de serviços para o setor público, tanto para estatais quanto governos. Os bancos que atuaram, se atuaram, foi na passagem de dinheiro, em alguma lavagem. Tem qualquer banco ali, nacional ou estrangeiro. Devem ser investigados também.

Os comentários não representam a opinião do site. A responsabilidade é do autor da mensagem. Em respeito a todos os leitores, não são publicados comentários que contenham palavras ou conteúdos ofensivos.

500
Mais notícias
Assine agora
TOPO