Isac Nóbrega/PRBolsonaro com Rolando de Souza: tudo bem se Ramagem chegar

O Ramagem do B

Rolando de Souza, o novo chefe da Polícia Federal, tem fama de competente e bom gestor, mas terá dificuldades para se livrar de um carimbo que o próprio presidente, indiretamente, lhe impôs: o de tarefeiro do Planalto
08.05.20

Na terça-feira, 28, tão logo o nome de Alexandre Ramagem apareceu no Diário Oficial da União como o novo diretor-geral da Polícia Federal, começaram a circular – como é de costume – listas entre delegados federais com possíveis nomes para preencher os oito cargos de direção que formariam a nova cúpula da corporação. Em todas elas um nome se repetia: o de Rolando Alexandre de Souza. Um dia depois, na quarta-feira, 29, após o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, suspender a nomeação de Ramagem para a direção-geral da PF, Rolando foi alçado das listas de aspirantes a diretores a plano B de Jair Bolsonaro para a vaga deixada por Maurício Valeixo, cuja queda resultou em mais uma crise barulhenta no governo e em um inquérito criminal contra o presidente. Bolsonaro chegou a ensaiar a possibilidade de insistir na nomeação de Ramagem, o que o colocaria em confronto direto com o STF, mas, também como é de costume, recuou, aconselhado por auxiliares. Na segunda-feira, 4, enfim, o plano B virou A e Rolando, então braço-direito do diretor dos sonhos de Bolsonaro na Abin, ascendeu ao comando da PF.

Aos 46 anos e na PF desde 2006, Rolando de Souza é filho de militar e por pouco não seguiu a carreira do pai no Exército. Chegou a cursar a Academia Militar das Agulhas Negras, a Aman, mas não concluiu a jornada por causa de um problema em uma das pernas. Após fazer o concurso para delegado da Polícia Federal em 2005, teve que recorrer à Justiça para assumir o cargo. Motivo: havia sido reprovado em um teste físico, a prova de barras. Ele contestou a inabilitação, apresentou testemunhas de que teria executado o exame de maneira correta e conseguiu ser conduzido permanentemente ao posto. Em 2007, após passagem pela academia de polícia, começou sua carreira na superintendência da PF de Rondônia, uma espécie de passo inicial para o caminho até a direção-geral.

Como não constava num primeiro momento entre os mais cotados para virar o diretor dos diretores, logo que o nome de Rolando Alexandre apareceu no Diário Oficial foi deflagrada uma intensa busca por informações sobre sua forma de atuação – sobretudo por policiais interessados em saber o que esperar da nova gestão em meio a uma dos momentos mais tensos da história da PF. Crusoé falou com delegados e peritos que trabalharam com Rolando de Souza em suas duas passagens por Rondônia, conviveram com ele na sede da PF, em Brasília, onde ele atuou na seção que investiga desvios de recursos públicos, e que estiveram na superintendência de Alagoas, chefiada por ele entre 2018 e 2019.

Para os acostumados com as grandes operações de combate à corrupção pelas quais a PF se tornou nacionalmente conhecida, a imagem estereotipada do delegado é a daquele investigador marrento responsável por conduzir interrogatórios e prisões de banqueiros, figurões da política e narcotraficantes. O novo diretor-geral Rolando de Souza não encarna esse perfil. Não se tem notícia sobre um inquérito mais rumoroso e cujos alvos fossem políticos ou empresários graúdos. Desde a época em que trabalhou na superintendência de Rondônia, no entanto, ele sempre ocupou cargos de chefia. Lá, foi chefe da Interpol, chefe-substituto da delegacia de Meio Ambiente e chefe do núcleo de operações. Devido ao bom trabalho exercido sempre próximo ao topo da hierarquia da corporação, ele passou a cultivar a fama de excelente gestor.

Marcos Oliveira/Agência SenadoMarcos Oliveira/Agência SenadoRamagem foi o grande fiador da ascensão de Rolando de Souza a diretor da PF
De acordo com um colega que conviveu com Rolando de Souza a partir de 2014 em Brasília, o delegado, por ser estudioso de estatística, matemática e administração, é capaz de conseguir desenvolver tarefas que geram economia para a PF, que tem orçamento sempre enxuto, mas sem deixar de tirar os projetos do papel. A delegada Érika Marena, que atuou em grandes investigações como o caso Banestado e a Lava Jato, afirma que o delegado foi quem estruturou o setor de desvios de recursos e, durante sua gestão, o número de operações deu um salto. O também delegado Fabrizio Garbi, que trabalhou por dois anos com Rolando, faz coro. Garbi recebeu dele a missão de recriar um curso para desenvolver ferramentas de investigação de desvios de recursos Públicos. O curso foi realizado em vários estados e capacitou 1099 policiais. “Eu assisti ao curso 17 vezes, porque o doutor Rolando me mandava ir pessoalmente para garantir que tudo saísse perfeito”, conta. O resultado da capacitação, observa, foi o aumento em 108% no número de operações relacionadas a desvios de verbas públicas entre 2015 e 2016.

Outros policiais ouvidos por Crusoé elencam mais um importante mérito da trajetória de Rolando: sua atuação no desenvolvimento do Atlas, um sistema da PF que reúne os bancos de dados de outras instituições para que informações estratégicas sejam cruzadas em investigações de combate à corrupção e desvio de dinheiro público. A ideia existia havia algum tempo, mas foi adiante depois de ser encampada pelo novo diretor-geral. “As instituições achavam que íamos usar os dados para fazer operações contra elas. Ele (Rolando) foi a cada uma, explicando do que se tratava e conseguiu convencê-las”, diz o delegado Garbi.

É claro que todo esse currículo não teria peso algum não fosse o principal handicap exibido por Rolando Alexandre: o fato de ele ser próximo de Alexandre Ramagem, o candidato do coração de Bolsonaro para o comando da PF. Na prática, o novo diretor-geral é uma espécie de “Ramagem do B” no comando da PF. Por isso, apesar dos atestados de competente e bom gestor, Rolando terá de se livrar de um rótulo imposto pelo próprio presidente indiretamente: o de tarefeiro do Planalto, uma pessoa que estaria no cargo para fazer o que antecessor Maurício Valeixo não fez, ou seja, informar o presidente sobre tudo o que ocorre nos bastidores das investigações.

Na polícia, há um temor de que a corporação se transforme num órgão de assessoramento do presidente. Pode até ser que isso não ocorra. Mas, segundo assessores palacianos, é o que se espera dele. Que seja na direção da PF não só os olhos e ouvidos de Ramagem como também os do presidente da República. Não necessariamente o novo diretor-geral da PF terá de repassar ao mandatário do país informes periódicos sobre o que e quem está sob a mira da corporação. Mas fatalmente ele terá de trabalhar mais perto do serviço de inteligência do governo.

Sérgio Lima/ADPFSérgio Lima/ADPFErika Marena elogia novo diretor: com ele operações deram um salto
Como o novo todo-poderoso da PF estará sob vigilância permanente, seja interna ou externa, depois que Bolsonaro passou a responder formalmente a um inquérito acusado de interferir nos trabalhos da polícia, é improvável que haja indiscrições flagrantes. Quem conhece bem os meandros da polícia diz, no entanto, que tudo irá depender de como irão transitar as informações entre a PF de Rolando e a Abin de Alexandre Ramagem. Há quem aposte que irão fluir muito bem. No ano passado, delegados federais passaram a trabalhar mais diretamente com o time de Ramagem na Abin como parte de um plano de integração entre as duas corporações. Agora, a partir da ascensão de Rolando Alexandre de Souza, o amigo do amigo de Bolsonaro, a expectativa é que esse processo seja agilizado.

O primeiro ato de Rolando no comando da PF justificou o rótulo de “Ramagem do B”: o novo diretor-geral atendeu à fixação de Bolsonaro de mexer na superintendência do Rio. Rolando tirou Carlos Henrique Oliveira, promovendo-o a diretor-executivo, o segundo posto mais relevante da polícia em Brasília. O inquérito aberto no STF com base nas acusações de Moro, no entanto, acabou sendo decisivo para, ao menos teoricamente, conter o ímpeto de Bolsonaro. O nome escolhido por Rolando para a unidade da PF no Rio, ao menos, não foi o que o presidente vinha defendendo até então. Para a superintendência fluminense Bolsonaro chegou a cogitar publicamente o delegado Alexandre Saraiva, da superintendência do Amazonas. O escolhido do novo diretor-geral, porém, foi Tácio Muzzi, respeitado dentro da corporação por seu histórico de combate à corrupção. A dúvida, agora, é se os cargos do segundo escalão podem sofrer algum tipo de ingerência.

Rolando de Souza também manteve Igor Romário de Paula, ex-Lava Jato, na poderosa Diretoria de Investigação e Combate ao Crime Organizado. A permanência dele significa que a maioria das investigações mais sensíveis de corrupção envolvendo políticos e outras autoridades com foro privilegiado continuará nas mãos dos mesmos delegados. O setor é responsável pelos chamados inquéritos especiais, aqueles que tramitam nas cortes superiores de Brasília. Os delegados do time de Igor Romário são os que trabalham, por exemplo, nas investigações sensíveis sob a relatoria do ministro Alexandre de Moraes no STF. Entre elas está o rumoroso inquérito do fim do mundo, que apura supostas ameaças a ministros da corte e censurou Crusoé.

Embora o novo diretor tenha conseguido com as duas medidas aplacar momentaneamente as tensões internas, a capacidade de gestão e comando de Rolando de Souza só agora começará a ser, de fato, colocada à prova. De acordo com fontes da PF, somente os resultados daqui para a frente e a ausência de qualquer ruído sobre interferências do Planalto poderão trazer a calmaria de volta ao Máscara Negra, o edifício-sede da Polícia Federal.

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